Garotos são garotos

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ENTREVISTA

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Garotos são garotos Uma conversa com Tone C. Rønning

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Norwegian Public Broadcasting Company (NRK, a “Emissora Pública Norueguesa”) reflete a relação de gênero da sociedade norueguesa, uma vez que são as mulheres basicamente que trabalham no departamento de crianças e juventude do canal público. O grupo feminino é maioria dentro dos departamentos editoriais que se dirigem ao público jovem. Nas pré-escolas e escolas primárias, a maioria dos educadores é composta por mulheres (em muitos casos, mais de 70%). No âmbito privado, metade dos casais é divorciado e muitas das crianças crescem com mães solteiras. Diferente da vida adulta, os valores femininos predominam na infância. As garotas vão melhor na escola e são “mais maduras” que os garotos. Os meninos têm tendência a serem mais agressivos e a recorrer mais à força física que as meninas. Garotos lêem menos livros, trocam dos canais públicos para os privados com maior frequência e o fazem com uma idade menor. As emissoras públicas têm o dever de apresentar, ao seu público jovem, personagens com os quais eles possam se identificar. Esta era, e ainda é, a estratégia declarada do departamento de crianças e jovens da NRK que, naquela época, estava buscando os manuscritos para uma nova série dramática. Encontramos isso em Boys Will

A série dramatizada Boys Will be Boys, (7 episódios de 25 minutos, NRK 2005) se dirige a um público entre dez e 14 anos e suas famílias nas tardes de sábado. A séria é escrita e produzida pelo escritor Axel Hellstenius e pelo produtor Olav Øen (Monster Media), encarregado do departamento de infância e juventude da NRK. Trata sobre um grupo de quatro meninos de 12 anos que testam os limites de suas coragens, suas relações com a amizade e com o mundo dos adultos – é uma história sobre relacionamentos num marco de ação. Be Boys (“Garotos São Garotos”). Imagine quatro amigos que formam um círculo, desenham seus arcos e lançam suas flechas ao céu. Então, eles ficam lá sem se mover, aguardando as flechas caírem, enquanto observam atentamente uns aos outros para ver quem será o primeiro que fugirá pelo medo de ser atingido por uma das flechas que está voltando. Essa é a cena de abertura do roteiro e uma metáfora para a série inteira: meninos testando seus próprios limites, assim como a lealdade de cada um à “sociedade” que eles formam. A primeira cena mostra que esses quatro rapazes têm personalidades diferentes, mesmo tendo a mesma idade e vindo

de um contexto social parecido. Mais adiante na história, o professor de educação física acusa os meninos de serem preguiçosos. Essa acusação leva um dos amigos, Beaner, a apostar que poderá carregar todas as mochilas dos colegas de classe, porque quer mostrar como é forte. Porém, quase não tem oportunidade de vencer a aposta. Depois, o professor de educação física se torna seu professor de classe. Beaner reage a esta nova situação com alto grau de agressividade e seu alvo são as várias pessoas que ele encontra, inclusive seus amigos. Ele os convence a seguir, secretamente, o professor de educação física, que está participando de uma manobra militar, e a roubar cartuchos de festim. Nossos jovens heróis começam a fazer experimentos com pólvora e tentam fabricar bombas. Como os quatro jovens protagonistas são homens e interagem soltando sua agressividade no centro dos acontecimentos da série Boys Will Be Boys, nós, da NRK, nos defrontamos com alguns dilemas, um deles é o do equilíbrio de gênero: se a história fosse somente sobre a fabricação de explosivos, ela não teria sido aceita por nós, mas o fato é que não era. Os quatro garotos desencadeiam uma série de acontecimentos que os afetam, bem como aos demais. Lidam com conflitos internos e

©Internationales Zentralinstitut für das Jugend- und Bildungsfernsehen (IZI) 2008


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externos e lutam para encontrar soluções individuais para seus problemas. Isso significa que eles assumem responsabilidades. É com essa lógica de funcionamento que as personagens se desenvolvem e é também desse modo que as dinâmicas mudam dentro do grupo. Existem garotas envolvidas na história, mas Boys Will Be Boys não é uma série equilibrada do ponto de vista do gênero. Isso permite que os quatro meninos e seu professor de educação física ilustrem muitas das facetas da personalidade masculina. Como a cena está aberta apenas a personagens masculinos, eles mostram a complexidade de ser homem. As personagens femininas precisam ter essa mesma oportunidade, mas em outro programa. O roteirista Axel Hellstenius comenta que para ele, quando tinha 11 ou 12 anos, o que realmente importava eram os outros meninos. Ele queria pertencer ao grupo. Brincar com as meninas era legal, mas não tinha a mesma importância. Sem provas científicas para tanto, ele, ainda assim, está convencido de que, nessa idade, o senso de pertencer a um grupo de meninos é a coisa mais importante que há para um garoto. O objetivo para o seriado foi retomar situações e acontecimentos de sua própria infância e mesclá-las com as experiências que os meninos vivem hoje. Olhando à nossa volta, há muitos exemplos de garotos que simplesmente querem ser garotos... Não há dúvidas: a série foi muito bem recebida por seu público. Os meninos ficaram encantados, muitos deles assistem até as reprises. O Boys Will Be Boys é um programa que está

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sendo assunto do nosso público. As garotas também assistem e gostam. O seriado inspirou alguns meninos a copiar o experimento com os explosivos. Porém, seus pais e professores reagiram imediatamente e esta experiência constituirá um marco em suas vidas. Os garotos fazem este tipo de experimentos há gerações, mas isso ainda nos leva a pensar sobre o nosso papel, se precisamos ser apenas contadores de histórias ou se também somos cuidadores. Nas situações que narram, as histórias nos mostram opções de atitudes que podemos ter em nossas próprias vidas, não importa o nosso gênero ou idade. Elas movem as pessoas e as pessoas movem a sociedade. . Durante sua longa estadia no hospital, Arne fez uma lista de atividades que tentaria fazer com seus três amigos quando saísse. Entre elas estava: atirar com arco e flecha, saltar no mar de uma rocha de 10 metros de altura e jogar Strip Poker. Arne não ficava muito entusiasmado com o Strip Poker, mas seu amigo Beaner insistia em jogá-lo. A mãe de Beaner tinha deixado a família e ele preferia não falar a respeito, preferia desafiar seu professor de Educação Física. Ele é, além de professor, um oficial do exército. Os garotos o seguem secretamente em uma manobra militar. Encontram o caminho para algumas balas de festim que contêm pólvora e começam a fazer experiências com elas…

A AUTORA

*Tone C. Rønning é produtora executiva na emissora na televisão pública norueguesa NRK e líder criativa da Westerdal School of Communication em Oslo, Noruega. Nasceu dia 8 de março, dia internacional da mulher.

©Internationales Zentralinstitut für das Jugend- und Bildungsfernsehen (IZI) 2008


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