Seleção de trabalhos editoriais ilustrados

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Affinché gli alberi non cadano in piedi é fina arte de

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Marcelo Franz

Maria Célia Martirani

e-mail: pispiti@yahoo.com.br

Para que as árvores não tombem de pé

Collabora con la Rivista Idéias, della Travessa dos Editores (CuritibaPR), dedicandosi alla scrittura di racconti e alle rassegne critiche su arte, letteratura e cinema.

Affinché gli alberi non cadano in piedi

Maria Célia Martirani

è scrittrice e ricercatrice in Letteratura Italiana e Letterature Comparate. Attualmente, nel corso di poslaurea della USP (Università di S. Paolo), svolge un’analise sull’opera dello scrittore italiano contemporaneo Alessandro Baricco. Pubblicò: “Intervista con Alessandro Baricco: in cerca del vecchio narratore che abita in ognuno di noi.” (Curitiba: Travessa dos Editores, 2006). Ha scritto il libro di racconti “Recontando (São Paulo: Edicon, 1993).

Para Que As Árvores não Tombem de Pé

Maria Célia Martirani

é escritora e pesquisadora, na área de Literatura Italiana e Literatura Comparada. Atualmente pós-graduanda da USP, dedica-se à análise da obra do escritor italiano contemporâneo Alessandro Baricco, tendo publicado, na Revista de Literatura e Arte Etcetera número 9, da Travessa dos Editores (2006) , o artigo: “Entrevista com Alessandro Baricco: à procura do velho narrador que habita em cada um de nós.” É autora do livro de contos Recontando (Edicon, 1993). Vem colaborando com a Revista Idéias, da Travessa dos Editores (PR) , em que escreve contos e resenhas sobre arte, literatura e cinema.

Affinché gli alberi non cadano in piedi

narrar poemas e poetizar narrativas. É o fabulesco a serviço de uma exaltação do dizer em suas amplas potencialidades, muitas das quais negadas pelas experiências ficcionais que nos tem chegado nesses dias confusos. A arte de Maria Célia Martirani propõe uma suspensão do tempo na (e da) linguagem, crente no fluxo de um tempo de delicadeza na expressão e no que ela refere. Uma delicadeza de criação poética em que ação e feitura textual alcançam uma idealizada interrupção daquilo que, no fazer e desfazer do tempo, corrói a matéria prima fina: vida. Em seus contos suspende-se o primado do dizer breve, do pensar miúdo, do viver reduzido ao mero sobreviver. Atinge-se uma escrita que se pretende ampla no que lê da condição humana, numa época de cinismo desencantado e saídas literárias pela tangente da banalidade travestida de pessimismo. Pode ser, por essa medida, que quase nada em Maria Célia seja atual. Eis porque tudo em sua escrita, essencial e imbuída de senso ético, almeje o atemporal, indo na difícil contra-mão do trivial contemporâneo, marginal na esperança que acalenta de uma face humana para a literatura.

Maria Célia Martirani

Para que as árvores não tombem de pé

De Maria Célia, não vamos recontar os contos e sim dizer dela, personagem de uma exposição e dela mesma. Maria Célia, escritora de escol e de raro talento, completa-se na arte das letras, agora numa memorável exposição de quadros literários. Objetiva o Bem na preservação da vida e da natureza, por isso a intitula de modo próprio e sugestivo: “Para que as árvores não tombem de pé...” Maria Célia não se prende a padronizações, embora se guie a diversas direções estéticas. Ao esculpir e pintar palavras, ora é clássica à Rembrandt, ou inova à Cézanne. Mostra-se impressionista na unidade da obra, como se compusesse o auto-retrato qual “Óleo de Vincent sobre tela”, quanto nos girassóis em amarelo-limão. Expressionista à Portinari, abre-nos os olhos para as dores e mazelas humanas. À Picasso, rompe convenções, decompõe o conteúdo, ressalta o horror da violência e crueldades. Maria Célia transita em correntes do Romantismo, do Realismo, é modernista e a sua arte sempre atual. Em seus quadros, textos perenes, respira-se ar puro num clima de ternura. Sente-se numa tela como “Esquina” e quando fala nos entes queridos, nos gritos doridos “espere pai”, “espere filho!” Vislumbra-nos beleza quando retrata, revestidos, os lírios dos campos. Descobre encanto, até mesmo, num “gato castrado”. Torna nobre a inveja, ao senti-la de uma “bailarina borboleta” ou de “subir numa pipa, no invisível fio, de inocentes mãos crianças”. É o coração que lhes dá o ritmo, palpitações, ouve-se sonora a voz da autora, o seu canto no texto. Em todas as páginas, com ou sem rosto, transparece tangível a alma da poetisa em devaneio, enlevada com a harmonia de cores e sons que compõe. São telas literárias iluminadas através de seus olhos por vaga-lumes, velas, luar, sol e estrelas. Transmite-nos zumbidos da mata, a vibração da cigarra, gorjeio dos pássaros, murmúrios de rios e cascatas: a natureza em festa. Por pouco não é triste: sonha e não perde a alegria. As desilusões não chegam a empaná-la, pois em sua alma, “se ferida, o pranto é risonho”. A sua alegria é aquela do poema de Schiller e Coral de Beethoven. De Maria Célia são profundas as reflexões sobre as vicissitudes do mundo. É igualmente o amor em seu temperamento que a leva à rebeldia contra as injustiças sociais, abominando-as e denunciando desmandos e torturas como das câmaras-escuras dos porões da ditadura. É fundamental, em Maria Célia, o ser verdadeira. Doa-se por ideal. É sincera e autêntica. Tem valor artístico real, longe e livre da massificação enganosa da mídia.

Noel Nascimento


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arance e metallo

laranjas e metal

I cocci della vita, incollati, formano una strana chicchera.

Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.

Senza uso,

Sem uso,

lei ci spia dalla credenza.

ela nos espia do aparador.

Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade

La fruttiera stava lì, da mesi, solitaria sull’antico mobile... Nemmeno le solite sane arance potevano aiutare ad abbellire il desolato metallo... Era come se la natura morta morisse, infatti, nel vuoto concavo della superficie fredda e inutile del rame a contenere niente, a conservare niente, a evocare, appena, le immagini delle forme vive, rotonde, succulente della frutta che sapeva come accogliere. Nella poltrona vicina, se ne stava lui, lo sguardo perduto posato assorto su tutti gli oggetti per riconoscerli, uno ad uno, antichi, statici, solidali nelle più sincere ore di abbandono... Ore lunghe, larghe, muse diafane delle dita sottilissime a trarre, languide, i suoni sordi e impossibili dal pianoforte chiuso, appoggiato al muro. Tutto cedeva all’immobilità grave dello scenario, nell’esaltazione solenne e quieta del silenzio. Era urgente tacere! Dovevavo saperlo tutti, pensassero quello che volessero, dicessero quello che dicessero. Lui, placido, muto, nella circospetta decisione di tacere, di far la grande ruota infaticabile e intrepida smettere di digrignare i denti. Aveva bisogno di stare solo! Loro non vedevano?! Non capivano?! Solo questo, che non lo vedes-

A fruteira jazia, há meses, solitária sobre o antigo móvel... Nem sequer as usuais laranjas robustas vinham ajudar a compor o desolado metal... Era como se a natureza morta morresse, de fato, no vazio côncavo da superfície fria e desvanecida do cobre a conter nada, a guardar nada, a evocar, apenas, imageticamente, as formas vivas bojudas, suculentas das frutas que aprendera a amparar. Na poltrona ao lado, ele permanecia, o olhar perdido a incidir absorto em cada objeto, a reconhecê-los, um a um, antigos, estáticos, solidários às mais sinceras horas de abandono... Horas longas, largas, musas diáfanas de dedos finíssimos a extrair, lânguidas, os sons surdos e impossíveis do piano fechado, junto à parede. Tudo cedia à imobilidade grave do cenário, na exaltação solene e quieta do silêncio. Era urgente silenciar! Soubessem todos, pensassem o que quisessem, dissessem o que dissessem. Ele, plácido, mudo, na mais circunspeta decisão de calar, de fazer a grande roda incansável e afoita da engrenagem deixar de ranger os afiados dentes. Precisava estar só! Não viam?! Não percebiam?!

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arance e metallo

laranjas e metal

I cocci della vita, incollati, formano una strana chicchera.

Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.

Senza uso,

Sem uso,

lei ci spia dalla credenza.

ela nos espia do aparador.

Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade

La fruttiera stava lì, da mesi, solitaria sull’antico mobile... Nemmeno le solite sane arance potevano aiutare ad abbellire il desolato metallo... Era come se la natura morta morisse, infatti, nel vuoto concavo della superficie fredda e inutile del rame a contenere niente, a conservare niente, a evocare, appena, le immagini delle forme vive, rotonde, succulente della frutta che sapeva come accogliere. Nella poltrona vicina, se ne stava lui, lo sguardo perduto posato assorto su tutti gli oggetti per riconoscerli, uno ad uno, antichi, statici, solidali nelle più sincere ore di abbandono... Ore lunghe, larghe, muse diafane delle dita sottilissime a trarre, languide, i suoni sordi e impossibili dal pianoforte chiuso, appoggiato al muro. Tutto cedeva all’immobilità grave dello scenario, nell’esaltazione solenne e quieta del silenzio. Era urgente tacere! Dovevavo saperlo tutti, pensassero quello che volessero, dicessero quello che dicessero. Lui, placido, muto, nella circospetta decisione di tacere, di far la grande ruota infaticabile e intrepida smettere di digrignare i denti. Aveva bisogno di stare solo! Loro non vedevano?! Non capivano?! Solo questo, che non lo vedes-

A fruteira jazia, há meses, solitária sobre o antigo móvel... Nem sequer as usuais laranjas robustas vinham ajudar a compor o desolado metal... Era como se a natureza morta morresse, de fato, no vazio côncavo da superfície fria e desvanecida do cobre a conter nada, a guardar nada, a evocar, apenas, imageticamente, as formas vivas bojudas, suculentas das frutas que aprendera a amparar. Na poltrona ao lado, ele permanecia, o olhar perdido a incidir absorto em cada objeto, a reconhecê-los, um a um, antigos, estáticos, solidários às mais sinceras horas de abandono... Horas longas, largas, musas diáfanas de dedos finíssimos a extrair, lânguidas, os sons surdos e impossíveis do piano fechado, junto à parede. Tudo cedia à imobilidade grave do cenário, na exaltação solene e quieta do silêncio. Era urgente silenciar! Soubessem todos, pensassem o que quisessem, dissessem o que dissessem. Ele, plácido, mudo, na mais circunspeta decisão de calar, de fazer a grande roda incansável e afoita da engrenagem deixar de ranger os afiados dentes. Precisava estar só! Não viam?! Não percebiam?!

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so se troverei piacere di avere un altro avversario... Infatti il rischio fa crescere gli artigli, la paura aguzza la vista che comincia a vedere nella notte più sicura e la respirazione galoppante impara a contenersi, nelle redimi corte di un cuore che non sente, non vibra, non è... Io sono così: tronco vuoto, nelle onde di un oceano, al quale non si può resistere...

graça noutro adversário... Porque o risco faz criar garras, o medo aguça o olhar, que passa a ver no breu mais fundo e a respiração a galope aprende a se conter, nas rédeas curtas de um coração que não sente, não vibra, não é... Isso sou eu: tábua oca, no vaivém de um oceano maior, ao qual não se pode resistir...

Di tanto andare in chiesa con la mamma, piccola, ancora, mi abituai a quei quadri di santi, a quel silenzio, al bisbigliare sordo e cadenzato di quelle voci basse, come soffi di novene, preci. A quell’età, non capivo le parole, che la mia memoria obbediente e viva mi faceva ripetere: volevo essere la buona bambina che il Santo Angelo del Signore non avrebbe mai abbandonato. Come era bello imparare ad essere buoni, come era bello aspirare l’odore di quell’incenso che, come tutto là dentro, non aveva fretta, non aveva fretta, non aveva fretta di bruciare... Dalla pesante porta intarsiata verso l’interno, gli eccessi abrasivi della esterna si attenuavano, l’mbiente era fresco, quasi gelido e gli occhi della Madonna delle Grazie brillavano tanto nella penombra, sembravano reali. “O mia cara Nostra Signora delle Grazie, prega per noi che ricorriamo a voi!” La mia mamma mi conduceva per mano e si dimenticava di me, perché rimaneva compenetrata ore ed ore, velo in testa e rosario in mano, gli occhi chiusi quasi compressi, mia madre chiedeva aiuto... Mia madre ne aveva tanto bisogno ed io non ho mai saputo bene il perché, anche se capivo che quello che lei cercava ogni giorno, in chiesa, era l’alimento che ci man-

De tanto ir à igreja com a mãe, pequena, ainda, fui me habituando àquelas imagens de santos, àqueles silêncios, ao sibilar manso e cadenciado daquelas vozes baixas, quase sopros de novenas, orações. Àquela época, não entendia as palavras, que minha memória obediente e esperta me faziam repetir: eu queria ser a boa menina, a quem o Santo Anjo do Senhor jamais abandonaria. Como era bom aprender a ser bom, como era bom inspirar o cheiro daquele incenso que, como tudo lá dentro, não tinha pressa, não tinha pressa, não tinha pressa para queimar... Da pesada porta entalhada de madeira para dentro, os excessos abrasivos da luz de fora se atenuavam, o ambiente era fresco, quase frio e os olhos de Nossa Senhora das Graças, tão brilhantes, à penumbra, pareciam reais. “Minha Nossa Senhora das Graças, rogai por nós, que recorremos a Vós!” E minha mãe me levava pela mão e de mim se esquecia, porque se compenetrava horas e horas, de véu e terço, os olhos bem fechados, quase apertados, minha mãe recorria... Minha mãe precisava muito recorrer e eu nunca soube bem o porquê, embora compreendesse que o que ela buscava diariamente, na igreja, era o alimento que, em

114 pro-vocazione  maria célia martirani

pro-vocação  maria célia martirani 115


so se troverei piacere di avere un altro avversario... Infatti il rischio fa crescere gli artigli, la paura aguzza la vista che comincia a vedere nella notte più sicura e la respirazione galoppante impara a contenersi, nelle redimi corte di un cuore che non sente, non vibra, non è... Io sono così: tronco vuoto, nelle onde di un oceano, al quale non si può resistere...

graça noutro adversário... Porque o risco faz criar garras, o medo aguça o olhar, que passa a ver no breu mais fundo e a respiração a galope aprende a se conter, nas rédeas curtas de um coração que não sente, não vibra, não é... Isso sou eu: tábua oca, no vaivém de um oceano maior, ao qual não se pode resistir...

Di tanto andare in chiesa con la mamma, piccola, ancora, mi abituai a quei quadri di santi, a quel silenzio, al bisbigliare sordo e cadenzato di quelle voci basse, come soffi di novene, preci. A quell’età, non capivo le parole, che la mia memoria obbediente e viva mi faceva ripetere: volevo essere la buona bambina che il Santo Angelo del Signore non avrebbe mai abbandonato. Come era bello imparare ad essere buoni, come era bello aspirare l’odore di quell’incenso che, come tutto là dentro, non aveva fretta, non aveva fretta, non aveva fretta di bruciare... Dalla pesante porta intarsiata verso l’interno, gli eccessi abrasivi della esterna si attenuavano, l’mbiente era fresco, quasi gelido e gli occhi della Madonna delle Grazie brillavano tanto nella penombra, sembravano reali. “O mia cara Nostra Signora delle Grazie, prega per noi che ricorriamo a voi!” La mia mamma mi conduceva per mano e si dimenticava di me, perché rimaneva compenetrata ore ed ore, velo in testa e rosario in mano, gli occhi chiusi quasi compressi, mia madre chiedeva aiuto... Mia madre ne aveva tanto bisogno ed io non ho mai saputo bene il perché, anche se capivo che quello che lei cercava ogni giorno, in chiesa, era l’alimento che ci man-

De tanto ir à igreja com a mãe, pequena, ainda, fui me habituando àquelas imagens de santos, àqueles silêncios, ao sibilar manso e cadenciado daquelas vozes baixas, quase sopros de novenas, orações. Àquela época, não entendia as palavras, que minha memória obediente e esperta me faziam repetir: eu queria ser a boa menina, a quem o Santo Anjo do Senhor jamais abandonaria. Como era bom aprender a ser bom, como era bom inspirar o cheiro daquele incenso que, como tudo lá dentro, não tinha pressa, não tinha pressa, não tinha pressa para queimar... Da pesada porta entalhada de madeira para dentro, os excessos abrasivos da luz de fora se atenuavam, o ambiente era fresco, quase frio e os olhos de Nossa Senhora das Graças, tão brilhantes, à penumbra, pareciam reais. “Minha Nossa Senhora das Graças, rogai por nós, que recorremos a Vós!” E minha mãe me levava pela mão e de mim se esquecia, porque se compenetrava horas e horas, de véu e terço, os olhos bem fechados, quase apertados, minha mãe recorria... Minha mãe precisava muito recorrer e eu nunca soube bem o porquê, embora compreendesse que o que ela buscava diariamente, na igreja, era o alimento que, em

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