Boletim cpgp 2007

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novembro de 2007 | Serie II n.º 2 | ISSN.1645-9806

Boletim . Centro Português de Geo-História e Pré-História

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7 ÍNDICE Artigos

Caraterização Arqueológica do Concelho do Montijo, na sequência da elaboração da Carta Arqueológica (do Paleolítico ao Romano). .7 Várzea de Loures: Um local privilegiado para a Implantação de um projecto de museografia e investigação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

Sobre o estudo preliminar de um fragmento de ulna de pequeno Terópode de Areias de Mastro - Sesimbra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

Nomes da Paleontologia e Arqueologia Portuguesa

Leite de Vasconcelos (1858-1941) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Nery Delgado (1835 - 1908) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35



Arti gos



Caraterização Arqueológica do Concelho do Montijo, na sequência da elaboração da Carta Arqueológica (do Paleolítico ao Romano) Silvério Figueiredo* e Mónica Ramos** * Prof. Assistente do Instituto Politécnico de Tomar, Presidente do Centro Português de Geo-História e Pré-História ** Arqueóloga, Vogal da Direcção do Centro Português de Geo-História e Pré-História

Introdução A arqueologia constitui-se como um importante elemento de valorização local e nacional. Esta ciência estuda o Homem desde as suas origens à actualidade. Por esta razão, a arqueologia acaba por ser útil na nossa sociedade, pois, conhecendo a nossa história e a nossa evolução tecnológica, física e cultural, melhor nos podemos compreender e assim, melhor perceber o presente. A arqueologia não vale apenas por si própria. É necessário cada vez mais uma maior interdisciplinaridade, pois existem várias condicionantes e vários aspectos que têm de ter a contribuição das ciências exactas e de algumas ciências humanas. Torna-se, portanto, necessário cada vez mais uma maior colaboração entre o poder local e os arqueólogos para melhor valorizar o património local e mobilizar as populações para esta questão. Esta colaboração deverá ser feita com base numa relação de respeito e compreensão e cumplicidade cada vez maiores, pois assim se ultrapassam os vários obstáculos colocados pelas problemáticas que afectam o património arqueológico. Neste sentido, em resultado de um protocolo, a Câmara Municipal do Montijo (CMM) e o Centro Português de Geo-História e Pré-História

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(CPGP), avançaram para a elaboração da Carta Arqueológica deste município. O CPGP reuniu uma equipa de arqueólogos, que desenvolveu trabalhos de investigação arqueológicos no Concelho do Montijo entre 2001 e 2004, que resultaram na publicação da Carta Arqueológica do Montijo (paleolítico-Romano), em 2005.Este trabalho incidiu, numa primeira fase no trabalho de recolha bibliográfica e cartográfica, numa segunda fase, no trabalho de campo e numa terceira fase, no trabalho de gabinete e elaboração dos textos para carta.

A Geologia do Montijo A zona do Montijo situa-se em formações fluviais do Tejo, que originaram uma vasta rede de depósitos sedimentares Miocénicos, Pliocénicos, Plistocénicos e Holocénicos. O estuário do Tejo é constituído, a norte por formações mesozóicas e a sul por formações Neogénicas e Quaternárias. Estas últimas são constituídas essencialmente por areias, margas e cascalheiras de quartzito. Estas cascalheiras formaram-se com a acumulação dos sedimentos produzidos pela erosão relevos paleozóicos, que existiriam algures entre Palmela e Coruche. A destruição destes relevos deu-se no Paleogénico. Estas cascalheiras que se formaram já no Plistocénico serviram com fonte de matéria-prima para as sociedades do paleolítico fabricarem os seus utensílios. Em termos muito gerais podemos considerar a geologia do Montijo como enquadrada na geologia da região do Baixo Tejo (ou Vale Inferior do Tejo). Esta região é caracterizada do ponto de vista geológico pela presença de acidentes tectónicos, estruturas profundas e complexas, de que se destaca a falha do Vale do Tejo, que, provavelmente pertence ao complexo sistema de acidentes tectónico que limitam o Fosso Lusitânico. O bordo Sueste deste fosso formou-se no Mesozóico por tracção e afundamento do bloco noroeste. No Cenozóico sofreu inversão tectónica, dando origem à elevação relativamente ao bordo, do antigo fundo da depressão tectónica, que depois sofreu uma depressão, originando a bacia do Tejo.


Relativamente à maioria das áreas prospectadas durante a elaboração da Carta Arqueológica, verificaou-se que estas encontram-se, do ponto de vista geológico, em zonas de terrenos arenosos, noutras zonas, estes terrenos assumem um carácter mais argiloso e, nalgumas áreas, as formações quaternárias assentam em margas, argilas e arenitos de tonalidade avermelhada de períodos geológicos anteriores (provavelmente do Neogénico).

Caracterização arqueológica do Concelho do Montijo (do Paleolítico ao Romano) Pré-história Verifica-se que em termos geológico, o Concelho é pouco propício à ocorrência de estações do Paleolítico, pois existem poucos terraços quaternários, no entanto, do trabalho de campo resultou a descoberta de algumas novas Estações arqueológicas, vários achados avulsos, bem como a confirmação e estudo de outras já identificadas. Um dos sítios arqueológicos mais importantes do Montijo situa-se na zona norte da Base Aérea do Montijo e é conhecido por Samouco. Nesta área existe um terraço quaternário onde João L. Cardoso e G. Zbyszewski procederam a uma prospecção intensiva tendo recolhido alguns materiais que se encontram actualmente em depósito no Museu Geológico do IGM. São materiais atribuídos ao “Acheulense” (Paleolítico Inferior). Há ainda referência a uma outra jazida denominada Batedouro e localizada a sul da mesma base, onde também existem terraços quaternários. Outra área com vestígios deste período localiza-se ao longo da ribeira de Canha essencialmente junto a esta povoação. Estes achados são isolados. Vestígios de períodos da Pré-história recente são referidos também nesta zona. No Museu Geológico do IGM estão depositados alguns machados de pedra polida provenientes desta região, que, apesar de não se saber qual a sua localização exacta, indiciam a existência de povoamento do Neolítico ou do Calcolítico. Existem também referências a um castelo de Canha, que pode estar relacionado com possível presença de um povoado fortificado do Calcolítico ou da Idade do

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Ferro, e a uma Anta nesta mesma região, indicando assim a ocorrência do megalitismo na zona. Com os trabalhos realizados no âmbito do levantamento da Carta Arqueológica do Concelho do Montijo, têm sido descobertos vários materiais atribuídos à pré-história, quer na zona do Montijo, quer na zona de Canha. Destes locais destacam-se o alto da Caneira, a Quinta da Lançada, a descoberta de alguns materiais avulso na Atalaia (no Montijo), Canha e Monte de São Julião (em Canha).

Período Romano Do período romano desta-se a Herdade do Escatelar, onde existem diversos vestígios arqueológicos. São referidos vários achados de cerâmica comum e de construção, um fragmento de mosaico decorado com motivos geométricos e atribuído ao séc. III, e uma moeda identificada como sendo um denário do séc. I (FERNANDES, 1997; RIBEIRO, 1964). Mário Saa no seu livro “As vias da Lusitânia” avança com a hipótese da passagem de uma via romana nesta região (SAA, 1956). Os trabalhos realizados em 2002 nesta área vieram a revelar a importância do Escatelar como estação arqueológica, quer ao nível da quantidade, quer a nível da qualidade das peças.


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Fig. 1- Elemento de coluna em barro de período Romano, Escatelar, Canha.

Fig. 2 e 3 – Trabalhos de prospecção na zona da Anta de Canha período Romano, Escatelar, Canha. Trabalhos na Ribeira de Canha, junto à Herdade do Escatelar e onde foi descoberto grande número de material arqueológico.

Fig. 4 – Trabalhos de prospecção na zona da Anta de Canha.


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Bibliografia AZEVEDO, M.Teresa, (1982) - O Sinclinal de Albufeira. Evolução pós-Miocénica e reconstituição paleogeográfica. Dissertação de Doutoramento em Geologia apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa BREUIL, H., ZBYSZEWSKI, G. (1945) - Contribuition à l’étude des industries paléolithiques du Portugal et de leurs rapports avec la géologie du Quaternaire. Vol.II - Les principaux gisements des plages quaternaires du littoral d’ Estremadura et des terrasses fluviales de la basse vallée du Tage, Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal tomo XXVI, Lisboa. CARDOSO, J.L., MONJARDINO, J. (1976-77) - Novas jazidas Paleolíticas dos arredores de Alcochete, Setúbal Arqueológica Volume II-III. FERNANDES, Isabel Cristina F. (1997) - Ocupação Romana do Escatelar. Algumas referências, Al-madam,IIª série, Outubro 1997, pp.162-163. FERREIRA, C.J. et alli (1993) - Património Arqueológico do Distrito de Setúbal. Subsídios para uma Carta arqueológica, Associação dos Municípios do Distrito de Setúbal, Setúbal. FERREIRA, O. V. (1963) - Notícia de algumas estações pré-históricas e objectos isolados inéditos ou pouco conhecidos, Boletim Cultural da Junta Distrital de Lisboa 59-60, pp. 149-166. RIBEIRO, M. (1964) - Vestígios Lusitano-Romanos da Herdade do Escatelar, Sep. da Revista de Guimarães, Volume LXXIV, pp. 4-9. SAA, M. (1956) - As grandes vias da Lusitânia. O itinerário de Antonino Pio, 6 vol., Tipografia da Sociedade Astoria Lda, Lisboa. ZBYSZEWSKI, G. (1943a) - La Classification du Paleolitique ancien et la cronologie du Quaternaire du Portugal en 1942, Boletim da Sociedade Geológica de Portugal, Porto, 2, pp. 1-111 ZBYSZEWSKI, G. (1946b) - Étude géologique de la région d’Alpiarça, Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal tomo XXVII, pp. 145-267. ZBYSZEWSKI, G. (1947c) - Étude géologique de la région d’Almeirim, Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal tomo XXVIII, pp. 217-263. ZBYSZEWSKI, G. (1958d) - Le Quaternaire du Portugal, Boletim da Sociedade Geológica de Portugal, Porto, 12, pp. 1-227 ZBYSZEWSKI, G. (1963e) - Carta Geológica de Portugal na escala de 1:50.000. Notícia explicativa da folha 34 (Arredores de Lisboa), Lisboa, Serviços Geológicos de Portugal


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Várzea de Loures: Um local privilegiado para a Implantação de um projecto de museografia e investigação Silvério Figueiredo*; Luís Nobre; Jacinta Costa**; Pedro Ruivo*** * Prof. Assistente do Instituto Politécnico de Tomar, Presidente do Centro Português de Geo-História e Pré-História ** Arqueólogos, Vogais da Direcção do Centro Português de Geo-História e Pré-História *** Advogado, Presidenta da Assembleia Geral do Centro Português de GeoHistória e Pré-História

Os estudos arqueológicos e paleontológicos permitem compreender o passado do Homem, no caso da arqueologia, e do meio natural que nos rodeia, no caso da paleontologia. Enquanto a arqueologia estuda apenas o Homem e os seus vestígios, desde os primeiros representantes do nosso género, o Homo habilis, a paleontologia estuda os fósseis desde as primeiras formas de vida que apareceram na Terra. Apesar de tratarem de matérias distintas estas ciências podem-se complementar, pois é importante para a arqueologia os estudos da paleontologia do Quaternário, pois tratam da ecologia e biologia contemporânea dos nossos antepassados. Desde há dez anos que o Centro Português de Geo-História e PréHistória (CPGP) tem vindo a desenvolver actividades de investigação e divulgação destas ciências, constituído um importante espólio que nos permite conhecer melhor o nosso passado e toda a história da vida na terra. Como tal, desenvolveu um projecto cujo principal objectivo é aprofundar a investigação e a divulgação da paleontologia e da arqueologia.

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Nesse projecto assume-se como fundamental uma estrutura museológica que venha valorizar o espólio atrás referido. No entanto este projecto, a nível da museografia, que é o que pretendemos desenvolver neste artigo, tem como linhas prioritárias os seguintes pressupostos: Estabelecer um museu, hoje em dia, é muito mais do que organizar um mero espaço expositivo, ou de arquivo de colecções. Um museu é um espaço de visita, é um arquivo de conhecimento onde se adquire conhecimento e experiência profissional. Um museu é memória. A instalação de um núcleo museológico associa uma componente teórica do arquivo do conhecimento, a Museologia, com uma componente mais prática do arquivo de conhecimento, a Museografia. Ambas as ciências são inseridas na área das ciências do património e na área das ciências do comportamento humano. A fase inicial para a implementação de um núcleo museológico, de uma exposição, onde será feito um conhecimento profundo dos objectos que se vão expor. A área de trabalho do espaço cultural, modera o espaço comunicativo, permite trabalhar aspectos técnicos ligados á memória, onde são cuidados pormenores, tais como o contexto envolvente ao objectos expostos, e a disposição dos objectos numa exposição. Mas a memória colectiva que se corporiza, hoje, num museu, é o fruto do cruzamento complexo de construções baseadas na investigação e na interacção com os públicos. Desta forma, o museu assume um carácter dinâmico, interactivo. Devido a esta nova dimensão o museu requer novos recursos (dos serviços educativos à cafetaria) e potência novas competências (sobretudo no âmbito do desenvolvimento regional sustentável). Um processo museográfico deve ser constituído por três fases: §§ A fase de desenvolvimento, conceitos expositivos, fase mais teórica de uma exposição, constituída por um tratamento interpretativo, onde


é definido questões como o tema da exposição, selecção do publico alvo e a selecção dos objectos a expor. Por uma pesquisa acerca da exposição, do que se trata a exposição. Muito importante num projecto museológico, existir um conhecimento dos objectos que se vão expor. Nesta fase deverá também feita uma pré-visualização da exposição, onde se faz uma primeira analise daquilo que vai ser a exposição, tendo conta o facto de uma exposição ser um local onde se expressa saber, onde existe um discurso, onde existe uma transposição de sentidos. §§ A Fase de cenografia, desenho esquemático, fase técnica onde se trabalha o meio envolvente da exposição, onde se trabalha os aspectos técnicos ligados á memória. São pensadas estratégias para uma modelação do espaço expositivo onde são cuidados pormenores, tais como o contexto envolvente ao objectos a expor, e a disposição dos objectos na exposição. É tratada a relação entre o entre o conteúdo, objectos e discurso da exposição, com o contexto, espaço da exposição. A fase onde se organiza o discurso e o saber que vai ser transmitido ao visitante. Discurso esse que permite a aquisição de conhecimento por parte visitante. §§ A terceira e última fase, a da implementação, exibição, é a fase onde se executam as estratégias da fase anterior, com o auxílio de uma equipa técnica multidisciplinar. Onde existe uma gestão museográfica, necessária para gerir a construção da exposição e mais tarde o funcionamento da mesma. É realizado também um controlo de qualidade antes da abertura da exposição ao publico. Depois de aberta a exposição ao público, existe uma avaliação da mesma, verificando-se satisfação dos visitantes em relação à mesma. Identificando-se os aspectos que o visitante mais gostou e menos gostou. Tendo por base estas considerações, achamos que a Várzea de Loures tem um potencial natural e histórico ideal para implantação de um projecto deste tipo, pois não podemos esquecer que pelo seu património arqueológico e natural, pela sua proximidade a Lisboa e pelo seu desenvolvimento populacional dos últimos anos, seria bastante interessante o seu aproveitamento do ponto de vista cultural e ambiental e científico, onde se podiam desenvolver actividades relacionadas com o património natural, arqueológico, etnológico, etc. Desta forma o CPGP está aberto

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a participar, conjuntamente com as entidades locais, na organização de um espaço que valorize esta zona do ponto e vista científico e cultural. Para isso pode-se contar com o apoio de vários programas europeus e nacionais, sem esquecer o estatuto do mecenato. Este ultimo apresenta-se de forma relevante, pois, o Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei 74/1999, de 16 de Março1, dispõe que têm relevância fiscal os donativos em dinheiro ou em espécie concedidos sem contrapartidas, que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial às associações que prossigam actividades de investigação, de cultura e de defesa do património histórico-cultural, bem como a museus, arquivos históricos e documentais e a instituições que se dediquem à actividade científica, embora dependam de reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos ministros das Finanças e da Cultura. É de realçar que os donativos são considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 6/1000 do volume de vendas ou dos serviços prestados. No entanto, este limite não é aplicável aos donativos atribuídos a realização de actividades ou programas que sejam considerados de superior interesse cultural, ambiental, científico ou tecnológico, desportivo e educacional. E no caso de estarmos perante donativos atribuídos ao abrigo de contratos plurianuais - como poderia perfeitamente ser o caso - são levados a custos em valor correspondente a 120 % do respectivo total ou a 130 % quando os referidos contratos são celebrados para fins específicos que fixem os objectivos a prosseguir pelas entidades beneficiárias e os montantes a atribuir pelos sujeitos passivos.

Vide Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, artigo 1.º, n.ºs 1,2,3,4 e Estatuto do Mecenato, artigo 3.º.

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Fig. 1 – (direita) Fémur de Elephas antiquus encontrado em Santo Antão do Tojal, Museu Geológico do INETI. (Esquerda) Representação com os ossos de Elephas antiquus encontrados juntamente com o fémur.

Fig. 2 – (Esquerda) Trabalhos desenvolvidos pelo CPGP na Estação Arqueológica do Campo de Futebol de Santo Antão do Tojal (CFSAT), descoberta em 2001 por Vítor Dias, e apoiados pela Câmara Municipal de Loures. (Direita) Núcleo centripto (Paleolítico Médio) descoberto no CFSAT, CPGP.

Fig. 3 – Ossos de dinossauros, Cabo Espichel, espólio do CPGP



Sobre o estudo preliminar de um fragmento de ulna de pequeno Terópode de Areias de Mastro - Sesimbra Silvério Figueiredo * * Prof. Assistente do Instituto Politécnico de Tomar, Presidente do Centro Português de Geo-História e Pré-História

Resumo Pretende-se neste artigo apresentar o estudo preliminar de um fragmento de ulna de um dromeosaurídeo encontrado pela equipa do Centro Português de Geo-História e Pré-História (CPGP) nas camadas inferiores das arribas de Areias de Mastro. Trata-se de um fragmento relativamente bem preservado, com cerca de 10 cm, da extremidade distal e parte da zona mesial. Esta descoberta enquadra-se no conjunto da realidade dos pequenos terópodes do Cretácico português.

Introdução Enquadrado em trabalhos de investigação paleontológica desenvolvidos pelo CPGP, foi descoberto, em 1999, numa camada calcária da base das arribas da praia de Areias de Mastro, um fragmento de uma ulna de um terópode (parte distal e parte mesial) A praia das Areias de Mastro localiza-se a cerca de 1.5 km a norte do Cabo Espichel e é constituída por arribas sedimentares datadas do Cretácico: andar Barremiano (130-125 Ma).

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Localização administrativa A praia de Areias de Mastro localiza-se a cerca de 1.5 km a norte do Cabo Espichel, Freguesia do Castelo, Concelho de Sesimbra.

Caracterização Geológica Esta zona é constituída por arribas com cerca de 60 m de altura, com camadas sedimentares de calcários e margas datadas do Cretácico (andar Barremiano). Aqui temos rochas de fácies marinha de plataforma continental, alternadas por camadas de delta de rio e lagunares. (Zbyszewski et al., 1965) Este fragmento foi encontrado em camadas de calcário bastante compacto, situadas na base da arriba, junto ao mar. Este nível estratigráfico está na base da formação do Papo-Seco. As camadas inferiores, de cor cinzento-claro, são de fácies marinha. Estas camadas, pertencentes à Formação de Areias do Mastro, contêm gastrópodes (Gen. Tylostoma). A camada superior à da camada onde se encontrou a ulna é de calcário mais brando, de cor creme-alaranjada, sem a presença de fósseis, formada provavelmente em ambiente de delta de rio.

Descrição do Achado de Areias do Mastro Materiais e métodos Espécime: CPGP.1.99.4 Fóssil encontrado in situ, sobre uma das camadas da base da arriba, constituída por calcário margoso e localizada na parte sul da praia. É constituído pela parte mesial e distal do osso.


Foi retirado do sedimento por acção mecânica através da utilização de escopro e martelo.

Descrição Fragmento distal de ulna esquerda, grácil, com um total de 106.40 mm de comprimento e com 25.35 mm de largura na extremidade distal. A diáfise é curva e convexa posteriormente, a superfície articular da extremidade distal é sub-triangular e a secção da diáfise é arredondada, no entanto alongada na face dorsal. A extremidade distal é larga e achatada, característica dos dromaeosauridae (MELENDEZ, B. 1978; CURRIE, P. K., 1997; NORMAN, 1985). Embora erodida, a superfície anterior parece ser quase plana, uma característica também presente no Archaeopteryx (Wellnhofer 1992). Apresenta uma crista saliente que separa o côndilo ventral do dorsal A extremidade distal é recta o sulco radial é largo e profundo. Os estudos preliminares permitiram também identificar algumas características de aves neste resto, também descritas por Zhang (ZHANG et al., 2004) para um exemplar de Enantiornithes, na China.

Classificação Saurishia Theropoda Dromaeosuridae

Conclusões A jazida paleontológica de Areias de Mastro possui um importante conjunto de restos paleontológicos, constituído por fósseis de invertebrados e vertebrados. Nos trabalhos de investigações de campo, desenvolvidos pelo CPGP, foram recolhidos dentes de peixe (seláceos e peixes ósseos) e répteis (tartarugas, crocodilos, pterossauro e dinossauros).

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O primeiro dromaeosaurídeo a ser descrito foi o Dromaeosaurus albertensis que foi descoberto no rio Red Deer, por Barnum Brown em 1914. Tal como a maioria das descobertas de dinossáurios, este fóssil estava bastante incompleto, sendo recolhido apenas parte do crânio, a mandíbula e fragmentos dos ossos dos pés. Nos cinquenta anos posteriores nada mais foi descoberto deste animal. Alguns autores faziam pequenas referências a este dinossauro, mas pouco se sabia da sua natureza e da sua posição entre os outros carnívoros, pois pouco se conhecia do seu esqueleto. Em Portugal, os restos deste taxone é muito escasso. Apenas se conhecem alguns estos atribuídos a Dromaeosauridae indet., em formações do Jurássico Superior e do Cretácico Inferior. O resto agora apresentado, de uma forma breve, constitui-se como um novo resto dromeossaurídeo do Cretácico Português, que permite alargar o número de referências a estes animais em território nacional, contribuindo para a importância do património paleontológico do Espichel no estudo dos dinossáurios em Portugal.

Fig. 1 – (Esquerda) Reconstituição de um dromeossaurídeo (Direita) Ulna de dromeossaurídeo ( CPGP.1.99.4)


Bibliografia ANTUNES, M. T. (1976) – Dinossauros Eocretácicos de Lagosteiros; Ciências da Terra; Universidade Nova de Lisboa; Lisboa. (1990) – Dinossauros em Sesimbra e Zambujal – episódios de há cerca de 140 milhões de anos; in Sesimbra Cultural, n.º 0; pp. 12 – 14; C. M. Sesimbra. CARVALHO, A. M. G & SANTOS, V. (1992) – Sesimbra, um pólo importante para o conhecimento da história dos dinossauros em Portugal; in Sesimbra Cultural n.º 2; pp. 6 – 9; C. M. Sesimbra. CARVALHO, A. M. G & SANTOS, V. (1993) – Pegadas de Dinossáurios de Sesimbra; Sesimbra Cultural, n.º 3; pp. 10 – 14; C. M. Sesimbra. CURRIE, P. K. (1997)(ed.), Encyclopedia of Dinosaurs, Academic Press, San Diego. DANTAS, P. (1990), Dinossáurios de Portugal, Gaia, n.º 2, pp. 17 – 26, Museu Nacional de História Natural, Lisboa. FIGUEIREDO, S., (2003) - Os Dinossauros da Arrábida; Revista Evolução, n.º1; Centro Português de Geo-História e Pré-História Lisboa; pp. 5 ‒ 8. (2004) – Os Dinossauros do Cabo Espichel; Techne, n.º 9; Arqueojovem; pp. 285 – 290; Tomar. (2005) – Os dinossauros do Cabo Espichel; Paleontologia e arqueologia do Estuário do Tejo, Actas do I seminário; Colecção estudos locais cultura; Edições Colibri, C. M. Montijo; pp. 81-90. GALTON, P.M.(1994), Notes on Dinossauria and Pterodactyla from the Cretaceous of Portugal, N. Jb. Geol. Paläont. Abh, 194, pp. 253‒267, Stuttgart. MANUPEELLA, G.; ANTUNES, M.T.; PAIS, J.; RAMALHO, M.M.; REY, J. (1999) Notícia Explicativa da Carta Geológica de Setúbal; Serviços Geológicos de Portugal; Lisboa. MELENDEZ, B. (1978), Paleontologia: Vertebrados: Peces, Anfibios, Reptiles Y Aves, Paraninfo, Tomo 2, Madrid, 1986. NORMAN, D. (1985), The Illustrated Encyclopedia of Dinosaurs, Salamander Books, London,. WELLNHOFER, P. (1978) Pterosauria. Handbuch der Paläoherpetologie 19, 1‒82. Gustav Fischer, Stuttgart. ZHANG, F., ERICSON, P.G., and ZHOU, Z. 2004. Description of a new enantiornithine bird from the Early Cretaceous of Hebei, northern China. Canadian Journal of Earth Sciences, 41: 1097–1107.

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Nomes da Paleontologia e Arqueologia Portuguesa



Leite de Vasconcelos (1858-1941) Mário Santos * * Licenciado em Arqueologia da Paisagem – Instituto Politécnico de Tomar

O Homem Leite de Vasconcelos, de seu nome completo José Leite de Vasconcelos Cardoso Pereira de Melo nasceu em Ucanha, Tarouca, no dia 7 de Julho de 1858, e viria a falecer em Lisboa, a 17 de Maio de 1941, foi um dos principais difusores da cultura portuguesa dos séculos XIX e XX. Homem multifacetado, dedica-se a vários campos da cultura portuguesa como a Filologia e linguistica, etnografia, numismática, arqueologia. Faz o ensino secundário no Porto, sendo que em 1881, licencia-se em ciências naturais. É também nesta dada que aparece uma das suas primeiras publicações: “Tradições populares portuguesas”. No ano de 1886, conclui com êxito, na escola médico-cirúrgica do Porto, o curso de medicina, com uma tese sobre a evolução da linguagem, mas só viria exercer em durante um ano (1887), como delegado de saúde no Cadaval. A sua tese de licenciatura, “Evolução da linguagem” (1886), já demonstrava do seu grande interesse pelas letras, que por fim viriam a ocupar toda sua longa vida. As ciências exactas deixaram-lhe o estilo

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investigativo rigoroso e exaustivo, seja na filologia, seja na arqueologia ou na etnografia, disciplinas em que mais tarde tornar-se-ia uma referência. Exerceu vários cargos ao longo da vida, entre os quais se destaca em 1887,sendo que com estas funções funda em 1889, a revista lusitana, revista essa dedicada à cultura portuguesa, o cargo de conservador da biblioteca nacional, em 1911, o cargo de professor da faculdade de letras de Lisboa, exercendo a docência de Língua e literatura latina e literatura francesa.

O Arqueólogo Como arqueólogo, Leite de Vasconcelos, é considerado ainda hoje um dos mentores da arqueologia portuguesa, sendo que um dos baluartes será o lançamento da revista em 1895 “O Arqueólogo Português” e o primeiro volume da sua principal obra as “Regiões da Lusitânia”, que viria a ser constituída por três volumes, o último dos quais em 1913. Mas, sem dúvida, o seu apogeu foi alcançado, em 1893, com a criação do museu etnográfico Português, do qual viria a ser seu director até 1929. Enquanto seu director compila o “Boletim de Etnografia” que sairá entre 1920 e 1937 e será composto por cinco volumes.

O museu etnográfico português O museu etnográfico foi fundado em 1893, sendo o seu fundador e primeiro director José Leite de Vasconcelos, adquirindo actualmente o nome de museu nacional de arqueologia e sendo dirigido pelo doutor Luís Raposo. O museu reúne as colecções inicias de Vasconcelos e de Estácio da Veiga, tendo ao longo do tempo adquirido mais algumas colecções,


umas por integração a partir de outros departamentos do Estado (por exemplo: colecções de arqueologia da antiga Casa Real Portuguesa, incorporadas no Museu após a implantação da República; colecções de arqueologia do antigo Museu de Belas Artes, incorporadas quando se criou o actual Museu Nacional de Arte Antiga; etc.), outras por doação ou legado de coleccionadores e grande amigos do Museu (por exemplo: doações Bustorff Silva, Luís Bramão, Samuel Levy, etc.), outras mercê da intensa actividade de campo do próprio Museu ou de outros arqueólogos; outras ainda por despachos governamentais, ao abrigo da legislação aplicável, sempre que se considere o valor nacional de bens arqueológicos descobertos no País. O MNA continua hoje com a mesma vocação básica, ou seja, contar a história do povoamento do nosso território, desde as origens até à fundação da nacionalidade. É a única instituição em Portugal capaz de o fazer: pelas colecções de que dispõe, pelos recursos técnicos que possui, pelo próprio espaço que ocupa no Mosteiro dos Jerónimos (verdadeiro centro de confluência de nacionais e estrangeiros, com especial relevo para as escolas do País, que anualmente ocupam plenamente a capacidade do serviço educativo do Museu).

“O arqueólogo português” Publicado em 1895, “O Arqueólogo Português” é a revista periódica do Museu Nacional de Arqueologia. Na sua intenção inicial, tratava-se de uma publicação destinada a “estabelecer relações literárias entre os diversos indivíduos que, ou por interesse científico, ou por mera curiosidade, se ocupam das nossas antigualhas”. Com o tempo, foi-se convertendo numa revista científica, de grande prestígio nacional e internacional, sendo hoje até objecto de grande procura e valorização coleccionista. Foram até ao presente editadas quatro séries, correspondentes a cerca de meia centena de volumes. Em 1999, deu-se início à edição dos “Suplementos a O Arqueólogo Português”, com um volume sobre o Epistolário do Doutor Leite de Vasconcelos.

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“Regiões da Lusitânia” O objectivo desta obra, era ser lançado em 1892 durante a 10.ª sessão do congresso internacional dos orientalistas, mas este objectivo gorou-se, mas o congresso não se viria a realizar, mas mesmo assim José Leite de Vasconcelos acabaria por lançar o primeiro de três volume em 1983, daquela que viria a ser a sua obra de referência. O segundo dos três volumes desta obra, viria a ser lançado em 1905 e trata dos tempos proto-históricos e está dividido em duas secções. Na secção I, trata-se das divindades, crenças e cultos e na secção II fala-se dos diversos actos religiosos. Neste segundo volume, mostra que Leite de Vasconcelos era um homem minucioso e que nunca colocava nada nas suas obras sem ter a confirmação de que a informação era verdadeira: “para a continuação d’esta obra procedi como de comêço, informando-me, com a minucia que me foi possível, de tudo o que julguei que me foi possível, de tudo o que julguei que convinha no meu intuito: continuei as minhas visitas aos monumentos, estações archeologicas e museus depois; […]”

In Vasconcelos, José Leite, Regiões da Lusitânia, 2.º vol., Imprensa nacional, Lisboa, 1905, pág. VIII O terceiro volume foi lançado em 1913, e o culminar do que estava apenas para ser um artigo, e tornou-se uma das principais obras da arqueologia portuguesa.

Principais obras de Leite de Vasconcelos A lista de obras de Leite de Vasconcelos é bastante extensa, citando-se em seguida alguns dos seus trabalhos:


§§ O Dialecto Mirandez (1882) §§ Revista Lusitana (primeira série: 1887-1943; 39 volumes) §§ Religiões da Lusitânia (1897-1913; em três volumes) §§ Estudos de Filologia Mirandesa (1900 e 1901; dois volumes) §§ Textos Archaicos (antologia, 1903) §§ Livro de Esopo (1906) §§ O Doutor Storck e a litteratura portuguesa (1910) §§ Lições de Philologia Portuguesa (1911) §§ Antroponímia Portuguesa (1928) §§ Opúsculos (1928, 1928, 1929, 1931 e 1988; cinco volumes) §§ Etnologia Portuguesa (1933-????, em oito volumes) §§ Filologia Barranquenha - apontamentos para o seu estudo (1940, ed. 1955) §§ Romanceiro Português (ed. 1958, em dois volumes) §§ Contos Populares e Lendas (ed. 1964, em dois volumes)

Bibliografia José Leite, Regiões da Lusitânia, 1.º, 2.º e 3.º vols., Imprensa nacional, Lisboa www.mna-ipmuseus.pt

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Nery Delgado (1835 - 1908) Fernando Martins *

* Estudante do Instituto Politécnico de Tomar, colaborador do Centro Português de Geo-História e Pré-História

Nery Delgado ligado á 2ª comissão de Trabalhos Geológicos (18571868) e ao ensino da Escola Politécnica foi um dos responsáveis pelo nascimento da arqueologia pré-histórica em Portugal e dos primeiros estudos modernos deste âmbito em Portugal. Geólogo de formação e militar sucedeu a Carlos Ribeiro na direcção da Secção Dos Trabalhos Geológicos de Portugal (1882). Está ligado a vários trabalhos arqueológicos “na época de ouro da arqueologia Portuguesa” (séc. XIX), pois os levantamentos para a elaboração da futura Carta Geológica de Portugal possibilitaram-lhe descobertas inéditas. Em 1866, Nery Delgado descobriu um crânio de Homo sapiens (Paleolítico Superior) que teria sido o 1º crânio da nossa espécie encontrado em território Português, mas como não foi divulgado antecipadamente à comunidade científica, ficou com o nome de Cro-Magnon, em 1868. É da sua autoria a célebre monografia Portuguesa “da existência do homem no nosso solo em tempos mui remotos provada pelo estudo das cavernas”. Noticia acerca das grutas da Cesareda, publicada em 1867. É um dos pioneiros em Portugal a aplicar o método estratigráfico

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de escavação, acompanhado pelo registo em planta das escavações, contribuindo para que em Portugal fosse possível alcançar o conhecimento humano baseado apenas nos testemunhos materiais (estratigrafia e tipologia). Atingiu a consagração no IX Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-históricas (1880), dando excelentes resultados do seu excelente método estratigráfico, apresentando os dados das suas escavações na gruta da Furninha (Peniche). Após a sua morte (1908) Nery Delgado, tornou-se numa referência a ter em conta em estudos arqueológicos e incontornavelmente uma das grandes figuras da arqueologia pré-histórica Portuguesa.

Bibliografia CARDOSO, J., 2002, Pré – História de Portugal, Editora Verbo, Lisboa. MEDINA, J., 2005, História de Portugal-Portugal na Pré-História (I), SAPE, Lda, Volume I, Amadora.



20 Centro Portugu锚s de Geo-Hist贸ria e Pr茅-Hist贸ria

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