FLORES MORTAS

Page 1

1


2


FLORES MORTAS

Redenção-PA Inverno de 2009 3


4


FLORES MORTAS

5


Milton Pereira Lima

Esta obra foi publicada sob uma licença Creative Commons

Você pode: Copiar, compartilhar, distribuir, exibir e executar a obra sob as seguintes condições:

Atribuição. Você deve dar crédito ao autor original, conforme estabelecido por ele nesta licença. Uso Não Comercial. Você não pode utilizar esta obra com finalidades comerciais. Não à Obras Derivadas. Você não pode alterar, transformar ou criar outra obra com base nesta. Para usos não previstos nesta licença, contate o autor Rua Francisco Borges da Costa, 2691 68550-002 Entroncamento - Redenção/Pará E-mail: miltoncau@yahoo.com.br

6


Milton Pereira Lima

FLORES MORTAS

7


FLORES MORTAS Capa: Alufá-Licutã Oxorongá Digitação: Alufá-Licutã Oxorongá Editoração: Alufá-Licutã Oxorongá Revisão: Alufá-Licutã/Milton Pereira Lima

Ficha catalográfica: Lima, Milton Pereira FLORES MORTAS Milton Pereira Lima-Redenção-Pará Literatura Sul Paraense - poesia

8


FLORES MORTAS

Lima, Milton Pereira Flores Mortas: poesia Apresentação, Alufá-Licutã Oxorongá 104p.; il.

Redenção-Pará

9


10


... “Uma flor nasceu na rua! passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. É feia. Mas é realmente uma flor. Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde E lentamente passo a mão nessa forma insegura. Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se. Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico. É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo, e o ódio”. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

11


12


PREFÁCIO INTRODUTÓRIO “Do azul da arca-terra” Sabendo que uma flor é uma borboleta que se cansa de vôo e volta ao caule de onde saiu, deixando-se ficar no que é, no seu estado de flor, só posso conceber “Flores Mortas” como sendo uma semente sob a terra, onde a qualquer hora brotará um pé de palavras em gesto e atitude de flor. As “Flores Mortas” do poeta e amigo Milton Pereira Lima apresentam e discutem a finidade do homem, o amor, a morte, o real, e surreal, o eterno, o sutil e toda a carga de uma cultura em choque. Em sua primeira obra representativa que veio à luz (parto natural) sob o título de “Rosa e Espinho” (título condensador de que viria a ser esta sua segunda obra: FLORES MORTAS), já encontramos ali o homem em busca de seus pedaços de vida, das verdades mais profundas que se ocultam no pensamento mágico, no referencial, no mítico e no âmago do caos. “As Flores Mortas” de Milton possui uma visão permanentemente questionadora do mundo, do homem e da cultura. Jamais se furta ao debate, à polêmica e ao desafio criativo, mesmo quando o que diz vai de encontro ao pensamento da maioria: “amadureci, tornei-me social, mortal, ser civilizado, animal racional: mas ainda não aprendi a odiar. Ainda sonho acordado, ainda sofro acordado, ainda viajo acordado, ainda amo dormindo...” “Flores Mortas” os laços de sangue são atados e desatados com a mesma velocidade de nuvens se desprendendo ao vento. Mas tem costuras internas que buscam as raízes dos mitos e dos sonhos, onde os homens 13


engendram reflexões mais profícuas sobre o sentido de sim mesmos e da coletividade, da tradição e da modernidade, do eterno e da temporalidade, da ira e da serenidade, da espera e do desespero. No restrito campo (ou melhor, jardim) de “Flores Mortas”, vê-se o homem -Milton, o Milton poeta e o poetapolítico. Sensações de dor, alegria, esperança, saudade e nostalgia desnuda-se ante os nossos olhos em perplexidade de vida. Animais, fogo, paus e pedras, cobras e lagartos, grito e sufoco são costurados com a mesma serenidade em que uma velha tecelã trabalha com seus birlos, fusos e linhas em sua volta em sua velha roca de fiar. Em “Flores Mortas” o poeta Milton nos diz coisas de maneira tão peculiar, tão íntima que acabamos entendendo que elas fazem, de fato, sentido. Mesmo que às vezes as suas frases sejam tristes como um lamento africano (tem lá o poeta as suas raízes) ou alegres como uma noite se vestindo de pirilampos. A inércia e o desassossego caem como luvas nos versos de “Flores Mortas”. É seiva escorrendo para um jardim distante e distraído, para um jardim de flores (quase mortas) e salamandras mágicas. Onde o homem retira da seiva o sentido para a vida, o sentido para os seu próprio entendimento: “Há em meu ser um lamento, jovem e malandro, latino, nordestino, Sabino, florentino, tão franzino, grão-fino”. “Flores Mortas” é mais que um livro de poema é a prova verbal, testemunhal e pessoal do meu amigo Milton. Neste processo lúdico e racional, silencioso e efervescente podemos denotar os seus sentimentos mais ocultos (ou supostamente perdidos) e pelo caminho da analogia da emersão emotiva, vemos a transformação do dínamo em Dédalo. A confissão, a auto-investigação, o protesto, a denúncia, o grito, o silêncio, o ódio e o amor em “Flores Mortas” desnuda-nos de nossos ornamentos, 14


fluidifica e clarifica as nossas idéias e desarticula-nos de nossos próprios emparedamentos, remetendo-nos para as intrínsecas descobertas de nós mesmos e do mundo que nos cerca em imagens e palavras, em ritmo e refreamento, em enunciação e desejo. O maior mistério ao deparar-me com estas “Flores Mortas” foi testemunhar o ressuscitamento da linguagem-poética-redencense e do próprio poeta em sua missão (árdua missão) de ser o sujeito/objeto gerador do seu próprio sistema sígnico. Em “Flores Mortas” vidas são ressuscitadas no azul da arca-terra, em meio a almas ciprestes e ventos sobressaltados. Ao ler “Flores Mortas” a imensa carga da vida levou-me a extasiar ante tão questionadora simplicidade. Que força esta que fez-me penetrar no meu próprio labirinto, obscuro labirinto, sem Ariadne, novelo ou minotauro? Que força esta que fez-me beber do meu próprio cálice (ou seria cale-se) e sol? Que força esta que fez-me compreender de minha própria necessidade vital? Ler “Flores Mortas” foi-me um duro golpe, invariavelmente insuspeito, pelo que acabei preso no campo extenso das frases, digerindo os seus meticulosos diálogos civilizatórios: “Nas novas arenas os leões devoram frágeis etnias... O que é ético? Um lindo discurso e uma prática mentirosa?... dê o seu lance: os mercenários negociam lucros, os místicos, a bênção: o miserável: uma chance... Mesmo que o rude campo redencense restrinja a semeadura destas “Flores Mortas”, uma certeza já ficou: vale grandiosamente a pena viver e lutar. Vale a pena passarmos a outros homens tudo o que vemos e sabemos, expondo o preto ao branco, a vida à morte, a alegria à tristeza. Pois como disse um poeta: uma rosa é uma rosa até quando lhe seja dado viver. É uma vida que se prende até que o destino a mata. Quem sabe a tocaia a mata, a bala 15


ferindo a rosa com outras balas no pente? Do assassino à espreita quando tudo eram flores na vida e um puro sabor viver. Mas vale a pena viver? Não é a vida o que mata? A morte é o fruto da vida que floresce como rosa e em verso se torna concha bivalve a viver. Que se destina a viver matando o tédio que mata, não se sabe aonde, quando. No entanto viver é a vida na escura rosa da vida ainda quando ou fere ou mata. As rosas só serão pedras quando em carga tornar-se a vida o desespero que mata, que é o viver desalento em uma cidade que não tem rosa... Alufá-Licutâ Oxonrogá poeta

16


FLORES MORTAS

As nossas crianças Ao nascerem são como Boas sementes. Brotos que crescem Floridos e coloridos; Iguais as rosas e orquídeas. Mas ao chegarem à tenra idade O mundo, infértil e nocivo, As torna “FLORES MORTAS”.

17


18


CONTO DA TERRA Folhas secas Em árvores retorcidas. Vidas e barões bestas Em histórias mal vividas. É assim a terra esquecida. Na cidadela se vive O tempo passado. O mundo está no século XXI E a comunidade daqui Ainda a fogão à lenha, A lamparina à querosene, Cigarro de palha E carro de bois. E a mulher. Oh, mulher! Que vida dura para ti: Doze filhos para cuidar, Arroz para pilar E roupa na tábua pra lavar. Seus filhos brincam Com gravetos e caveiras Cheiram a poeira, Rolam na terra fresca E lamentam a lagoa seca.

19


A realidade daqui é assim: Pra ter o que comer Tem que colher Às vezes sofrer Trabalhando sem se esmorecer. Eis os ofícios e serviços mais requisitados. Profissionais e personagens Mais destacados: O pai de santo Consulta e benze. O velho ancião Aconselha e ensina. O sagaz padrinho Financia e domina. Ao norte, A visão de uma Distante cordilheira. Mas próximo dos olhos Uma paisagem quase morta Que sobrevive ao tempo metamórfico. Na memória E ainda agora: Barracões de palha,

20


Casarios de adobe, Igrejas banhadas d´ouro E homens de carne e osso (mais osso do que carne) Na temporada atual A colheita é escassa, Depois da longa seca O rio virou lama. E a vida do rio Em mortandande de peixes. Mas o céu anuncia O vento frio E as nuvens carregadas. Não tardará, Logo a chuva virá! O bom homem daqui É respeitável E digno de confiança. A sua maior virtude: Moral, honra e lealdade. Ele é simples Mas domina o instinto hostil da terra. Sensível com a criação E bruto com seu próprio coração. E como em qualquer lugar Aqui também há os de má fé Que se assemelham a lúcifer. 21


Estes, é preferível não mencionar Pois existe coisa melhor pra falar. A certeza da beleza É um lindo luar Durante a noite. Veredas a ti buscar, A singela natureza E os tetéus a voar. Nas extensas planícies Um chapadão de lembranças. E para o futuro: boa-esperança! As represas, córregos e chachoeiras Suplantam a aridez do chão E o verde suprime o cinza. A flora está agora Exuberante e soberana. Esperando a água Estão os pequenos bichos, As crianças E a mente sofrida. As folhas ainda verde Da sambaíba Acenam ao vento O agradável olha da menina Acalma o tempo. 22


Os sentimentos De quem vive aqui São divididos. Se compartilha tudo: As alegrias, as tristezas, O amor e a dor. O homem magro daqui É todo força e vigor. Como o cedro Ele consegue se sobrepor. Os animais também são diferentes: Galetos que não crescem, Cães amigos, mas valentes, E a raposa um pouco mais. Calculista e mordaz No serrado as serpentes fatais. Numa tarde no final de agosto Os espíritos ficam em festa. Começa a gotejar pingos De alegria: É o sinal de longo meses de chuvas. O clima daqui é assim, Só duas estações: Verão e inverno, Calor e frio, Sol e chuva. 23


O tempo pacífico é bom. O temp não castiga, O tempo glorifica! Minhas saudades: Orquídeas no jardim, Sorriso no rosto, Fruto no juazeiro, Guará na gleba, Fartura na várzea, Brincadeiras no terreiro, E amizades. Velhas e boas amizades. O tempo físico local muda. O que não muda É a maneira de viver, De agir e de pensar. O imaginário anda ausente E a máquina de fazer sonhos Está enferrujada. A fórmula da evolução Não faz mais efeito. Porém, isso tudo não faz falta. O ócio presente é criativo? É sim, senhor! E muito produtivo. Estando próximo ao sufoco Esses vivem o conforto.

24


O que fazer da vida Sem companhia? Aqui se vive pouco. E com o coração vazio Se vive mais pouco ainda. A suor e sangue, Amizade e compaixão Se vence as mazelas Herdada do passado. A lei em vigor É respeitar a terra, Venerar a natureza, Amar o semelhante E aproveitar a vida. É normal que as horas Passem lentas Em solo tosco. Quem aqui viva Não tem pressa em partir. A prosa é uma aprendizagem que Se aprende com a experiência Dos mais velhos. Diferenças ficam só no aspecto físico De cada um. 25


Se assemelham em solidariedade, Ventilam chances igualitárias De oportunidades, Comungam a sonhada pureza E vivem em comuna camponesa. Superioridade eles não querem! Há falhas, Falhas humanas Possíveis de serem corrigidas. Brava terra, Bela terra, Já foi um dia minha E um dia as minhas cinzas Serão tua!

26


BOCA DE LOBO I O que eu faço do ouro falso, Quando uma doce mentira me conquista, Em luzes, aplausos e abraços Forçados. História de bondade, capital Artificial, Saudades doentes, sorrisos Amarelos. A boca cheia d´água, De um implacável lobo com Fome. Morre a todo instante um Desavisado. Bebem o sangue do morto, E assim revivem os parasitas. O analfabeto que não assina documento, Não presta depoimento, Nem possui documento. É o democrata, é o liberal, É a miséria brasileira, É a bunda, é o peito, 27


É a fama e a mídia. Do passado até o futuro, De quem não tem presente. É o chiqueiro, Onde os vermes não conseguem morar, Mas desfrutam do que há de doce na lama, Do que o terceiro mundo tem pra dar. E os vermes a sugar, O hospedeiro a morrer, Os canalhas a desprezar. Esses vomitam cidades, pessoas E costumes, Tem uma ira do demônio, Em vaidade cultuam o estrelismo, E o individualismo; isso entre Eles não tem idade. Qual é a hora do despertar? Quando poderemos voar? Com a boca cheia d´água, Morde e depois cospe. O grito diz Não pro perdão, Não pra união, Sim pra agressão, Sim pros tiros de canhão. Minha língua venenosa, 28


Causa medo, mas purifica a ignorância. Santa burrice; És a glória dos espertos.

29


II Minhas garras não arranham ninguém, As deles causam dor e morte, E ainda dizem que o bárbaro sou eu. Pestanejo, os olhos pesam, me difamam, Delimito o sofrimento, outros pecam. Eu europeu, não, caboclo! Ninguém vai me desnaturalizar! Sou louco por ti Angra, Por mais que tu sejas Dependente dos Reis. O crepúsculo aqui ao sul me provoca, Sob o sol das Gaivotas. E sou... louco, bobo? Boto, boca, não, sou tolo! Oh! ETHIKOS objeto de decoração, Predatismo assola essa nação. Em caos suburbano, Homens magros africanos, O frio de Nepal, E a língua de Portugual.

30


Se achar melhor, Fique com o calor tropical. De janeiro a dezembro o país do carnaval. Balança, canta e “dança, dança”... Isso é cultura? Aramas na mão e pouca leitura. Mas um assassino fardado me condena. É a parte podre do sistema: - Olha trapos as balas Estragam a cena!

31


III Odiado, HADES; chega de mentiras, Viva essas verdades... Viva a beleza da canção. Viva o fogo da boca do dragão. Os otários já não são tão otários, Como pensam os ordinários. A sombra da navalha, É a onda da politicalha, Os cães roubam o povo, São “irmãos metralha”. Eu não quero, Mas vou te amar, Foi o que me ensinaram, Isso me torna mais puro! Odeio teu lado sacana, Um beijo na tua face humana. Ah! para aquele que tem luz própria, A luz que há em teus olhos, É o teu cartão de apresentação!

32


INFERÊNCIA VÃ Sempre sonhei acordado, Imaginei mundos distantes, Dei vida a criaturas inexistentes. Chorei com a morte de pequenos animais, Vi pequenas coisas (desprezíveis para alguns) Mas não para mim. Um dia eu quis ser gigante, Outra vez quis ser pássaro; Ao mesmo tempo eu quis ser árvore. Penso que um dia eu fui tudo isso, E ainda sou, A diferença é que agora eu cresci, E isso apagou a minha memória, Ou o meu ser natural, animal. A minha parte bicho, vento, Pedra, fogo (...) Agora, amadureci, Tornei-me social, mortal. Ser civilizado “animal racional”. Mas ainda não aprendi a doar. Ainda sonho acordado. Ainda sofro acordado. Ainda viajo acordado. Ainda amo dormindo. - Isso é ser poeta? Festejar a vida, Ser sensível à morte, Contemplar o sol. Se esconder na noite E imergir durante o dia? 33


Eu ainda não aprendi A deixar de sonhar, A deixar de voar, A deixar de falar, A deixar de fantasiar. Sinto o eclipse do meio dia, Sou de carne, osso e melodia, Sou suicida. Mas me apego à vida. Eis eu em ti mesmo. Estamos unidos em sonho, E separados em realidade. Humanos se assemelham em desgraças E se diferenciam na compaixão. Só haverá sentido Em tudo o que tenho dito, Se conseguirmos chorar, Porque em verdade te digo: Tu estás diante das palavras E nunca viu o poeta, Estás diante do quadro E nunca viu o pintor; Estás diante da vida E nunca viu o CRIADOR!

34


NOTÍCIAS DA CIVILIZAÇÃO Velamos o corpo Do herói morto. Agora está mutilada A nossa esperança. Crânios e sinais De violências. No solo ossadas humanas, Os pedaços de dignidade, E a amizade perdida. O executor nega tudo, Diz ser inocente. Mas nas páginas dos jornais: Violência e morte, Homens decadentes. O egoísmo, a hipocrisia, O indecente hábito que vai daqui Até a ilha do sol nascente. Frustrações à parte, Não há tempo pra chorar, As civilizações modernas Não perdoa ninguém, Não poupa ninguém!

35


Nas novas arenas Leões devoram frágeis etnias. Sábio poeta imortal, O preceptor agora é todo imoral! Os covardes conduzem à crueldade Há muito, desde a antiguidade. Os novos costumes são: Andarilhos profanos, Escudos humanos, Bombas humanas. E o que não é novidades: A implosão, o terror, A compaixão, o temor, A satisfação, o louvor. Agora é extinto o luar, Ficou o cinza, Os dias amargos, As manhãs sem o sol. Poeiras e o sabor do desgosto, Pelo ar o maldito cheiro do enxofre. Gases assassinos flutuam no ar, São resíduos de um projeto nuclear. 36


Nas escolas se ensina: - O mundo pertence aos mais fortes! Os grandes esmagam os pequenos É considerado coisa normal... Pura lei da sobrevivência! O que é ético? Um lindo discurso E uma prática mentirosa? Vejo exposto na rede Uma linda fêmea, Curvas perfeitas, Mas o interior: Todo podre! E no mercado negro O mais novo produto De consumo humano: Córneas, coração, pulmão... O próprio homem pagão. Dê o seu lance! Ao mercenário negociador, Lucros! Ao místico, a bênção; Ao miserável uma chance.

37


“AOS MORTOS” Hoje cedo o sol me acordou E como um guia coberto de luz E sabedora, me falou: - Erga a tua cabeça, Não deixe que nenhuma força te esmoreça. “Os outros só são grandes porque Você está de joelhos”. Portanto, Olhe nos olhos da escuridão E veja a luz, E sem medo siga o teu caminho. As portas do mundo estão abertas Àqueles que têm coragem. A confiança e a esperança São herança dos bravos E isto os levará até as estrelas.

38


EU E VOCÊ Através do pensamento Eu vejo O corpo, o rosto. Meu coração dispara. Lembro-me do beijo: Um doce sabor. Ciente, acordado; O perfume Conduz meu sentido. Lembro de flores. Durante o dia, O calor, Difícil não lembrar do teu abraço. Durante a noite, As estrelas, Incandescentes na imensidão dos teus olhos. Cadê o prazer? Venha me aquecer! Quero te ver. Falo em você, Você chega; Calo eu!

39


DO QUE HÁ NO CÉU Do céu Nada de fel, Quero o bom sabor do mel. Eu quero Da vida O que há de doce. Da luta O que há de justo. Do arbusto O que há de sombra. Da onda O que há de manso: o descanso. Do céu Nada de véu: Quero o lindo verso no papel.

40


O MUNDO QUE HAVIA Do mundo que havia Eu vi o fogo que ainda há Vi o belo que agora não há, E natureza eu a vi. Do mundo que havia Vi guerras e o ódio nos Corações a transbordar. A paciência e a inocência Vi acabar. Vi os planetas a girar, Os pássaros a voar. Vi os peixes a nadar, Os homens a se esquivar. Vi o mundo que havia E que agora não há.

41


O TEMPO PAROU O lar esvaziou, A madeira queimou, O mar evaporou E a รกgua secou. O ar sujou, O carinho escapou, O beijo azedou E a morte soprou. A vida sufocou, A rosa murchou, O espinho espinhou E a lรกgrima rolou. A mรฃe abortou, O pai chorou, A guerra brotou E a paz tombou. O sol apagou, A lua repousou E a terra parou...

42


AMAZÔNIA EM CONFLITO AAAH! Um longo grito Transcende o infinito. Ecoa e espanta, acelerando O coração de cada organismo vivo. É o fim de mais uma vida. Rasga o tempo, e o vento Projetos de chumbos Sobre a aldeia e o novo mundo. Banhado de sangue, pedras e Uma cachoeira vermelha. E todo o solo fede junto as carcaças humanas.

O que há na água É veneno, Metal líquido Que queima os olhos E sufoca a própria vontade de viver! O que há no ar É fumaça que sai Do cano de trabuco, Manuseado por mercenários Que vive para abater a vida.

43


O povo da floresta se defende, Pintam seus corpos, Cultuam a dança da guerra. Pegam em arcos e bordunas: É hora de enfrentar o branco invasor, De posse de paus-de-fogo E uma licença do governo. Nessa batalha não há chance Pra pureza da terra E nem pros nativos moradores da mata sussurrante. É quando o semblante da terra se modifica E a vida é esmagada Pela mão de martelo Do nefasto proprietário do poder. Em pequenas vilas, Já não há esperanças; Em covas rasas estão apenas lembranças. E nos campos, e em pequenas plantações, Se colhe suor e lágrimas: Legado das futuras gerações! O choro de cada um nos afoga, São como folhas que caem das árvores. Sorrateiramente a sombra da foice do sistema Nos degola, Nos lança ao chão como o verdes troncos Traçados por moto-serra.

44


As m達os cheias de calo Produzem o p達o de cada dia. Os homens e as mulheres da terra, em amor, N達o temem a agonia. Os nossos filhos, Nossas filhas em esperan巽a divina Esperam brincando com a terra Em constante alegria.

45


AMAZÔNIA ESCRAVA Em liberdade, com os pulmões cheio de ar, Respirando o cheio da floresta de orquídeas, O camponês de rosto queimado pelo sol Anda em trilhos estreitos Ou a bordo de uma canoa de madeira, Contemplando a luz do sol que Reflete nas águas doces Do grande rio que cruza o labirinto de árvores.

Um sonho bom! Um belo conto narrado por anciões De vilas ribeirinhas, Ou apenas lembranças dos mais velhos Que se apagam junto com a própria memória.

O amargo do cotidiano em cada fim de tarde, É o que reina em cada coração É o império do silêncio Nos gigantescos pastos de capim. Tão logo, E assim como cai a noite em velocidade, Alguns perderam a concepção dos seus Próprios direitos. São agora escravos modernos Servindo aos senhores da terra, Vulgo assassino da terra. A vida agora espremida, O belo canto agora... 46


Realidade distorcida. O continente verde clama pelo seu filho que morre. O continente verde chora pelo seu solo que morre. O continente verde grita pela sua água que morre. O caboclo exclama: - Até quando nossa maravilhosa mãe verde Será minada, usurpada a sua energia? Por que não tem cura a sangria aberta? O ferimento exposto no seu peito desprotegido. Que se rompa as correntes que prende nossos braços Que se rasgue a venda que cobre nossos olhos! Que se arranque a mordaça que abafa nosso grito!

O caboclo pensa: Não quero, Não vou envergonhar a lenda dos guerreiros cabanos, Seguirei o caminho dos heróis amazônicos, Que mesmo sabedores de que pereceriam, 47


Preferiram doar seus corpos ao solo E seus espíritos à floresta A se ajoelharem diante dos senhores sórdidos.

Viva os filhos da terra. Salve a “floresta de Esmeralda”. Que seja eterno o espírito da natureza.

48


AMAZÔNIA BELA Lindo manancial de vidas Que enche meu peito de orgulho, Sou tão pequeno e tu és tão grande. Sou fruto do teu útero, mãe verde! Sou filho do teu chão, terra verde! Quem não olha por ti é tolo, é louco, Quem queima tuas folhas Lança fogo sobre si mesmo. Quem joga veneno em teus rios Contamina a própria água que bebe. Os brutos que molestam a mata virgem Estupram suas próprias vidas. É prudente ferir a si mesmo? É sábio condenar a existência das gerações futuras? Há vassalos contemporâneos que fingem Ser parceiros dos reis, Mas a plebe e a corte estão cada vez Mais distante um do outro. Em contraste, a metrópole e a selva, Explorador explorada, Numa relação em que o primeiro Depende da segunda, Mas tão pouco a respeita. A rainha dos metais, das águas, 49


Da biodiversidade e do povo índio. Inspiração divina E genitora de homens simples. Tu transpiras vidas que nos mantém vivos. Em força eu digo: - Amazônia, tu sobrevivas!

50


TEMPESTADE (A selva) Vejo desaparecendo no longínquo horizonte, Inicia-se e num instante se expande Penetrando as nuvens Numa velocidade superior ao sentido humano. E assim, Repentinamente nos desperta calma E às vezes, nos estremecendo. O delicado som retumbante da mãe da vida nos céus, Acompanhado de clarões e de carga de luzes, Rasga o firmamento; Abalando os nervos dos fracos em fé. Uma fina névoa se dissipa no ar Seguindo um vento gélido do norte Que embala os corpos E queima a pele frágil dos seres Naturalmente desprotegido. Ao longo da floresta nativa, sem perder tempo, Os pequenos terrestres e os alados, Freneticamente disputam o melhor refúgio Que possa abrigá-los da destruição Que se aproxima: efeito da “espiral da morte”, Está chegando a procela! O temor que hora domina os corações De todos os seres portadores de BIO (força vital) 51


É comparada ao pavor de uma pessoa Que não sabe nadar e está num barco furado, Prestes a afundar E o medo de quem se encontra no alto de uma torre Em chamas e sem saída. Com uma fúria sem limites, A coluna de esfera que avança em tamanho do céu Até a terra, em força colossal, Por onde passa deixa apenas destroços, Tristezas e desolação No espírito daqueles que sobreviveram À ação do vento. E quem renasce das cinzas por entre os escombros Sem saber se habita o céu ou o inferno, Toma ciência de si mesmo E o que há em sua mente é O espetáculo, A fascinação que exerce a violência incomensurada Em cada olhar temeroso, Em se encontrar com a própria morte. A aurora se aproxima, A suave dança entre o fogo e o gelo chega ao final Na jovem floresta já se iniciou a regeneração Das árvores e das asas da esperança 52


De cada um ter uma nova vida de prosperidade, Sabendo que após um temporal de dor Todos devem crescer. E então as nuvens se dispersam, Os raios se apagam E o vento cessa o seu sopro. E assim, o dedo de Deus que deixou o rastro de destruição, É o mesmo que anuncia a chegada da nova vida; Ao longo do lindo manancial orgânico Brota a cada segundo mais uma célula verde como o pequeno Sustentáculo do planeta.

53


O ANTI-SOCIAL O aceitável, limpo, Belo, social. Marcas, tipos, Cores que combinam, Badalação Ou não. Status, penteados, Olhares, posturas, Jóias, luzes, Sapatos iguais, Sofisticação. O meu não! Comportamento, fama, Moldes , formas, Regras, normas, Adoração. Para mim, não! Modelos, padrões, Beleza morta, Verdades pela metade, Segundas intenções, Ostentação. À mim, não!

54


OS COVARDES Salve! Salve! Veja a imprudência, a indecência. Os soberanos nojentos Patronos da “força” Deitam e rolam. Flutuam acima Do bem e do mal, Acima da lei e do pecado. Covardes! Covardes! Sebosos!... Esnobes, vira-casaca, Vestem duas peles, usam máscaras. Cobrem suas verdadeiras faces De monstros, de horror. Suas mentiras entorpecem a verdade, Morte aos safados! Aos canalhas, morte!

55


A SOMBRA DA MORTE (Canção Noturna) Eu sou o desespero, Eu sou o nevoeiro, Eu ando pelos becos escuros, Eu vejo o negro e o vazio da noite. E agora tudo será destruído. Entre no meu espaço E seremos habitantes do submundo. E seguiremos pelos destroços urbanos. Essa é uma noite sombria. E o andarilho da noite Entorpece a lua Entrelaça os seres da rua. Ele vê o vazio e o negro da noite, Ele sente o pavor dos fracos E compactua com o destino. Entrelaça cabelo e couro, Estupra as mentes dos tolos. E quando há gritos, sufoca E destroça os corpos dos tolos. Eu sou o que resta à noite, Eu sou o fio da foice. 56


Entre no meu mundo, Exceda as portas e o muro E logo tudo será banido. Enquanto o purgatório é frio Exiba o corpo sem a cabeça quente. Entre na madrugada com punhal: Esse sorriso, esse beijo pode ser mortal. Espere pela boa sorte, Entre as esquinas do mundo: Esqueletos de “boa civilização”, Esgoto, vermes e moscas; E a tua única companhia - a morte!

57


ROSA RUBRA Rosa rubra da baixada, De longe não me espera Em qualquer lugar, Em qualquer era: Deusa linda sempre pérola. Eu sou tolo, Amo sem nada em troco, Como um pobre diabo: Todo oco. O fogo que me tormenta É o mesmo que me alimenta. Testemunho a paixão. Se o coração queima, Pra que força, então? Peço perdão ao furacão. A química do teu sangue É como o vinho: Suave e doce. Alucina os meus sentidos E transporta-me Do inferno ao paraíso. Eu sonho, ferozes amantes, 58


Apreciando a linha do horizonte. Quando criança, distante, Sonhava ter a ti, diamante! Rosa rubra, desmonta-me. Mas junta-me Aos pedaços quando partir. Em teu castelo de ferro, Todinha sozinha; Porque não Todinha minha. És um conto? És uma fábula? Quero contigo uma aliança: Conceda-me uma dança E a tua boca, minha recompensa. Tristeza é a tua ausência. Os anjos se atrasaram A me salvar. O coração se despedaçou depressa demais. E quando menos espero, Rosa rubra me aparece Pra me falar com devoção: - Estaremos juntos noutra encarnação! 59


ENQUANTO NA CAMA... Eu olho sorrindo Tua face No escuro do quarto. Os lençóis, Em cada parede branca Cobrem nosso gemido. A pele vermelha, A boca molhada, A lágrima de satisfação. Corpos se convertem Em um único ser. Duas mentes contemplam o êxtase. Bela da noite diz: - Menino, quero brincar! Nada penso, Apenas vivo! Não quero sonhar: Não sobra tempo. E vejo sorrindo, Em contraste com a lua, 60


A linda escultura Toda nua. Coxas me prendem, Mãos me vestem. A carne macia Enche minha boca. Os móveis e o espelho Assistem a tudo, Todos mudos. Em meu corpo, Toda força. Toda louca, Toda louca! A rua vazia, O vento, O silêncio, O desalento. Enquanto na cama... Corpo a corpo Ainda ama!

61


O QUE HÁ EM MIM (Inspirado em Todas as Vidas de Cora Coralina) Há em meu ser Um velho mago, De semblante maltratado E de olhar desviado. De pé e de cajado na mão, Olhando a montanha, Enfeitiçando o lago, Benzendo as almas doentes: O réu, o anjo, o bom amigo! Há em meu ser Um oráculo da floresta, De vestes longas e sujas, De ares calmos como O mato, o verde, o barro. Panela de ferro, Conchas de madeira E olhar no futuro. Há em meu ser Um homem simples, Barba branca, Cheiro de terra Rosto sofrido, Mãos calejadas, Duro e livre, Cabaça e olhar de bicho.

62


Há em meu ser Um menino levado, Pequeno e forte. Criativo, colorido, Teimoso e esperançoso. Pedras nas mãos, Peito de fora, Rápido como o vento, Leve como uma borboleta. Há em meu ser Um índio selvagem. Flechas e lanças pontiagudas Machado negro. Robusto e rasteiro. Caçador de fantasia, De raízes, E de indiazinha. Sombra de árvores, Água limpa e sadia. Há em meu ser Um mulato Jovem e malandro. Latino, nordestino, Sabino, florentino. Tão franzino: Grão fino! Todas os seres Que há em mim, Na minha vivência É mera existência. 63


SOB AS TREVAS DO AMOR Cada canção de amor Me faz reviver meu martírio, Cada canção de amor Abre-me as portas do paraíso. Lembro-me de quando ao calor Do meu corpo, Abria-me o sorriso. Lembro-me que tu partias Em pedaços meu corpo sofria. Do outro lado do muro de pedras, E do tempo, O que tenho é só o vazio do silêncio. Sou prisioneiro da própria existência. Como as plantas carentes da luz solar, Sinto falta da presença dela E da luz do seu olhar. Estás tão longe, Não sei onde tu te escondes, Em mim, por dentro, simultâneos amor e dor. Flechas de pensamento é o que há, E um rosto junto a um beija-flor. Um campo de rosas vermelhas e brancas Desatina o meu amor. Em qual estação ela está: primavera ou verão? Agora, 64


A mão do destino pesa sobre o meu coração! Estou afogando por dentro, Numa longa temporada de inverso Sim, desnorteado. Ah, rosas-dos-ventos! Resgata-me do frio do inferno! E nas noites junto ao mar, Fogueira acesa, O vento e o fogo flutuam no ar. O meu espírito aqui não está. Está à procura da imagem do meu amor, Buscando a carne da minha alma companheira.

Sombra da solidão é mesmo assim, Tão longe, tão longe de mim. Meu longo caminho está até o grande moinho De ilusão, Coberto de espinhos. Espinhos que penetram meu ego E esvazia a minha vontade de viver. Penso que não sei mais viver. Passo o tempo todo a ti querer, em agonia, Esperando que alguém me traga você. Há uma ânsia em saber, Em ver, em sentir, em acontecer. Ainda que a esperança possa morrer, Agora o amor é incondicional; Penso que esse sentimento é imortal. Ah, linda flor, onde estás? Devolva-me a felicidade! 65


VIDAS PERDIDAS O menino pensou e chorou, Olhou pra dentro de si mesmo e pulou. Ignorado, Incompreendido. Teve seus sonhos destruído, E sua esperança subtraída. Juventude esquecida, Juventude perdida. Jovens meninos livres, Jovens crianças pobres. É a juventude que sofre! Será que estão à beira da morte? Quantas vidas esquecidas! Quantas vidas perdidas! Transvertidos de adultos À procura de restos e migalhas, Tropeçando em suas próprias vidas, Acostumados a engolir insultos.

66


Sempre! Sempre! Ignorado, incompreendido. O menino pensou e chorou. Olhou o vazio que havia em si e pulou. Seu corpo era todo emoção, Ele só queria um pouco de atenção. E quando a amargura em seu peito Era tortura em seu leito... Criança fora de casa, Criança fora da escola, Menino pedindo casaca, Menino pedindo esmola. E o velho poder Agora está a feder. Não há indignação, Não há reação! Estão todos em comunhão, Em estado de putrefação! Jovens meninos livres, Jovens crianças pobres. É a juventude que sofre, Será que estão à beira da morte? 67


- “Parte de mim foi embora, Meu coração até hoje chora. Que saudade de quando criança, Vivo agora apenas de lembrança. Contudo, ainda não perdi a esperança!” - Mãe, te amo! (Ao menino que preferiu deixar este Mundo, por não ser entendido).

68


NOVO MUNDO Corre, vai chover Chumbo. Olhe o corpo Moribundo. Destroรงos na rua do Submundo. Armas na mรฃo do Vagabundo. Nos olhos, medo Profundo. O dedo puxa o gatilho Imundo.

69


ROSA E ESPINHO Encerro o termo, Formo o todo E constituo o t茅rmino. Fui duas metades, Sou duas faces E serei duas partes. Fui dia e noite, Cruz e espada, Gelo e fogo. Sou o bem e o mal Alivio e dor, Anjo e dem么nio. Serei vida e morte, Belo e feio, Rosa e espinho.

70


TEMPO VAZIO O rosto na moldura, A tona , saudosas Lembranças de um tempo bom. O tempo me tortura, Presentes insensatez, E incompreensão, Um tempo vazio. O sonho numa sepultura, Imediatismo e artificialismo Ventilam-se inverdades Uma sombria fatalidade.

71


RESテ好UOS Capas pretas, Cultos bestas, Cidades caretas, Homens marretas. Cテュrculos viciosos, Desejos maldosos, Indivテュduos teimosos, Comportamentos assombrosos.

72


CORTINAS O sonho da tarde parece ser tão real, Chego a ver o meu próprio íntimo. Agora entro numa realidade distorcida, Brincadeiras perigosas, Descuidos e jogos como a vida. Um salão, Um bar: Incenso, desatino, liberdade... O copo de vinho sobre a mesa, Cortinas vestindo as paredes de azul. O mistério sentado à mesa, Uma cilada: Corpo atraente e lábios venenosos. Sobrevivo à essa provação E acordo todo melancólico. Procuro distração, Olho os meus livros na estante E nada adianta. Por mais que eu cante, Nada é mais como antes. A tarde vazia é toda monotonia E eu, sozinho, Todo tédio!

73


EXISTÊNCIA Viver o momento, Cada instante, O depois, o agora e o antes. Pura e simplesmente, Sentir cada amanhecer, Cada anoitecer. O sorriso e o choro São naturais, Expressivos E não banais, Torna a existência Significativa, inesquecível. Sem amizades Não se vive. Sem saudades Muito menos Há dentro de nós, Amores, temores, Esperanças e lembranças. Há dentro de nós, Um querer De viver. De brotar, De crescer E florescer. 74


LIVRO DA VIDA Nas páginas da vida Se aprende a viver. Nos lindos sonhos Se aprende a crescer. Com boa vontade Se aprende a evoluir. Nascer, crescer, evoluir (...) São etapas do desenvolvimento E do conhecimento humano. O acordar ou o despertar De cada um, Possibilita um olhar Aguçado sobre as coisas. É o mesmo que Nascer para a vida. Construir, realizar tarefas, Transformar o abstrato Em algo concreto, também é Crescer na vida. Amadurecer, respeitar as diferenças E enxergar o que está Além dos nossos olhos é Evoluir na vida. 75


Teimar, em vez de refletir; Esquivar-se do saber, Não querer aprender Significa “perecer”.

76


RAZÃO OU CORAÇÃO Eu tinha razão: Os dias estão Mesmo quentes. Senão Por que peles tão Vermelhas e suor na mão? Eu não vi E jamais verei Dias tão confusos Como esses de agora. Eu olho a mim mesmo E me questiono: O que sou? Amigavelmente Eu me respondo: Sou gente! Mas, enquanto humano Afasto-me dos outros homens. Displicente ou não, A razão atropela o coração. Da mesma forma Que a sobriedade da vida Me tortura, 77


A embriagues da morte Atenua-me. Perturbação à parte, Neuroses que viram arte; Loucura, insanidade, bobagem. Homens anormais Possuem olhos que vêem o mundo Na sua plenitude de formas e sentidos. Contemplam no ser Não somente aquilo Que ele aparenta ser. Será que é Impossível ser Criativo e normal Ao mesmo tempo?

78


PAZ Branca, Vermelha, Negra. Querida, Sofrida, Esquecida.

Para mim, em mim; Para ti, em ti E para n贸s, em n贸s!

79


Ă€S AVESSAS Quando eu for noite E os outros forem dia, Quando eu for tristeza E os outros forem alegria, Quando eu for trevas E os outros forem luz, Quando eu for morte E os outros boa-sorte Eu serei pesadelo; E os outros: puro sossego....

80


BURACOS Buracos na parede da cela, Entra luz, entra vento. Buracos no sapato do mendigo, Aqui monotonia, aqui vida vazia. Buracos no teto do casebre, Fica boa fé, fica a amizade do irmão. Buracos nas vicinais de mesma mão, Saí sonolência! saí imprudência! Buracos nas camadas de sustentação, Resiste céu azul, resiste coração. Buracos na cabeça do inocente, Destes, eu não quero falar!

81


O DESPERTTAR O dom do despertar, A força para se levantar Após a queda São atributos de quem Insistentemente semeia e cuida Dos sonhos, Mesmo quando isso custa lágrimas, Suor e sangue. Hino à alvorada: “Levanta-te! O sopro da vida nos tocou, As trevas se dissipam e a luz aparece. Ela faz do sol um caminho todo traçado: Eis-nos diante de um novo dia!” (1) (1) Trechos de um dos livros que constitui os VEDAS, cujo nome significa conhecimento.

82


REGRESSÃO Aos pobres, Aos aflitos E aos que sofrem. Aos que tem sede De justiça E aos que tem fome Tem sobrado apenas excludência, Enquanto a meta De crescimento For para mercados e economias E não para a evolução Do próprio homem, Aos fracos restará sofrimento E aos fortes apenas lamento!

83


ANJO CAÍDO (Póstumo aos que já se foram, mas que estão vivos)

Nas ruas, avenidas e bares A grande geração perdida, apagada. Não chore, a escuridão Não é a única saída! Estou doente, mas sou forte: Preciso só de uma gota de tempestade. Bem que o trovador me disse: “Sempre existe uma luz! Sempre existe um caminho, Sempre existe uma saída.” O poeta morto para alguns, Em minha mente está mais vivo do que nunca. Saiba que eu não sei de tudo O que tenho é minha própria visão. Não fique com tuas dúvidas Querendo a minha opinião. E aqueles que não possuem luz para os guiar “cegos, surdos e mudos” tolos, são limitados a seguir apenas qualquer líder torto. Eu não seguirei ninguém, A não ser a mim mesmo. 84


“Ninguém vai me dizer o que devo sentir, Ninguém vai me dizer o que devo pensar”, Ninguém vai me dizer o que falar. A razão que há no meu coração me conduz! Não sou servo de ninguém, Criado ou subordinado a deuses da terra! Sou vento, sou livre, sou alado. Sou dono do meu próprio destino. Sou soberano do meu domínio... O anjo triste que há em mim. É o meu único senhor In memorian RENATO RUSSO

85


RUÍNAS DA FLÔR Subterfúgio Na própria alma. Sombras no presente Heranças de uma ausência. Resquícios de sonhos, angústia e lamento. Nada ficou, Tudo acabou. Tempo inerte, Sentimentos dispersos, Configuração do desprezo. Canta-se uma canção, Chora-se uma aração, Penúria ou não? Tortura... por que não? Nessa altura Qualquer palavra Alivia o Despedaçado coração.

86


A LÁGRIMA, A MÃO E A BANDEIRA A lágrima Desprende-se Dos olhos tristes. A mão fria E tremula, Pede socorro. A bandeira, No entanto, tremula Impotente no mastro Da “IN-DEPENDÊNCIA.

In Brazil.

87


AVISO Das montanhas, onde nascem águas cristalinas, Berço onde brota a fertilidade, Surge também a vida em formato de esperança, Que entre ruínas e abismos Logo cedo aprende a dança. A força que vence os elementos, Submete à espera o tempo, Sucumbi a própria morte: oh! Eterno sentimento, Será tu o tal amor? Defronte ao peito-a fúria; O corpo declara abstinência total dos sentidos. Ás sombras, restou a carcaça Do que já foi um dia virtude, Sim, o que era tigre agora é rato. Qual foi o tamanho do dano? Será engano ou não? Vós, que fomenteis a indignação, E promove dissabores, aflição, Tomeis cuidado. Se nunca pude tocá-los, Quando fizer, Conseguirei amá-los?

88


EIS A CURA Eis aqui o signo dos novos tempos A deformação e o grito da terra. Infesta nossas mentes e corpos, Vírus, bactérias, vermes, frutos abomináveis Gerados pelo descanso dos gestores inescrupulosos. É lícito há séculos o domínio e a exploração E nos tempos modernos venera- se um novo Deus, Dono de muitos nomes, que possui Muitas faces, e que propicia a seus seguidores Riquezas; mas ao mesmo tempo: insônia, ira Agonia e um viver medonho. Fala-se muito, mas não se entende nada, Violenta-se o planeta, alastra-se imundices De cidade em cidade, nos asfixia pouco a pouco A podridão do ar que respiramos. O natural desnudo, desgastado, desfigurado, A incompreensão hereditária de uma árvore Genealógica que degenera seu futuro E só deseja a auto-satisfação e a avareza. A ameaça de morte agora é pra todos, A expansão dos danos acelera-se em alta Velocidade, 89


Culturas e seres vivos também são moedas Que movimentam a máquina que está Em perfeita harmonia com o lucro Que é para poucos. Pobre espécie que promove o horror, A cura para teus males ainda é o amor?

90


CÁRCERE DA FLÔR A “dona” sentada Mão no queixo, Batom, brilho e sombras. Meias, saltos E pernas cruzadas. Observo-a calado, Disfarço, desvio o olhar, Não consigo. Sem querer, Forçado por mim mesmo, Novamente estou olhando-a. “Pai, por que isso? Desencanta-me!” círios, festas, vestidos, nela um forte magnetismo; virei um ser de bronze, objeto em cima do muro, neutro, perdido, sozinho e sem caminho. Retração em meu coração, Reflexão, repetição, nada de ação. Orfeu, não me cures! 91


A tua luz apagou, Meus dotes... acabou. Chega a noite, Quanto frio. Entre eu e ela Muralhas e muralhas. Sou só vontade. O corpo em ansiedade, Todo exaltação. Moro em ÁBATON, Mas o meu espírito, Em outro mundo: Sujo, vazio, cinza. “PAI”, por que isso? Desata-me!”

92


PERFUME DE FLÔR Inseto humano. Fora do meu sono. Fora sub-humano! Meu sangue Impuro é só meu, Se quiser Vá beber lama. Meu corpo cansado Em minha cama. Durmo pouco E há tempos sofro muito. Ao meu lado Minha mãe reza, Eu consolo a velha: - Irei sobreviver! O céu e o inferno Não se decidiram Pra onde eu irei. Minha amiga, Filha, mulher, Inquieta caminha, MECA me instiga, O meu silêncio maltrata-a Cansa-a. 93


Repito-lhe o que já tinha dito; Poucas palavras apenas, Um olhar sem brilho E o pensamento em outro mundo. Do inimigo Eu ouço insultos. Não, são tumultos, Ou quem sabe Jovens defuntos. E agora quem Vai chorar? Quem vai embora? “Quem vai sorrir?” Quem vai mentir Pra mim agora? Dá-me de volta o que é meu, O que ainda não tive. Dá-me o que eu ainda não sei Mas que me pertence. Sou todo abandono, Agora sem ninguém, Desmaio no banheiro, Sou apenas fulano. Agora sou ninguém, Nem pétala, nem perfume. Os olhos se fecham, Resta-me o escuro. 94


TRAVESSIA A solitude me rodeia No caminho até o fim do dia Está coberto pelo nevoeiro, A minha visão limita-se aos meus pés O pensamento em consonância Com vilipêndio e auto lamento... Daí-me ó guia, aptidão para ver Por entre as nuvens que “sega-me”, E bloqueia a transição Do meu passado ao meu futuro. Quando chega a noite, Os caçadores do dia ficam cegos E os predadores da noite Com suas visões noturnas Submetem os demais; Com presas fáceis se saciam. Essa é a sombra da minha agonia! E o acaso frio, destilado pelo vento, Que beija-me a pela trêmula e carente, Ainda mais agora saudosas lembranças Invadem meu interior e todo o meu peito. Um andarilho entre suas alucinações Desafia seus sentidos, vai de sua Total abstinência ao seu Mais glorioso sonho de potência. Ao céu ao lua, dançam no firmamento Cintilantes estrelas, quase Ao alcance de minhas mãos, 95


Tento tocá-las, no entanto, Não posso ainda voar. Os olhos sem o controle da emoção Distante mais ainda da razão, Mergulham numa imensidão De lágrimas que brotam do meu ser. Fantasia, sonhos que viram morte; Amores ausentes habitam a primavera Prostrados ao chão de joelhos, Com a boca amarga e seca, E como se mil flechas atingissem O meu corpo, e louco por balsamo eu Com adaga de aço cortasse o meu Próprio pulso. Sem cessar o escuro, a treva impregna E domina ao longo da estrada. A trilha Por onde sigo assemelha-se a boca de Uma caverna; gemidos por toda parte Parecem gritos chorosos dos espíritos dos mortos. Arrebatando os indefesos estão os selvagens, E fazem da noite o seu dia. Porém, escapo por Entre os dedos do destino. E finalmente ao longo Da colina é visível ver o fim da noite sombria. 96


A brisa se expande, Está quase nascendo um novo dia! Fujo apavorada da mortalha Preparada pela minha própria mente, Contemplando a minha frente um oásis, Percebo que tudo não passava de alegorias: Penetrei no sombrio que há em mim, E a ira corroendo minha alma Atenuando-me a mergulhar no fundo poço; Porém fui mais forte que os meus desapegos. Banhei nas águas cristalinas Caminhei junto às flores Tropecei em pedras e espinhos E por entre monstros e sem carinho Supero pouco a pouco o meu destino.

97


OS MORTAIS Somos tais ditos mortais, Anjos aflitos, malditos fatais. Somos cães, ladrões, canhões Sujos ratos em buracos. Somos santos em prantos Homus ambos pouco antus. Somos ternos produtos modernos Arranjos sonoros brutos amorosos. Éramos homens em Eus Sonhando brincando de Deus. Éramos rochas em montanhas Rolando mortas em façanhas. Somos todos beijos afeição Tolos, poucos peito traição. Somo sábios frios covardes Solos, gestos tardios capazes.

98


Somos cultura nossa sepultura Voamos alto caímos das alturas. Somos fome ira nos domina Ficamos tristes birra nossa assassina. Éramos homens em Eus Sonhando brincando de Deus. Éramos rochas em montanhas Rolando mortas em façanhas.

99


ELEMENTOS Sorrindo, correndo ou caminhando sigo por vias, pontes e florestas. O horizonte está ao longe e diante de mim o mundo inteiro a Desbravar. D´agora em diante não temerei o futuro não desprezarei o presente, subjugarei qualquer sina e aliado ou não ao destino farei meu próprio caminho; de nada dependerei. Liberdade será meu nome; amizade será minha fome. Quero agora o vento batendo em meu peito, gabinetes lacrados e prédios fechados me afastarei. Quartos e salas não habitarei. Robusto, calmo e cantando pela estrada da alvorada vou eu junto ao chão, junto a terra. Entre homens e mulheres, entre passivos e ativos, sobre nobres e vulgares, sigo sem a cabeça abaixar; mas trago comigo um pouco de cada um desses seres, pois também da terra vim e para as estrelas irei. Meus domínios são o que a mim cabem, não quero nada de um outro, apenas o que a mim foi destinado. Não desejo dominar o céu, o mar, ou a floresta, pois a estrada por onde sigo é de flores, água, pedras e nuvens. E os elementos que formam o céu, a pedra, o mar, a floresta, e as nuvens são os mesmos que compõe a mim.

100


FLORES MORTAS II Ah! Desculpe-me, mas tenho Que falar sobre isso! Mas uma vez a mentira Se sobrepõe á verdade. Não por desinformação É por pura maldade. Novamente presente A velha cobiça Em novas mentes. A velha preguiça Em novos dementes. Será sempre assim? O inevitável triunfo Do forte Sobre o fraco; Do ódio Sobre o amor; Da guerra Sobre a paz. Do antigo Ao novo escravismo, Do egoísmo Ao novo analfabetismo; Do cinismo Ao novo fanatismo. 101


No concreto, nada brota! O que há em nossas mãos São flores mortas. Nos canais de informação, Em constante evidência, Recursos banais de formação: Uma cultura em decadência. Não adianta reclamar; Só eles querem falar. São poderosos, são prepotentes, São preconceituosos, são indecentes. Falam em liberdade de expressão Mas usam os meios de opressão. Manipulam a grande massa E compactuam com a horrível farsa. Os covardes dominam a retórica E o povo aplaude, acha a fala heróica. Em seus redutos: humilhação, Barbáries, massacres e condenação. Promovem verdadeiros genocídios, Ordenam até mesmo o suicídio. A animalidade dos homens, De geração em geração, É o que os consome. A bestialidade permanente, Fruto de sua eterna vaidade, É o resultado de atos inconseqüentes.

102


A nossa vida agora Está toda torta. O que nos restou São FLORES MORTAS! Em momentos tristes, Em horas de Dor ou alegria, Para quem é sensível É a hora de criar. Sinto-me transcendendo De expirações e pensamentos Quando a vida me põe em cheque. Quando dou por mim, Sem mais nem menos, Estou escrevendo Sobre coisas Que não planejei: Expondo o meu espírito. Penso que a tinta E o papel Tem me ajudado a “Curar” os meus males.

103


104


105


..

O maior mistério ao deparar-me com estas “ Flores Mortas ” foi testemunhar o ressuscitamento da linguagem-poética-redencense e do próprio poeta em sua missão (árdua missão) de ser o sujeito/objeto gerador do seu próprio sistema sígnico. Em “ Flores Mortas ” vidas são ressuscitadas no azul da arca-terra, em meio a almas ciprestes e ventos sobressaltados. Ao ler “ Flores Mortas ” a imensa carga da vida levou-me a extasiar ante tão questionadora simplicidade. Que força esta que fez-me penetrar no meu próprio labirinto, obscuro labirinto, sem Ariadne, novelo ou minotauro? Que força esta que fez-me beber do meu próprio cálice (ou seria cale-se) e sol? Que força esta que fez-me compreender de minha própria necessidade vital? Ler “ Flores Mortas ” foi-me um duro golpe, invariavelmente insuspeito, pelo que acabei preso no campo extenso das frases, digerindo os seus meticulosos diálogos civilizatórios: “ Nas novas arenas os leões devoram frágeis etnias... O que é ético? Um lindo discurso e uma prática mentirosa?... dê o seu lance: os mercenários negociam lucros, os místicos, a bênção: o miserável: uma chance...

106


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.