Médicos Medievais Naturais de Al-Andaluz

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MĂŠdicos Medievais Naturais de Al-Andaluz

A. M. Meyrelles do Souto

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9 789898 614162

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© Edição By the Book, Edições Especiais, lda Título Médicos Medievais Naturais de Al-Andaluz © Texto A. M. Meyrelles do Souto Médico da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa da Sociedade de Geografia de Lisboa Antigo Presidente da Direcção de História da Medicina Revisão Isabel Santa-Bárbara Design Forma, design: Veronique Pipa Impressão Real Base ISBN 978-989-8614-16-2 Depósito Legal 375764/14

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Edições Especiais, lda Rua das Pedreiras, 16-4º 1400-271 Lisboa T. + F. (+351) 213 610 997 www.bythebook.pt


À memória de minha mulher



‫ةغللاب ) هتوبن لئالد ( مالسإلا يبن‬ ‫ةيلاغتربلا‬ ‫‪Em nome de Alá,‬‬ ‫‪o Clemente, o Misericordioso‬‬



Palavras prévias 9

Averróis 13

Avenzoar de Sevilha 17

Albucassis – Alzaravius 19

Ibn al-Baitar 23

Maimónides 25

Rio Jordão, Lago Hulé, Mar da Galileia 40

Bibliografia 42


Castilla - La Mancha Extremadura Murcia

Portugal

Andaluzia

Oceano Atl창ntico

Mar Mediterr창neo


Palavras prévias Na Medicina árabe há médicos cuja contribuição concorreu para o avanço da Medicina em geral. Os árabes traduziram textos gregos e persas, trazidos para a Europa – para o Ocidente, como então se dizia –, nomeadamente para as Hespanhas (a Península Ibérica – Al-Andaluz 1, dos árabes). Autores vários dizem: “Não há Medicina árabe, mas, apenas, compilação de textos persas, judeus e gregos, pelos árabes” Sanjorjo D’Arellano

“O maior, mas não o único, mérito da Medicina árabe, foi guardar e transmitir muitos textos gregos e latinos, esquecidos na primeira metade da Idade Média” Barriety e Couty

“Não há ciência árabe. Os sábios maometanos foram sempre discípulos mais ou menos fiéis dos gregos mas foram destituídos de qualquer originalidade” Pierre Duhem 2 , in Lindberg 1992, p. 175

1. “Terra dos Vândalos”, por lá terem habitado, na Bética – nome antigo da região – os Silingos, ramo da Vândalos, até serem derrotados, em 418, pelo rei Valia, dos Visigodos. Os Vândalos, por sua vez, eram um povo indo-europeu da família germânica. 2. Pierre Maurice Marie Duhem (Paris, 10 de Junho de 1861 – Cabrespine, 14 de Setembro de 1916) físico e matemático; dedicou-se à Filosofia das Ciências; membro da Academia das Ciências de Paris. 9


De modo semelhante se refere Castiglioni. Para os árabes, a Medicina era uma arte, não uma ciência. A grande contribuição dos árabes para a Ciência Médica foi na Botânica e na Fitologia, portanto, na Farmácia; pelo que são considerados os “Pais da Farmacologia”. Na Medicina Física introduziram banhos (hammari), massagens, música, ocupação (terapêutica ocupacional). Na Dietética incluíram regulação do tipo de vida. Houve também contribuição no campo da Cirurgia. Na Ibéria – Al-Andaluz – com a queda do Califado do Ocidente, ou de Córdova 3, em 1031, Granada deixa de ser a capital cultural; todo o “Saber” se transfere para Toledo 4, onde já havia, desde cerca de 1130-1135, a “Escola de Tradutores”, com cristãos e judeus, criada pelo Arcebispo de Toledo Dom Raimundo 5 (Ramón de Sauvetat). Com a chegada de Gerardo de Cremona (Cremona 1114 – Toledo 1187) a Toledo em 1144 6, as traduções de Montecassino (Constantino, o Africano 7 e outros) começam a ser divulgadas. Em Toledo, Gherardo Cremonensis encontra obras de Galeno e Hipócrates (em árabe) as quais traduz para latim (foi o primeiro europeu a fazê-lo), assim como as obras dos séculos X e XI (a Cirurgia, de Avenzoar e o Tratado dos Simples, de Ibn Vafid, o Breviarium, de Serapião, o Jovem – Ibn Sarabi). 3. Fundado por Abdul Rahman, Abdermã ou Abderramão I – da Dinastia dos Omíadas – fugido do massacre de Damasco, do Omíadas pelos Abássidas. (Foi, inicialmente, emirato (em 755) e, posteriormente, califado (929-1031). Com a queda do emirato as possessões são repartidas em principados (tawai’ if ), serão as Taifas. (Omíada vem de “Ben Umaia” – Abd Al-Rahman Ben Umaia – nome do fundador da Dinastia). 4. Já reconquistado desde 1115 e onde, desde 1125, havia uma Judiaria que ocupava dois bairros. 5. 1125-1151. 6. Onde ficará até 1178. 7. Cartago 1010 – Montecassino 1087. 10


Não só foram traduzidas “obras médicas”, como se conta também Almagesto (O Maior) tratado de Astronomia, de Ptolomeu, vertida para árabe por Hunain ibn Isaac (Abu Zeid Honein ibn Isaac Al-Ibadi) – Johannitius, como foi latinizado – e obras de matemática, astronomia e outras. As traduções de Gerardo de Cremona, mais de noventa e dois, foram conhecidas e copiadas duraram toda a Idade Média, tendo mesmo sido impressas no Renascimento. Houve, no Ocidente, duas escolas de tradutores: • Salerno (com a contribuição dos Mosteiros de Montecassino e de Cava de’ Tirreni 8, ambos Beneditinos na Província de Salerno); • Toledo; as quais nada ficavam a dever, segundo Yossuf Muhamad Adamgy, à Bait al-Hikmah (A Casa da Sabedoria) de Bagdade, fundada por Harum al-Raxide (786-809), 9 no período Abássida 10. Muitos médicos árabes célebres, e de todos nós conhecidos, nasceram na Península Ibérica, mas, por não o sabermos, resolvi aqui trazê-los, para vós. São eles, por ordem cronológica, mas não necessariamente, a da apresentação neste livro: • Albucassis (930-1031); • Avenzoar de Sevilha (1091-1161); • Averróis (1126-1198); • Al-Baitar (1197-1248), não médico, mas botânico e farmacêutico. Mas há outro grande expoente que não poderá ser olvidado: • Mamónides, judeu – de cultura muçulmano-judaica ou hebraico­ ‑hispânica medieval. 8. Este fundado em 1144. 9. Conhecido pelas “Mil e uma noites”. 10. Com a diferença que nesta se traduzia do grego para o árabe e nas outras duas, mais recentes, do árabe para latim. 11



Averróis Abdul Valide Muhamad ibn Ahmad ibn Muhamad ibn Ahmad ibn Rache (Ibn Rache) Médico e Cientista 1126-1198 AD ou 504-576 H

A sua alcunha era RUADE ou ABEN RACHE , que significa o neto; por corruptela, ou pela latinização (habitual na época) deu o nome pelo qual é cognato. Nasceu em Córdova em 1126 (504 da Hégira, dinastia dos Almôadas 11) e morreu em Marráquexe em 10 de Dezembro de 1198 (576 Hégira), aos 72 anos, portanto. O cadáver embalsamado foi “carregado a bêsta” (como se lê em documento medieval), isto é, transportado a dorso de muar (cangalho) – com o corpo de um lado, ao qual faziam contrapeso, do outro, os livros do defunto – para Córdova. Foi dos maiores médicos do mundo muçulmano, tão adiantado, então, na Ciência e na Arte. Era filho e neto de juristas, pelo que se supõe ser de alta classe social. Numa viagem a Marráquexe descobre um corpo celeste (cruzeiro do Sul) não visível em Espanha, o que lhe permitiu afirmar a esfericidade da Terra.

11. Dinastia marroquina – xiita – que dominou a Espanha árabe, Al-Andaluz, fundada por Ibn Tumarat, que se auto-denominou de Almadi por se ter considerado o renovador da religião islâmica. Pregou na tribu dos Masmudas (Sul de Marrocos) o regresso à pureza da fé e dos costumes de Tinemelel; irradia, depois, a todo o império marroquino em detrimento da dinastia dos Almorávidas que corrompera os costumes e levara ao relaxamento da religião. A dinastia Almôada data de 1121 (499 da Hégira). Tumarat morre em 1128, sucedendo-lhe o lugar-tenente Abd Almúmene e seus descendentes até à nova dinastia dos Merínidas, com a tomada da cidade de Marrocos. 13


Foi aluno de Ibn Zuhr (Avenzoar de Sevilha), médico, cuja fama se estendia a Salerno e Montpellier, escolas médicas de influência árabe, não lhe seguindo as ideias filosóficas, vindo mais tarde a ser seu adversário. Escreveu comentários a CANON, de Avicena, à Republica, de Platão, a Aristóteles, etc., pelo que foi denominado pelos filósofos cristãos como “O Comentador”. Por indicação de Ibn Taful – médico do califa Yssuf ibn Yacub – traduziu a obra de Aristóteles, quasi 15 anos de trabalho! Privado e conselheiro do soberano almôada Abu Iúçufe Iaçube ou Almansur Insuf (“O Vitorioso”) – em português conhecido por Almançor 12 – foi alcaide de Sevilha e de Córdova. Nos últimos anos do reinado (1195) este príncipe mostrou-se contrário à filosofia de Averróis e fá-la condenar como herética, por assembleia de doutores; mas, posteriormente, curiosamente no ano da morte de ambos, o soberano perdoou-lhe. Os seus escritos são variados; vão desde a Filosofia e Teologia, à Jurisprudência, Astronomia e Medicina. Parece ter sido admirado pelos judeus hispânicos – os sefarditas – que espalharam a sua filosofia pela Europa, principalmente pela Itália e França. A sua obra filosófica veio a originar o chamado: “Averroísmo latino” ou “Averroísmo radical” o qual esteve na base da crise de 1277 da Universidade de Paris (Janeiro a Maio) com a intervenção de Siger de Brabante, Boécio da Dácia e do Cardeal Legado Simão de Brie, no pontificado do Papa português João XXI – Pedro Julião ou Pedro Hispano Portugalense – com a emissão pouco provável da bula Flumen aquae vivae.

12. Este, o célebre Almançor que derrotou Afonso VIII de Castela em Alarcos (hoje, Ciudad Real) a 28-7-1195 (8 de Xaban de 581 da Hégira), por isso – “O Vitorioso”. A esta derrota responde o rei cristão, mais tarde, com a brilhante vitória de 16-7-1212 em Navas de Tolosa (Al Ucab, para os árabes). Nasceu em 1160 e faleceu em 1199, na cidade de Marrocos. 14


O Averroismo, basicamente, consiste em três teses: a) o mundo é eterno – contradição flagrante com a doutrina cristã – Deus é o motor imóvel dum mundo eterno. Deus nem conhece o mundo. b) a alma não é imortal – só o comum dos homens é imortal – isto é contra a doutrina cristã da salvação. c) há duas verdades – a verdade da Fé (Teológica) e a verdade da Razão (Filosófica) assim, poder-se-ia conciliar duas teses opostas sobre a alma. Averróis foi o aristotélico mais notável do Islão. Saliento, apenas, algumas das suas obras: • Comentários vários a Aristóteles (cerca de 38), incluindo a De Anima; • Comentários à República, de Platão; • Comentário à Isagoge ou Quinque Voce Porfirii (Introdução ao estudo das Categorias de Aristóteles), de Porfírio 13; • Tuhafut al-Tuhafut (Incoerência da Incoerência) (Destructio destructionis – A destruição da destruição – contra o anti-racionalismo de Al-Ghazali). Obra médica: • Kulliyate (Kitab al-Culliyat), generalidades (escrita entre 1153 e 1169) célebre compêndio, traduzido para latim, foi texto nas escolas europeias da Idade Média. É dividido em sete Livros 14: 1. Thaxerih al-alda (anatomia dos órgãos); 2. al Sihha (saúde); 3. al-Marad (doença); 4. al Alamat (sintomas); 5. al Adviya va l-aghdhiya (drogas e alimentos); 6. Hifz al-sihha (higiene); 7. Xifa al-amrad (terapêutica). 13. Filósofo neo-platónico (232-304), nascido em Betaneia em Roma; Introdução aos Inteligíveis – Isagoge ou Quinque Voce Porfirii. 14. Gamed Abdel-reheem Ead – On the occasion of the 800th Anniversary of the Muslim Scientist «Averroes» – Heidelberg University, July-October, 1988. 15


Conhecem-se: • Duas traduções hebraicas: uma de autor desconhecido e outra de Salomão ben Abraão ben David; • Uma latina, de Pádua, em 1255, pelo judeu Bonacosa, tendo sido a primeira impressão datada de 1482, em Veneza; seguiram-se-lhe várias outras. Demonstrou a falsidade da teoria da polifarmácia (que, mesmo assim, ainda se usava no século XVIII). Alguns, contudo, afirmam não ter exercido Medicina. Foi adversário, como vimos, de Avenzoar e, também o foi de Galeno. Em Astronomia deixou-nos um tratado da esfera – Kitabe fi-Harakat al-Falak. E outros. Também escreveu sobre jurisprudência – Bidayat al-Mujahid-al-Muqtasid é, possivelmente, o melhor livro da escola Maliki de Fique. 15 Dante Alighieri coloca-o, juntamente com Diógenes, Séneca, Euclides, Saladino e outros que morreram fora da fé, no Inferno (Canto IV).

15. Idem, idem.

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