Born to zine - Edição #1

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EDIÇÃO 1


ED I T ORI_ AL


Nasce um Zine, chega ao fim uma gestação, mas antes mesmo desta muito mais foi necessário para tal. Uma árvore de influências e um mar de contradições foram responsáveis por cada letra ou rabisco das páginas que seguem. A idéia, essa é a mãe de todos os zines, mas qual foi a idéia? A inércia foi quebrada junto a leitura de um texto da banda “Lumpen”, ao afirmar o que uma banda (de hardcore) poderia fazer pela revolução, que seria nada! Então era necessário fazer algo, além de continuar fazendo o que já se fazia, e ao observar um belo disco da banda “Eu o Declaro meu Inimigo” que vinha encartado em um zine surge a ideia, por que não um Zine? Imprimir nas páginas além das músicas, e as ideias que já vem nestas, o desenvolvimento de temas tão importantes para o debate e para boas mudanças. Já se sabia o que fazer, agora era como fazer? Em um perdido show de hardcore, em uma perdida ex-capital do Brasil uma influente banda Argentina se apresentou, e na banquinha do material estava um livro, “Minha pequena coleção de funzinez, Boom boom Kid”, com tantas ideias impressas em preto e branco surgiu a inspiração para o método. Por fim, a dúvida maior, o que colocar e com quem fazer? Porém uma riquíssima experiência política e musical proporcionou os encontros certos com pessoas e temas a serem desenvolvidos nas folhas que seguem. A internet é um excelente canal, mas os instrumentos atuais tornam o conteúdo cada vez mais temporal e perdido num mar de informação, o que se escreve hoje amanhã já não se encontra mais, então está na hora de voltar ao futuro, colocar as ideias no papel para que elas não se percam no tornado virtual. A agitação de ideias que segue é um recorte de várias vidas e vários lugares, não estranhem se ao folhear sintam cheiro de mar, ou o calor do verão palestino, ou ouçam musicas conhecidas, ou vozes familiares, nestes papéis as palavras são vivas e resistem mais do que o papel que as suporta ou as vidas de quem as escreveu. Boa leitura! Em homenagem ao Fanzine Lado R, as bandas Colligere, Born to Freedom e ao Sinasefe Sindicato nacional.

Edição 01 - 2015 Projeto: Shilton Roque Edição: Shilton Roque e Diogo Galvão Diagramação e ilustrações: Diogo Galvão Ilustração da capa: Ri Maia Colaboradores: Reynaldo Cruz, Carlos Gurgel, Pedro Bomba, Ri Maia, Cristiano Onofre, Victoria Zacconi, Marcel Matias, Maren Mantovani, Matheus Cedraz e Pablo Capistrano. Contato: borntozine@gmail.com Cartas: Avenida Itapetinga, 427, Bairro Potengi. Natal - RN CEP 59124400


A CIDADE CORAÇÃO REYNALDO CRUZ


Há na geografia de nossos corpos um certo desafio. E é entre os limites propostos e limites impostos que traçamos o nosso limiar. A guerra vem de um dentro existente contra um fora já anterior ao que existe. E sobre a construção subjetiva do chamado ‘’individuo’’, nós nascemos, como pirâmides. Somos constructos espelhados e nos reconhecemos. Vivos e sobreviventes, num mundo que sequer chamamos de ‘’mundo’’, apenas e tão somente porque ele mesmo não ‘’existe’’ em si. Somos cidades simultâneas, muitos num só eu, muitos num só mundo, mundos num só eu. E esta estrutura não é o que é apenas porque eu sei que é, ou por ser aquilo em que mais acredito, este é o artificio dubitável que sempre irá fazer com que sejamos o que fomos, somos e o que sempre seremos. E é apenas porque não existem aqueles limites propriamente ditos, eles em si mesmos se desacreditam. São infundados, por mais sólidos que sejam. E assim permanecemos, milhões num turbilhão. E eu sou assim, enquanto indivíduo-múltiplo. Não acredito em nada que separe os corações uníssonos, não acredito nos centímetros instituídos, nos riscos dos mapas, nas escalas, no que é simplesmente cartográfico ou cartesiano. Não acredito nas lacunas das estradas, nos quilômetros supérfluos, nas siglas, nos estados, na física pejorativa. É contra as distâncias que eu construo minha batalha. Seja contra as que nos tornam fronteiras, seja as que desfasem distâncias. Não existem diferenças entre os que realmente se importam. Sejamos então, as nossas próprias capitais, pois nós somos a cidade-coração.

Reynaldo é vocalista da banda Plastic Fire, educador infantil e amante das crianças.


A le go _r ia do S I_ N AL Por Shilton Roque


Em uma manhã de segunda-feira aparentemente comum, temos a plena certeza de encontrar, como de praxe, engarrafamentos em maiores proporções do que nos outros dias da semana, um fato curioso ocorrera no caminho dos infortunados que enfrentam o famigerado “gancho de Igapó” em sua rota. Todos os dias, a rotatória (conhecida por gancho de Igapó, ou simplesmente “gancho”) que liga Natal à rodovia BR-406 (estrada para João Câmara, Ceará-Mirim e Macau) e ao município de São Gonçalo do Amarante apresenta um grande engarrafamento devido à morosidade do sinal e a complexidade do cruzamento. Aquela rotatória é um dos grandes tormentos para os motoristas da Zona Norte, que sempre buscam vias alternativas para não gastarem toda a paciência do seu dia antes mesmo de chegar aos seus locais de destino, já que o engarrafamento é uma constante. Não importa a hora do dia que se passe por ali o trânsito estará sempre congestionado, com possibilidades apenas de piora. Curiosamente, ontem e hoje pela manhã, antes mesmo do meu lamento diário vi que não existiam sinais de congestionamento... Por quê? Simplesmente os 4 semáforos que regram a passagem por aquele trecho estão quebrados! Todos que ali transitam tomaram um grande susto nessas duas manhãs, deixaram de existir as filas enormes de carros e todo aquele clima de caos urbano. A quebra daqueles sinais subverteu o imaginário popular que sempre, ao analisar teoricamente a situação, chegava à conclusão de que em ocorrendo a quebra dos sinais teríamos o caos e a intransitabilidade, porém, a situação prática foi diametralmente oposta à coisa mitificada. Enquanto todos acreditam que a ausência das regras impostas e a liberdade de cada um seriam as grandes causadoras da desordem, o fato ocorrido se mostrou a grande solução para um problema de anos, por que não dizer décadas? Essa situação gerou uma profunda reflexão: até que ponto a autogestão, as ideias libertárias não seriam (ou não são) a grande solução para uma sociedade que aparenta ser tão dependente do controle estatal? Até que ponto o Estado deixa de ser um pacificador de conflitos, deixa de ser a solução dos problemas e passa a ser o germe que ele existe para combater? Será que precisamos mesmo dos sinais e “sinais” para vivermos em sociedade? Shilton Roque é trabalhador do IFRN, sindicalista, vocalista da Born to Freedom e editor deste Zine.


So u S e Por sobre o azul do mar a escuridão daqueles que se mostraram e viveram íntegros, ao longe, trombetas tocam anunciando que a vida está tão nua, na rua.

Nunca, jamais (se é de luta) o silêncio se espalha. Vozes proliferam, se multiplicam.

Vidas, a todo instante são dilaceradas como párias, sem pátria, acometidas de truculências mil. Viver é saber como sobreviver aos ritos de tiros, choques, fomes e medos.

Viver enquadrado, no cubículo onde não se tem o fruto do que nos faz íntegro, humano, solidário. Quadriláteros se multiplicam ao redor de olhos e corações perseguidos.

O tempo, camarada, nem mais aparece, parece que sumiu por sobre a nuvem cinzenta da perda do humano ser. Aquela escuridão que sempre foi combatida, hoje virou realidade algoz. Vozes são ensandecidamente violadas. Corpos cirurgicamente chicoteados por choques. Choques. A insandecida e maltrapilha demência se manifesta (lembranças de saudades da infância tremulam). Vidas como se fossem restos.

Rostos desfigurados. Assassinas boinas, exércitos de lavagem cerebral rasteja molambo em direção aos porões, subsolos infectados de baratas, carcomidos, podridão do poder. Lá fora, a lua pulsa. Como anunciando que é preciso resistir. Uma hora a eternidade floresce.

Carlos Gurgel é poeta, da geração 70, autor de vários livros lançados, articulista do “ Jornal de Hoje “


u T達o m Sol

Por Carlos Gurgel


ENTREVISTA MAREN MANTOVANI STOP THE WALL

A Campanha palestina popular contra o Muro de Apartheid (ou Stop the Wall) foi criada em 2002 a partir da necessidade de construir uma coordenação entre as iniciativas locais, espontâneas, nas aldeias palestinas onde Israel começou a destruição das terras para a construção do Muro. O Muro que tem até 8 metros de altura e já passa de 810 km de extensão está sendo construído em torno de cidades e comunidades palestinas encarcerando-as em verdadeiros guetos, roubando terra e recursos naturais das comunidades palestinas, além de impor um completo controle a qualquer movimento das pessoas entre as cidades palestinas. O Muro é um projeto horrendo de limpeza étnica. Maren Mantovani é responsável pelas relações internacionais do Stop the Wall, após muitos anos morando na região a jovem agora viaja o mundo com o objetivo de construir laços de solidariedade e apoio, reunindo-se com políticos, artistas, acadêmicos e movimentos sociais. O Zine conversou com a Maren para entender um pouco do que acontece naquela região e o que nós brasileiros temos a ver com tudo isso.


Maren, quanto tempo você morou na Palestina, quais são os problemas cotidianos mais comuns? Morei por oito anos na Palestina. Foram anos muito ricos de experiências, seja por ter vivido uma realidade de continua opressão, invasões militares, controle completo da vida através de soldados israelenses, seja por ter vivido numa sociedade em luta, solidária e determinada a defender seus direitos. Talvez o problema mais grave da vida cotidiana na Palestina é que nunca se sabe qual vai ser o próximo problema para enfrentar. O ser humano tem uma capacidade de se acostumar a quase tudo e encontrar mecanismos de lidar com a situação. Tem gente que há anos não pode deixar sua pequena aldeia por causa do muro. Quase metade da população masculina já passou pelo menos uma vez por um cárcere israelense. Mas o pior é que nunca se sabe se hoje poderá passar pelo posto de controle entre uma aldeia e outra ou não, se talvez chega uma invasão militar, se talvez chegam para te prender, se chega uma ordem de confisco de tuas terras ou uma ordem de demolição de tua casa. As razões por tudo isso são tão arbitrarias que se vive simplesmente feliz por hoje não ter acontecido nada ou prestando solidariedade a quem ficou no alvo da ocupação israelense.

Em meio a esse cenário qual a cena que mais te deixou chocada nesse período? Tem muitas coisas chocantes que vivi nesses anos, de dor e crueldade que não imaginei antes de chegar a Palestina. Mas gostaria de falar de duas mensagens que recebi em agosto enquanto Israel atacou a Faixa de Gaza matando mais de 2200 pessoas. No mesmo dia recebi um link com um vídeo de uma manifestação israelense com gente torcendo e gritando ‘hoje não teve escola em Gaza, amanhã não vai ter porque não

vão ter crianças vivas’ e recebi uma mensagem de um professor palestino em Gaza agradecendo pela solidariedade e nos desejando energia e entusiasmo na luta. Nunca foi assim claro para mim como a posição do opressor empurra pessoas normais à expressões desumanas e como também a resistência cria generosidade.

Nesse ano (2014) Gaza viveu um conflito onde foram mortos 2200 palestinos e 70 israelenses, o que configura um verdadeiro massacre. A imprensa internacional noticiava que o mesmo fora provocado pelos Palestinos, usando como álibi um assassinato a três israelenses, o que é inadmissível como explicação. O que pensas que realmente iniciou tal conflito? Penso que temos de começar do começo. O massacre em Gaza esse ano (2014) não foi o primeiro mas o quarto ataque militar de Israel a Faixa de Gaza desde 2006. Desde 2000, Israel gradualmente isola Gaza até o resto do território palestino que mantem ocupado e em 2006 fechou completamente as saídas e entradas de Gaza, seja para pessoas, seja para produtos. Há oito anos Gaza está sob um cerco completo, medieval, criminal. Sequer os pescadores palestinos arriscam, se vão mais longe de uma zona arbitrariamente delimitada por Israel no mar para pescar são mortos. Há uma década a política de Israel contra a população palestina em Gaza se transformou de uma politica de ocupação, limpeza étnica e colonização em uma política de claro genocídio. Tendo em conta isso, a justificativa do assassinato de três israelenses em circunstancias misteriosas longe de Gaza a três semanas do ultimo ataque parece absurda. Ao longo dos anos, o território Palestino vem sendo reduzido exponencialmente, você poderia nos explicar como Israel vem


conseguindo isso e qual o papel dos Estados Unidos e do grande capital nessa ação? Para manter políticas de contínua agressão militar e colonização é necessário três elementos fundamentais: poder militar, recursos econômicos e respaldo internacional a nível diplomático. Israel é o quarto exército mais poderoso do mundo. Europa e EUA tem contribuído muito para armar Israel e transferir tecnologia militar a este, incluindo bombas atômicas. O veto garantido no Conselho de Segurança da ONU para qualquer resolução que não agrade a Israel é um dos exemplos de como os EUA garantem respaldo diplomático. Em termos puramente econômicos, as politicas de colonização e guerra criam gastos muito altos: Israel gastou até hoje 2,1 bilhões de dólares para construção do muro e 17 bilhões de dólares para a construção dos assentamentos, mencionando somente dois exemplos. O ataque à Gaza criou gastos para Israel de mais do 2,5 bilhões de dólares. Mas Israel mantem uma série de mitos para promover sua imagem e suas empresas internacionalmente, e assim consegue mercado suficiente, financiamentos e espaços para inversões ao exterior para poder financiar estes gastos. Suas exportações são majoritariamente nos setores da ‘segurança’, das armas de guerra, agronegócio e gestão da água. Todas as ‘vantagens comparativas’ que Israel promove para conseguir contratos e espaços para essas exportações e tecnologia são baseadas na ideia da superioridade militar israelense contra o povo palestino, a colonização da terra palestina e o racismo onde está a raiz da presumida ‘superioridade cultural e civilizadora’ sobre o mundo árabe.

Lamentavelmente, o mundo continua a comprar a tecnologia experimentada contra o povo palestino e isso cria um lucro importante para sustentabilidade econômica das politicas israelenses. As vezes acontece também que Israel compra empresas sem publicizar tal compra e assim ninguém o nota. No Brasil, por exemplo, entre o 30 e 40% do café consumido é israelense. A empresa multinacional Strauss Elite comprou as marcas de café Três Corações, Fino Grão, Santa Clara e recentemente a Itamaraty. Dessa maneira a empresa israelense explora a terra, os trabalhadores e consumidores brasileiros e pode transferir esses lucros a Israel. Entre outros utiliza esse dinheiro para apoiar as tropas especiais do exercito de Israel. Outro espaço fundamental de apoio internacional a Israel é no âmbito da cultura. Israel utiliza a cultura para transmitir esses mitos e desviar a visão de seus crimes contra o povo palestino. Mantêm uma operação de comercialização muito custosa chamada “Brad Israel” (“Logomarca Israel”). Como parte disso, Israel tenta trazer artistas de todo o mundo ao seu estado e promove a participação israelense em eventos culturais em tudo o mundo. Para acabar com esse tipo de apoio a Israel, desde a Palestina se convoca as nações ao boicote cultural, além do boicote econômico e um embargo militar. O Brasil assistiu estarrecido ao longo de todo o massacre a violência praticada por Israel, mas já informastes em conversas anteriores que o Brasil tem fortes relações com o estado de Israel, que relações são estas e até que ponto elas colaboram para a segregação naquele território e para o genocídio praticado contra o povo palestino? O Brasil como Estado tem importantes relações


econômicas e militares com Israel. Desde o 2010 o Brasil mantem um tratado de Livre Comercio com Israel que abre o vasto mercado brasileiro a Israel sem dar quase nada em troca, posto que a população de Israel é de seis milhões de pessoas o que equivale a um bairro de São Paulo. Em nível militar, o Brasil é o quinto maior importador de armas israelenses do mundo. As maiores empresas militares israelenses - Elbit Systems e Israeli Airspace Industries - tem subsidiárias no Brasil e constroem suas armas diretamente aqui. Essas empresas vendem armas testadas nos massacres como esse julho/ agosto em Gaza e tecnologia desenvolvida pelo Muro e os assentamentos ilegais ao Brasil, entre outros, e mantem assim sua capacidade de desenvolver sempre a mais sofisticada tecnologia de repressão do povo palestino. Uma série de contratos públicos com empresas israelenses existe também no âmbito civil. Por exemplo, a empresa israelense de água, a Mekorot, tem uma série de contratos no Brasil. A Mekorot é responsável por roubar a agua do povo palestino e isolar comunidades inteiras do acesso à agua como medida de limpeza étnica - comunidades que ficam sem água tem que deixar suas terras. A empresa depois distribui essa agua roubada às colônias ilegais israelenses. Ao final, vende a tecnologia desenvolvida para fazer funcionar essa dinâmica no resto do mundo. (Para saber mais: www.stopmekorot.org) O Brasil tem defendido assento da Palestina na ONU, reconhecendo teoricamente como Estado, mas como você já bem declarou, financia Israel e consequentemente a supressão do povo palestino, como vocês veem essa contradição e de que maneira o Brasil está sendo cobrado a ser coerente? Essa contradição não somente mina a luta

palestina pela justiça, mas deslegitima também posicionamentos do Brasil em favor dos direitos humanos e da paz a nível internacional. Além disso, põe a risco os mesmos direitos da população brasileira e dos povos em América Latina. Os treinamentos de forças policiais brasileiras por instituições e empresas israelenses, que chegam de um país onde tortura e violações dos direitos humanos são rotina, somente pode ampliar a repressão interna no Brasil. Outro exemplo é o contrato que o comitê olímpico fez para as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro: A israelense ISDS foi contratada para coordenar toda a segurança das Olimpíadas. A empresa nasce das experiências desenvolvidas por Israel na repressão e no massacre do povo palestino, exportando essas técnicas, metodologias e tecnologias em particular para a América Latina. De acordo com documentação existente, a empresa esteve envolvida com as ditaduras e golpes em Honduras, Guatemala, El Salvador e com o treinamento dos “Contras” na Nicarágua. Na Guatemala, ofereceu abertamente aulas de “terror seletivo” na época do genocídio. Em Honduras, treinou os quadros da ditadura nos anos 80 e forneceu as armas que foram usadas no ataque à embaixada brasileira onde o presidente Zelaya estava refugiado. Contratar esta empresa fortalece a política e a estratégia central dos EUA e de Israel de limitar a soberania dos povos a fim de manter a dominação política, econômica e militar, de instaurar e apoiar ditaduras cruéis e de criar instabilidade. O único lugar que a ISDS pode ocupar na América Latina é no banco dos réus. Verse mais: http://somostodospalestinos.blogspot.com. br/2014/12/campanha-pelo-fim-do-contratodo-comite.html Cobramos instituições e governos em todos os níveis. Por sorte podemos contar com o


apoio generalizado dos movimentos brasileiros. Com isso podemos contar com manifestações e protestos. Escrevemos cartas e relatórios e tentamos criar pressões onde podemos. De fato, no Brasil os movimentos ajudaram ao povo palestino já a conseguir uma serie de vitórias nesse sentido. Justo antes do massacre a Gaza a SABESP, empresa de saneamento e água em São Paulo cortou um Memorando de Entendimento com a empresa israelense da agua Mekorot que durante todo o tempo que existiu tinha somente uma função: legitimar a empresa e suas atividades internacionalmente. Logo após o massacre de Gaza a Bienal de São Paulo teve que rechaçar o financiamento da embaixada israelense ao evento depois de protestos dos artistas que foram convidados a participar. No início de Dezembro o governo do Rio Grande do Sul foi pressionado a acabar com um Memorando de Entendimento com a subsidiária da empresa militar israelense Elbit que visou a construção de um parque militar-tecnológico aeroespacial israelense em território gaúcho. Esse é somente os inicio da campanha no Brasil pelo boicote, desinvestimentos e sanções contra Israel, que começou em 2005 depois de um chamado que está crescendo em todo o mundo a nível exponencial. Como nós, diante desta situação, poderemos colaborar de forma mais efetiva com os nossos irmãos Palestinos? A forma mais efetiva de solidariedade é se juntar ao movimento de boicote, desinvestimentos e sanções (BDS). Esse movimento de BDS foi lançado em 2005 pela sociedade civil Palestina e cada dia mais pessoas e organizações estão se juntando a esse movimento global que visa

cortar o financiamento e apoio internacional a Israel. No Brasil há várias campanhas: contra os contratos públicos com a empresa israelense da agua Mekorot; pelo embargo militar; e contra contratos municipais e estaduais com Israel. Em particular em 2015 vamos lutar juntos para acabar com o contrato das Olimpíadas com a empresa israelense ISDS que expliquei antes. Importante também é o boicote cultural. Como mencionei Israel gasta muito dinheiro para trazer artistas de todo o mundo para seu público para fingir ‘normalidade’. Como durante o período na África do Sul quando o boicote se estendeu também ao âmbito cultural e artistas se recusaram de se exibir até que o regime do Apartheid cessasse, hoje o mesmo acontece com Israel. Muitos artistas no mundo se negam a fazer shows em Israel. Muitos lugares não aceitam shows de grupos israelenses. Na Espanha agora foi lançada a iniciativa “Espaços livres de apartheid israelense” onde lugares de diversos tipos se declaram livres de apartheid e se comprometem de não cooperar economicamente ou culturalmente com Israel até que acabe com as suas políticas de ocupação, colonização e apartheid. A campanha Stop the Wall tem sido desde sua fundação a principal articulação nacional de base para mobilizar e organizar os esforços coletivos contra o Muro do Apartheid. Estejamos então na luta! Estejamos na luta!


Matheus Cedraz (Fura) é guitarrista da banda Todos Contra Um, nordestino, socialista, proletariado e um dos fundadores do extinto coletivo Chuva Negra

Cristiano Onofre é quadrinista, escritor, vocalista da banda carioca Parte Cinza e criador dos “Quadrinhos mais sujos da face da terra”


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Desde sem pre me ensi na ram a ter medo da rua, mas por que mesmo? Victoria Zacconi


A primeira coisa que te aterrorizam desde que você se reconhece por gente é: não pode saia curta, não pode decote, tem que usar sutiã (tem que usar cada vez mais coisas que sufoquem seu corpo). Não volte tarde e sozinha. Nunca pegue um transporte público vazio, nem ande por lugares escuros. Esteja sempre acompanhada! Será mesmo que até hoje as minas têm que viver sob a tutela de um cara para sair de casa? Em uma entrevista* feita recentemente, 48% dos jovens entrevistados, homens e mulheres, dizem achar errado a mulher sair sozinha com os amigos, sem a companhia do marido, namorado ou “ficante.” Esse número, ainda alto, revela como a população (culturalmente machista) não concebe a mulher como uma pessoa autônoma. Bom, mesmo assim você resolve sair de casa sozinha, como se estivesse pronta para uma batalha e depois acaba descobrindo que realmente querer viver é um combate diário. Uma das maiores causas é o medo do estupro. Esse temor inibe a vivência de minas nas ruas. Quando falo sobre o medo do estupro, estou falando de como isso é anunciado cotidianamente através do assédio sexual, violando a liberdade e construindo uma sensação de pânico, algo subjetivo que só é percebido através da reflexão. Na mesma entrevista “78% das jovens entrevistadas relatam já ter sofrido algum tipo de assédio como cantada ofensiva, abordagem violenta na balada e ser beijada à força. Três em cada dez garotas dizem ter sido assediadas fisicamente no transporte público.” Isso só comprova o motivo pelo qual durante o dia-a-dia deixamos de usar algum tipo de roupa, mudamos o caminho e tomamos outras medidas por supor a violência. Trampos como o “Chega de fiu-fiu” e alguns vídeos que tem circulado na internet têm denunciado como a violência em espaços públicos infelizmente é algo recorrente. A rua é minha também e continuaremos invadindo! Ultimamente, a forma mais utilizada por mim e algumas amigas que compartilham das mesmas histórias que envolvem cantadas ofensivas é o ESCRACHO. Largar o dedo médio e um “você tá me assediando e isso é violência!” tem sido uma das formas de expor a indignação contra esses atos. Em muitas situações, ficamos com receio de um revide em forma de murro, mas ficar em silêncio diante da repetição da violência é pior ainda. Por isso, fale! (Se ligue, se estiver em um local sem ninguém por perto prefira sair o mais rápido do espaço). UM RECADO: caras, usar um vestido curto, saia, uma roupa decotada, transparente, voltar para casa de madrugada andando sozinha, passar por uma rua vazia, ir a lugares sem a companhia de alguém, não te dão o direito de considerar que mulheres estão sempre disponíveis para vocês. | Espero compartilhar cada vez mais da companhia e vivência de caras que entendam que ser machista não é um privilégio como foram ensinados durante toda a sua vida. É necessário abdicar diariamente. *Pesquisa realizada pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular em 3 de Dezembro de 2014. Victoria é graduada em gênero e diversidade colabora com projetos para mulheres rurais no sertão da Bahia, integrou coletivos como Mulheres na rua, Vulva la vida e Frente feminista pela ação direta, amante dos rabiscos, beats, hardcore e rap.


A poesia e o poema do Rio Grande do Norte: momentos decisivos MARCEL MATIAS A obra “A poesia e o poema do Rio Grande do Norte”, publicada originalmente em 1979 e relançada em 2014 pela editora do Sebo Vermelho, apresenta uma contribuição valiosa para o estudo da literatura potiguar. Seu autor é Moacy Cirne, poeta-processo, crítico literário, estudioso de história em quadrinhos, professor universitário, um homem com um talento poliédrico que infelizmente deixou o plano terreno neste ano que se encerrou recentemente. Utilizo bastante os escritos de Moacy Cirne na minha atividade docente, principalmente, para responder a uma questão que surge frequentemente nas aulas sobre literatura (e também em conversas com companheiros da academia): “Existe uma literatura do RN?”. Vou tentar responder a essa indagação provocativa aqui a partir das observações de Cirne no mencionado livro. Sempre temos uma dificuldade enorme na universidade em perceber a produção do RN como um sistema literário, estrutura que possui autor, obra e público dialogando entre si ao longo da história. São defendidas as teses da descontinuidade e das manifestações isoladas como contrapontos à ideia de uma literatura do RN. Em A poesia e o poema do Rio Grande do Norte, o múltiplo Moacy Cirne constrói um cânone/contracânone para a produção poética do RN, interligando poetas e assinalando os momentos decisivos do poemário norte-rio-grandense. A poesia e o poema do Rio Grande do Norte é uma obra composta por cinco ensaios (na primeira parte) e por um projeto para uma antologia radical para a poesia do RN (na segunda parte). Dentre os ensaios, há um que se chama “De Jorge Fernandes ao poema-processo”. Neste, Cirne aponta que existem dois momentos de maior plenitude para a poesia do RN: a publicação do Livro de poemas de Jorge Fernandes em 1927; e o lançamento local da poesia concreta em 1966, com seu posterior desdobramento no poema-processo. Antes de pontuar mais detalhadamente os elementos relativos ao poemário potiguar, Cirne apresenta o aporte teórico para o ensaio. Assim, observa aspectos sobre o conceito de vanguarda (a diferença que há da aplicação do termo na Europa e no Brasil, pois, no Brasil, o termo engloba


a prática artística e social, enquanto que, na Europa, é observado apenas o aspecto estético) e a distinção entre poesia (sensação abstrata despertada pelo texto) e poema (o texto em sua forma concreta, ou seja, conforme se apresenta em seu aspecto gráfico e visual). Voltando a tratar dos períodos decisivos para a produção poética do RN, Cirne assinala que, com a obra de Jorge Fernandes, o Rio Grande do Norte inseriu-se na prática literária modernista em evidência naquele contexto histórico (anos vinte do século XX). Por isso, afirma que: “A poesia do Rio Grande do Norte, a rigor, começa com Jorge Fernandes. Isto é a poesia entendida como produção de signos concretos (no caso, verbais), em busca de uma dada linguagem fundada no ato poético da invenção literária”. Podemos notar na escrita de Jorge Fernandes a utilização de onomatopeias, a exploração do aspecto gráfico do poema, como ocorre no famoso poema “Rede”, e a crítica à estética parnasiana. Jorge Fernandes rompeu com a “tradição mofenta” dos poetas que utilizavam os versos lineares/ discursivos na província e sequer perceberam a revolução da Semana de Arte Moderna de 1922. Depois do caminho aberto por Jorge Fernandes, destacaram-se: nos anos 30 e 40, José Bezerra Gomes, que cultivou a linha oswaldiana, atingindo uma dimensão nacional com sua poesia sintética; e Zila Mamede, que provocou um impacto produtivo na poética do RN com a publicação de O arado (1959), obra que apresentou uma poeta capaz de realizar invenções linguísticas inovadoras ao nível de um Guimarães Rosa. Em 1966, ocorreu a exposição-homenagem em Natal dedicada aos dez anos da poesia concreta. Até então, apesar das inovações dos anos vinte, a poesia era tida como expressão de sentimentalismo, Cascudo era a grande expressão cultural da cidade do Natal, o “impressionismo literário” predominava nas críticas publicadas nos jornais da época, desconhecia-se na província a poesia concreta. A insatisfação de jovens poetas com o cenário descrito motivou a organização da exposição. Assim, a poesia concreta chegava a Natal com dez anos de atraso por meio do manifesto “Por uma poesia revolucionária, formal e tematicamente”, assinado por Anchieta Fernandes, Jarbas Martins, Moacy Cirne, dentre outros. “Na ocasião, Nei Leandro de Castro lançou um poema decisivo para a vanguarda norte-rio-grandense: o 1822, colagem de marcas de produtos estrangeiros constituindo a data de nossa independência”; Anchieta Fernandes publicou o poema Olho. E, assim, como fez Jorge Fernandes no contexto dos anos vinte, os poetas dos anos sessenta rompiam com o provincianismo e abriam as portas para o lançamento do poema-processo que aconteceria simultaneamente em Natal e no Rio de Janeiro no ano seguinte... Ao traçar o percurso do poema nas letras potiguares ao longo do século XX, Moacy Cirne consegue provar que há uma continuidade entre os momentos da literatura do RN e, consequentemente, responder positivamente à pergunta formulada anteriormente: “Sim, existe uma literatura do RN!”. E, desse modo, a obra A poesia e o poema do Rio Grande do Norte se constitui como referência fundamental para os estudiosos e curiosos sobre a produção literária em solo norte-rio-grandense. Marcel é professor de literatura brasileira e língua portuguesa do IFRN e colaborador do projeto Ação Social e Literatura


TANTO FAZ COM O TAN_ TO FE Z PEDRO BOMBA

A todos os Povos Indígenas Tanto faz , como tanto fez, Se na primeira vez, A corja suja e o português, Puxaram do chão um pano que cobria , E descobriram que ali havia, Terra que homem branco não sabia E ai o português inteligente como é disse logo que não queria saber da qual é “nem em parcelas, nem no cartão, trago tudo aqui na minha mão , o extermínio vamos dividir em sete vezes no pré- datado, mas terra... escute bem: terra, a vista!” Tanto faz, como tanto fez, Se no livro de história, A história é contada em português, E as palavras são bem branquinhas que nem aquele português, Seja na escola branca ou preta, Tanto faz, como tanto fez, Quinhentos e tantos anos depois, O português é fazendeiro E a embarcação é o Estado Brasileiro, e com trator do progresso, mata índio, aqui, ali, em todo lugar ninguém vê mais índio no Brasil, a não ser os filhos branquinhos pintados na escola no dia 19 de abril, Lembra? Você com rostinho melado de tinta guache,


Peninhas na cabeça, preparando o disfarce Mas essa carinha branquinha, sem marcas na face, Não engana ninguém, Viu? Seu burguês! Tanto faz, como tanto fez... Desce na bica, Na pica, Se liga, Quadradinho de oito, De doze, De quatro, Com a bunda pra fora, Rebolando ninguém se importa Mas quando viu o índio pelado na porta Pulou da cama como se sonha E disse: -Tape logo suas vergonhas! Tanto faz Tupã, como tanto fez Nhanderu, Kaiowá, Tupinambá Xucuru, Xocó, Truká, Tucako, Olha só que engano esse livro de história Ta vendo lá? Olha lá! Brasília virando aldeia, Takape Burduna Semeia Uma flechinha certeira da mão do guerreiro E no instante de repente A flechinha faz um buraco no peito da presidente E ai tanto faz como tanto fez, Se a primeira vez, Foi o português Porque agora não adianta mais de nada, Você viu lá a Esplanada? Foi toda retomada, Os ministros nem quiseram crer, Mas acredite Era o caboco no poder (Pedro Bomba é poeta da cidade de Aracaju, vocalista da banda Rótulo e membro do Coletivo Sarau Debaixo)


QU AN TAS

Quantas horas TIC De trabalho TAC Quantas horas

H o R AS PEDRO BOMBA

TRIP De trabalho CRACK Quantas horas TIVE De trabalho FRACO Quanto horas ESQUINA De trabalho QUINA De trabalho SINA Quanta buzina de hora Quanta demora Quem sabe o preço Sabe que sobe Salame, salada, salsinha Até a calcinha de menino De preço subiu, você viu? Subiu...


Cueca de menina também, Quer bermuda de marca mas num tem, 900 reais sem os descontos, quando junta tudo, pronto! Não sobra nada! A camisa fica toda amarrotada... Olhe, Esse negócio de cartão Não dá certo não, A gente compra, divide Divide vide Divide Vide, vide E só dívida Ninguém divide com a gente, Patrão divide com a gente? Patrão num divide não, Patrão fica com tudo E a gente, é que se vire por aí, Pelo o mundo...


A GUERRA DAS HASHTAGS PABLO CAPISTRANO

É corrente a ideia entre os estudiosos da linguagem que um dos grandes atributos da arte retórica é o de fazer com que as coisas que na verdade são pequenas, pareçam maiores e, sendo maiores do que são de fato, possam ser melhor aceitas pelo público. Parece que, no caso da arte de se criar Hastags, o atributo seja justamente o inverso: comprimir o que é grande, para caber muita coisa em pouco espaço. Talvez por isso, a guerra das Hastags que tomou conta das redes sociais após os atentados no Charlie Hebdo em Paris tenha sido tão instigante. Depois de um 2014 sangrento nas redes sociais, a batalha virtual das tags #JeSuisCharlie contra #JeNeSuisPasCharlie deve ter preocupado quem sonhava com um verão de sombra e água fresca nas time lines da vida. Na verdade é um equivoco acreditar que existe liberdade radical de pensamento em uma sociedade liberal. Se nos totalitarismos e autoritarismos de toda sorte a liberdade de expressão é tolhida por forças repressivas externas, no mundo das democracias liberais essa mesma liberdade é tolhida pela força de uma proibição subliminar, interna, que patrulha o discurso dos liberais e os impedem de pensar para além das coordenadas do “politicamente aceitável”. Essa proibição de pensamento (Denkverbot) aparece claramente na medida em que alguém enuncia em redes sociais conteúdos que são considerados inaceitáveis em um universo liberal. Nesse sentido, o ataque ao Charlie Hebdo jogou o pensamento liberal diante de um impasse. Dois


valores fundamentais do liberalismo se chocaram em um conflito que gerou uma espécie de tilt no espaço ideológico liberal. De um lado havia o valor da liberdade de expressão artística e de outro o da tolerância religiosa e do respeito multicultural à diversidade. O choque que gerou o assassinato brutal no Charlie Hebdo foi resultado do confronto entre dois extremismos. O da arte, que se expande em direção a um desejo de iconoclastia absoluta e o das mitologias culturais e religiosas que exigem um respeito absoluto para seus rituais e valores. Diante desse conflito, a mente liberal média não consegue escolher seu lado. Como condenar os atentados sem coadunar com as charges desrespeitosas e “islamofóbicas” de Charb? Como criticar a islamofobia e o tratamento preconceituoso contra uma religião sem coadunar com o assassinato de artistas que se reuniam para expressar suas posições políticas em um semanário de humor? O liberal médio, limitado pela proibição de pensamento que a ideologia hegemônica impõe às sociedades ocidentais, encontrou nas hastags uma maneira de escapar à esse impasse. Como as duas hastags eram semanticamente abertas, a rigor, não significam porra nenhuma, a não ser um atributo autorreferente de identidade tipo “sou fulano” ou “não sou fulano”. Exatamente por não dizer nada de especifico (nem mesmo diante do contexto em que foram criadas) elas abriram espaço para que conteúdos reprimidos, guardados pelos limites da ideologia liberal, emergissem no discurso dos internautas. Multiplicaram-se enunciados do tipo “Nada justifica a violência e o terror MAS ¬trata-se de um jornal racista e islamofóbico que desrespeita a cultura de povo oprimido etc, etc” ou “Realmente as charges são de mal gosto e muitas não tem graça MAS esses fundamentalistas religiosos são bárbaros selvagens fascistas assassinos que pregam uma religião de ódio etc, etc, etc”; e como se sabe, tudo que vem antes de um “MAS” em uma discussão deve ser descartado como uma simples senha de permissão do tipo “isso é o que eu não concordo e tenho que dizer para poder falar nesta assembleia sem ser expulso”. Diante de um impasse desse tipo, a única saída para um liberal genuíno, seria a de poetizar como Walt Whitman (o maior dos poetas liberais) poetizou um dia: “Se eu me contradigo?/Muito bem, eu me contradigo/Sou vasto/Contenho multidões”; ou pelo menos seguir o bom conselho do poeta beat Gregory Corso que costumava a dizer: “se você tiver que escolher entre duas coisas, escolha ambas”. O grande problema, amigo velho, é que de bons conselhos e pseudo-liberais o mundo virtual, assim como o inferno, anda muito cheio esses dias. Pablo Capistrano é escritor, professor de filosofia do IFRN, mestre em ciências mortas, doutor em linguas ocultas.


TEMPOS DIFÍCEIS PARA OS QUE LU TAM SHILTON ROQUE

Os dois últimos eventos de ampla participação da categoria que milito, servidores da educação federal (Institutos Federais e Colégios Militares) que vivenciei, quais sejam Assembléia da Seção Sindical a qual sou filiado em Natal, bem como a Plenária Nacional desse Sindicato, foram marcados por cenas escandalosas e agressões de todos os gêneros, o que me levou não apenas a uma tamanha tristeza, como uma reflexão de que rumos trilham as lutas dos trabalhadores. Em que mundo estamos que colegas de trabalho, que deveriam ser também companheiros de luta disputam no tapa a adesão ou não a uma greve? Ou onde camaradas do mesmo sindicato esquecem as pautas políticas e transformam os espaços de luta em arenas de agressão pessoal? Em que as diferenças são agravadas e as semelhanças, o que une e congrega é deixado de lado.


São tempos difíceis camaradas, um ano em que o governo constituído por um partido que já foi um dia a alternativa de construção da esquerda, um espaço de defesa dos interesses da classe trabalhadora, hoje aciona a justiça para propor a ilegalidade de um instrumento que os mesmos outrora tanto defenderam, o direito de greve. Um ano eleitoral que a todo momento tentam nos vender uma falsa polarização entre direita x esquerda. Mas que esquerda? Aquela que fez pacto com o setor financeiro, agronegócio e não governa para a maioria? Isso não é esquerda, basta analisar a divisão orçamentária do governo e veja quanto vai para educação pública, e quanto vai para juros de dívidas (em sua maioria ilegais e não auditadas). Mas que direita? Direita que defende a privatização, a desoneração de impostos, mas nas cíclicas crises financeiras, adora recorrer ao Estado para se salvar. Uma direita que adora frequentar as Universidades Federais Públicas e adora a verba que o governo de pseudo esquerda repassa para as suas Universidade privadas venderem uma péssima educação para os pobres. Que tempos são esses em que os mais pobres se sentem inclusos por acesso a bens de consumo e não direitos, e que os mais ricos estão incomodados com tal acesso, esquecendo-se que, apesar de um pobre hoje poder comprar um iphone que os mais ricos fazem questão de comprar? Que tempos são esses em que a juventude, berço das ideias revolucionárias, começam a reviver discursos de ultra-direita, nazifacistas

que jamais imaginaria ouvir no Brasil, um país cheio de oprimidos. Onde a Comissão de Direitos Humanos é presidida por um representante da opressão as mulheres e gays. Onde em manifestações com milhares de pessoas, onde o povo que está sendo agredido covardemente e sendo torturado nos quartéis grita “sem violência”. Onde militantes são obrigados a baixar as bandeiras de seus partidos para não serem espancados. E já que falamos de absurdo, que país é esse onde pessoas são presas por portar livros, casas são invadidas sem mandado, militantes são presos por simplesmente protestar, onde as manifestações são proibidas? Não prosseguirei listando aqui tanta desgraça, pois esse não é o objetivo. Em meio a barbárie, gostaria de lembrar aos camaradas que a síntese no materialismo dialético não se constitui de obviedades, não é uma matemática, a lógica da transformação não é linear, não é por conhecermos as teses e antíteses que conhecemos a síntese por fatalidade. Dessa forma, o próximo passo desse processo histórico não será necessariamente o agravamento desse quadro, pode muito bem ser um estopim dos oprimidos diante do desconforto total e do desrespeito a vida das pessoas, a subtração da vida dos oprimidos. Portanto camaradas, apesar de nós lutadores vivermos tempos difíceis para luta não devemos esmorecer enganados por uma falsa leitura do processo, mas sim, engrossar mais ainda as fileiras da resistência e avançarmos em busca da devolução de todos os momentos da nossa vida a seus reais donos.


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