Pobreza e Meio Ambiente

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Entrevista: Ghillean Tolmie Prance

Pobreza e meio ambiente Cientista inglês diz que a degradação do meio ambiente é resultado da “poluição da pobreza” e da “poluição da riqueza”, e mais desta do que daquela

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hillean T. Prance, um dos mais notáveis botânicos da atualidade, é conhecido internacionalmente pelos seus estudos em etnobotânica, ecologia e plantas tropicais. Foi diretor do Jardim Botânico de Nova York e do Jardim Botânico Real, em Kew, na Inglaterra, e é o diretor científico do Projeto Éden (The Eden Project), em Cornwall, também na Inglaterra. No início de sua carreira, passou oito anos no Brasil e fez diversas pesquisas na floresta amazônica na área de botânica. Organizou projetos em botânica, ecologia, entomologia e ictiologia para o Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus. Entre as honrarias recebidas por ele, algumas têm relação com o Brasil – Prance é membro da Academia Brasileira de Ciência e recebeu as condecorações Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico e Comendador da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Em 1995, recebeu o título de Sir da Rainha Elizabeth. Autor de 19 livros e mais de 300 trabalhos científicos, Ghillean Prance é um homem simples. Casou-se no dia do seu 24º aniversário com Anne Elizabeth, filha de um pastor anglicano, e tem duas

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filhas e um neto. É anglicano desde que se converteu a Jesus, graças ao trabalho da International Fellowship of Evangelical Students (IFES) na Universidade de Oxford. É membro do comitê de referência de A Rocha Internacional e de A Rocha Brasil. Ultimato aproveitou a presença de Prance na Universidade Federal de Viçosa para entrevistá-lo. Ultimato – O pesquisador brasileiro Alfredo Homma, da Embrapa, diz que temos hoje 71 milhões de hectares de áreas desmatadas na Amazônia, o que equivale a um território superior ao dos três Estados mais meridionais do Brasil juntos (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Na prática, o que significa isso para o país e para o mundo? Prance – Significa que a floresta está sendo destruída para uso nãosustentável. E, infelizmente, quanto mais se desmata, mais se quer desmatar. Como conseqüência direta do desmatamento, temos as alterações climáticas. Logo, se o desmatamento continuar intenso, o clima do Brasil vai mudar. A chuva que cai em São Paulo e no norte da Argentina

depende da floresta Amazônica. É preciso conter o desmatamento e trabalhar pelo uso sustentável das áreas já desmatadas. O problema é de âmbito mundial. O Brasil tem responsabilidade pela Amazônia, mas grande parte das alterações climáticas é provocada pelos países desenvolvidos.

O controle da população é importante para o mundo inteiro. A falta de comida é uma questão também de distribuição, e não apenas de produção de alimentos

Assim, eles devem ajudar na solução do problema, pagando pela conservação da floresta. Ultimato – Os indígenas da Amazônia têm algo a nos ensinar quanto à preservação e ao aproveitamento da biodiversidade? Prance – Sim, muito. Os indígenas

da Amazônia têm 10 mil anos de convivência com a floresta. Quando os brancos chegaram à região, havia mata por todo lado, mas havia também uma grande população – fala-se em 4 milhões de índios. Eles não depredavam a criação. O sistema de manejo que usavam modificava a natureza o mínimo necessário, além de prever a regeneração da floresta. Seria bom se o estudássemos. Ultimato – A tese do seu conterrâneo Thomas Malthus é que os meios de subsistência tendem a crescer numa progressão aritmética enquanto a população cresce numa progressão geométrica. Em sua opinião, o planeta poderá produzir comida suficiente para quantos bilhões de habitantes? Prance – O planeta deve estar próximo da sua capacidade máxima de produção de alimentos. Hoje mais da metade da população é formada de pessoas que não têm comida suficiente. Porém o problema não está relacionado apenas à produção de alimentos, mas também à distribuição dos alimentos produzidos. Além disso, é preciso controlar o crescimento da população, para não exceder a

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capacidade máxima de produção do planeta. Malthus estava certo. Ele calculou um pouco cedo, mas estamos nos aproximando da crise que ele previu. Ultimato – Os países em desenvolvimento dizem que a degradação do ambiente é resultado da “poluição da riqueza”. Já os países desenvolvidos dizem que a culpa é da “poluição da pobreza”. Qual é a sua opinião? Prance – A degradação do meio ambiente é resultado de ambas, mas muito mais da “poluição da riqueza”. Ultimato – O cientista britânico Martin Parry, co-presidente do grupo que apresentou o relatório final do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que reuniu mais de seiscentos cientistas de 42 países, disse que “o aquecimento está tornando um mundo desigual ainda mais desigual”. Por quê? Prance – Conheço Martin Parry e ele tem razão. Com a atual economia mundial, a pobreza está aumentando ao redor do globo. Desigualdade social e problemas ambientais estão intimamente relacionados. Logo, se queremos solucionar os problemas

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ambientais, temos obrigatoriamente de fazer algo em relação à pobreza no mundo. Ultimato – O senhor tem esperança de que esses problemas sejam resolvidos? Prance – Minha esperança está em Deus. Acredito que podemos fazer muita coisa. Mas eu sei que a desigualdade

Se quisermos solucionar os problemas ambientais, temos de fazer algo em relação à pobreza no mundo, pois ambos estão intimamente relacionados

social é resultado do pecado humano. Então precisamos lutar contra o pecado e suas conseqüências. Ultimato – O documentário Uma Verdade Inconveniente, do senador norte-americano Al Gore, diz que, por causa do aquecimento global, o oceano Ártico poderá perder todas

as suas geleiras e seus icebergs até o ano 2050. A notícia é sensacionalista ou tem base científica? Prance – Com certeza esta é uma questão que tem fundamentação científica. Há vários trabalhos científicos sobre o assunto. O documentário apresenta um mapa mostrando que na Groenlândia as geleiras estão desaparecendo pouco a pouco, e que as áreas glaciais no mundo estão cada vez menores. Ultimato – Jesus declarou que “os céus e a terra passarão” (Mt 24.35), e Pedro é mais detalhista quando explica que “os céus desaparecerão com um grande estrondo, os elementos serão desfeitos pelo calor, e a terra, e tudo o que nela há, será desnudado” (2 Pe 3.11). O senhor acredita no fim do mundo? Como homem de fé ou como homem da ciência? Prance – Sabemos pela ciência que o Sol não durará para sempre. Sem dúvida, em bilhões de anos o planeta Terra terá um fim. Então podemos dizer que Pedro está certo. Mas temos também muitas promessas de uma nova terra. Os dois últimos capítulos do livro de Apocalipse falam sobre isso. Eu acredito em uma nova terra, embora nem todos os crentes concordem com isso.

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Ultimato – Em suas palestras, o senhor se apresenta como cientista e crente em Jesus Cristo ao mesmo tempo. Quem surgiu primeiro, o homo religiosus ou o homo scientificus? Prance – Difícil responder... Gosto de plantas e botânica desde criança, e fui criado em um lar cristão. Mas aceitei Cristo pessoalmente quando era estudante de biologia na Universidade de Oxford. Acho que mudei muito desde aquela decisão, e minha fé foi mais importante. Refleti se deveria continuar a estudar ciências biológicas. Não tinha certeza se havia sido chamado para ser servo de Deus na igreja ou na ciência. O meu sogro era pastor anglicano e me disse: “Você já tem muito conhecimento científico. É um dom que Deus lhe deu e você deveria exercê-lo”. Agora eu sei que Deus tem me usado como cientista, e devo muito ao meu sogro pela minha escolha. No início foi difícil; foi resultado de muita oração. Ultimato – A imprensa tem feito um grande alarde do cientista Richard Dawkins, também inglês e formado em Oxford, como o senhor, mas radicalmente ateu...

Prance – É muito triste. Richard Dawkins é um pregador do ateísmo. Mas graças a Deus temos alguns cientistas muito inteligentes que estão se convertendo. Um deles é Alister McGrath, que sempre contesta

Aceitei a Cristo pessoalmente quando era estudante na Universidade de Oxford. Por um momento fiquei em dúvida se deveria servir a Deus como pastor ou como cientista. Optei pelo segundo caminho

Dawkins. [A Companhia das Letras acaba de publicar Deus, Um Delírio, de Richard Dawkins. Em outubro sairá, pela Editora Mundo Cristão, O Delírio de Dawkins, de Alister McGrath, e em novembro, pela Editora Ultimato, Deus é Maior do Que Você Pensa, do mesmo autor.]

Ultimato – O senhor já abdicou de alguma investigação científica por respeito ao Senhor da criação? Prance – Há algumas coisas que eu não fiz e não vou fazer. Por exemplo, não gosto de trabalhar com manipulação genética dos organismos criados por Deus. Felizmente, as minhas linhas de pesquisas não vão contra os princípios divinos. Quando eu era diretor do Jardim Botânico de Nova York, o presidente tentou iniciar um programa com o qual não concordei. Ele pretendia usar a fome na Etiópia como pretexto para captar dinheiro das crianças em Nova York. Eu disse que se ele fizesse isso eu iria embora. Sem mim, não teriam direito de continuar a pesquisa. E ele desistiu. Mas foi preciso ameaçar sair para que ele desistisse. Ultimato – Em suas pesquisas científicas entre diferentes tribos indígenas na floresta amazônica nas décadas de 60 e 80, como foi o seu relacionamento com os missionários que viviam nas aldeias? Prance – Por meio do meu trabalho com os indígenas na Amazônia conheci muitos missionários e fiquei amigo de alguns deles. Encontrei missionários muito bons, e outros nem tanto. Uma

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coisa que me chamou a atenção foi que, pelo menos naquela época, os missionários não demonstravam interesse pelo ambiente. Eles não ensinavam sobre a criação nem sobre o cuidado que devemos ter com ela. Estavam interessados apenas na conversão dos indígenas. Isso me levou a coordenar nos Estados Unidos um seminário sobre meio ambiente e missões. Mais tarde (1978) publiquei, pela Mercer University Press, o livro Missionary Earth Keeping, o mesmo nome do seminário. Trata-se de uma coletânea de opiniões sobre a necessidade de o missionário receber capacitação na área de teologia da criação. Ultimato – O senhor está questionando a evangelização? Prance – Não, a evangelização me agrada muito. O que eu questiono é que junto com a evangelização se introduza a cultura materialista americana. Os índios não se consideram donos das coisas que estão na maloca. Eles não são materialistas. Para eles não existe a cultura de mercado. Os missionários

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deveriam se aproximar da teologia comunitária, que é bíblica. Ultimato – O senhor é a favor da tradução da Bíblia em línguas indígenas? Prance – Por que não? Espero que eles tenham a Palavra de Deus em suas línguas e a leiam. Gostaria também que eles continuassem a cuidar da natureza. Tenho certeza de que todo indígena vai gostar de ler o Salmo 104, que fala da diversidade da natureza. Ultimato – O senhor é o diretor científico do Projeto Éden (The Eden Project), em Cornwall, na Inglaterra. De que se trata? Foi o senhor que criou esse projeto? Prance – O Projeto Éden é uma exposição pública de botânica com exemplares do mundo inteiro, situada numa mina abandonada. Nosso propósito é atrair visitantes e transmitir-lhes a importância das plantas para o ser humano. Recebemos um milhão e meio de visitas por ano. Fui um dos criadores do projeto, juntamente com outras quatro pessoas.

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