Dissertação Mestrado Arquitetura

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N I V E R S I D A D E

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U S Í A D A

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Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura

Arquitetura contemporânea em núcleos históricos

André Filipe Salsinha Cabrita

Lisboa Novembro 2012



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U S Í A D A

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I S B O A

Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura

Arquitetura contemporânea em núcleos históricos

André Filipe Salsinha Cabrita

Lisboa Novembro 2012



André Filipe Salsinha Cabrita

Arquitetura contemporânea em núcleos históricos

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura. Orientador: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Assistente de orientação: Arqt. Jorge Virgílio Rodrigues Mealha da Costa

Lisboa Novembro 2012


Ficha Técnica Autor Orientador Assistente de orientação

André Filipe Salsinha Cabrita Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Arqt. Jorge Virgílio Rodrigues Mealha da Costa

Título

Arquitetura contemporânea em núcleos históricos

Local

Lisboa

Ano

2012

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação CABRITA, André Filipe Salsinha, 1986Arquitetura contemporânea em núcleos históricos / André Filipe Salsinha Cabrita ; orientado por Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha, Jorge Virgílio Rodrigues Mealha da Costa. - Lisboa : [s.n.], 2012. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I - BRAIZINHA, Joaquim José Ferrão de Oliveira, 1944II - MEALHA, Jorge, 1960LCSH 1. Centros históricos - Portugal - Lisboa 2. Centros históricos - Portugal - Porto 3. Renovação urbana 4. Arquitectura e sociedade 5. Arquitectura moderna - Século 20 6. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 7. Teses - Portugal - Lisboa 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

Historic districts - Portugal - Lisbon Historic districts - Portugal - Oporto Urban renewal Architecture and society Architecture, Modern - 20th Century Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon

LCC 1. NA9053.H55 C33 2012


Ă€ humanidade, pelo trilho jĂĄ percorrido e pela melhoria do que falta percorrer.



AGRADECIMENTOS A presente dissertação não teria sido possível sem a inestimável ajuda de várias pessoas que me possibilitaram a oportunidade de a concretizar. A elas ao meu mais profundo agradecimento. Algumas destas pessoas tiveram um papel fundamental na produção deste documento e, para elas, vai um agradecimento meu especial. Ao professor Jorge Mealha, meu coorientador, cujas observações e sugestões, a par das conversas durante as quais o mundo e o passado passou a apresentar-se mais claro e fazer mais sentido. Ao professor Joaquim Braizinha, cujas observações concisas foram essenciais para a concretização da dissertação. À família que me suportou com infinita paciência durante todo o período que levei a terminar este processo académico. À Luísa que sempre me apoiou e ofereceu para ajudar no que fosse possível. A todos os amigos que com palavras ou atos contribuíram para o sucesso destes anos de estudo de que a dissertação é o culminar.



APRESENTAÇÃO

Arquitetura contemporânea em núcleos históricos André Filipe Salsinha Cabrita Nesta dissertação estudaremos o modo como a arquitetura contemporânea, quando inserida em núcleos históricos, altera (ou pelo contrário em nada afecta) os comportamentos da população que com estes espaços lida. Para compreender o quão intrínseca é a relação entre ambiente construído e o ser humano temos de saber primeiro como, ao longo do tempo, este alterou o mundo para melhorar a sua vivência nele; a arquitetura como resultado das necessidades sociais e de sobrevivência do Homem. Posteriormente iremos estudar o modo como o Homem utilizou conscientemente o espaço, para influenciar e controlar comportamentos para que estes se coadunassem com determinados princípios e valores. Após termos a necessária consciência de como a relação entre edificado e Homem funciona na sua generalidade, podemos finalmente começar a disseca-la entre edificado contemporâneo e o que está já legitimado pela história em mais pormenor. Estudaremos por isso reabilitação urbana, de modo a sabermos o que se tem feito em prol da manutenção da nossa história, respeitada e mantida ao intervir no nosso espólio urbano e arquitectónico com as tecnologias e saber atuais. Abordaremos por fim três estudos de casos onde a premissa inicial da dissertação se verifica: a Casa dos 24 e a Casa da Música, ambas no Porto, e o Estacionamento do Chão do Loureiro em Lisboa. Finalizado todo o estudo desenvolvido na dissertação apresenta-se o projeto de quinto ano onde se tenta demonstrar um exemplo de arquitetura contemporânea num núcleo histórico como contribuição para a problemática que a questão levanta

Palavras-chave: Arquitetura Contemporânea, Núcleos Históricos, Reabilitação urbana, Sociologia.



ABSTRACT

Contemporary architecture in historical cores AndrĂŠ Filipe Salsinha Cabrita In this dissertation we will study how contemporary architecture, when inserted into historic cores change (or rather do not affect) the behaviours of people who deal with these spaces. To understand how intrinsic the relationship is between the built environment and the human being we must first know how, throughout history, he has changed the world to improve is living conditions in it; architecture as a result of social needs and human survival. Subsequent to this study we study how man used the space consciously to influence and control behaviours to enable them to fit in with certain principles and values. After possessing the necessary awareness of how the relationship between man and built environment works in general, we can finally begin to dissect how contemporary buildings and what is already legitimized by history relate to humans in deeper detail. Therefor we'll study urban rehabilitation, so we know what's been done for the maintenance of our history, respected and maintained by intervening on our urban and architectural legacy with the current technology and knowledge. Finally we'll discuss three case studies where the initial premise of the thesis is true: the House of the 24 and the Casa da MĂşsica, both in Oporto, and the Parking ChĂŁo do Loureiro in Lisbon. Completing the entire study developed during the dissertation presents the fifth year project where is shown an example of contemporary architecture in an historic core as a contribution to the solution of the problem that the question raises. Keywords:, Contemporary Architecture, Historical Centers, Urban Rehabilitation, Sociology.



LISTA DE IMAGENS

Ilustração 1 – “planta do castro celta de Santa Troga" (Ayán Vila, 2008, p. 955)

34

Ilustração 2 - "castro celta de Vila Nova de Cerveira, Portugal. As habitações protegidas por muros que demarcam a fronteira entre a povoação e o resto do mundo.” (Francisco Dominguez Penis, 2009)

35

Ilustração 3 – “Castelo Rodrigo, Portugal. Igreja no centro da localidade”, GeoEye (Adaptado a partir de: Google, 2012)

38

Ilustração 4 – “City em Londres, maior concentração de indústria financeira na Grã Bretanha, situada no centro da cidade.", Nokia (Adaptado a partir de Bing, 2012)

40

Ilustração 5 – "Mapa de densidade populacional da área metropolitana de Lisboa em 1991". (Tenedório, ed. lit., 2011, pág. 124)

41

Ilustração 6 – “Levittown, Long Island, subúrbio de Nova Iorque” ( Lambert, 2004)

43

Ilustração 7 – “Ghetto de Kovno, Kaunas, Lituânia”, 1941 (Holocaust research project, 2012)

44


Ilustração 8 - "Favela e condomínio de luxo, São Paulo, Brasil" (Vieira, 2002)

44

Ilustração 9 - "Casa tradicional de Lebução, Portugal" (Gomes, 2009)

46

Ilustração 10 - "Edifícios de habitação em Setúbal, Portugal" (Ilustração nossa, 2011)

46

Ilustração 11 - "Edifícios de habitação na Amadora, Portugal. Repetição de torres habitacionais". (Caneira, 2012)

48

Ilustração 12 - "Praça do Bocage, Setúbal, de dia " (Ilustraão nossa, 2012)

51

Ilustração 13 - "Praça do Bocage, Setúbal, de noite", FTGouveia, 2008. (FtGouveia, 2008)

51

Ilustração 14 - "Favela de Mumbai, Índia" (Newell, 2007)

53


Ilustração 15 - "Sul de Mumbai, bairro mais rico da cidade. Índia" (Shah, 2010)

53

Ilustração 16 - "Distúrbios nas London riots provocadas pelo homicídio de um jovem de um bairro degradado após provocações deste à polícia." (BBC, 2011)

54

Ilustração 17 - "Ilustração do núcleo histórico de Évora, Portugal" (Couvinha, 1993)

55

Ilustração 18 - "Mapa de Nova Iorque, E.U.A. em 1807", The Commissioner's plan for New York" (Junior, 1807-11)

56

Ilustração 19 - "Pormenor do Plano de Haussman, Paris. Visível a malha medieval da cidade e alteração viária que a transformou" (Benevolo, 1983, pág. 393)

57

Ilustração 20 - "Palácio residencial da época do Império Austro-Húngaro, transformado em escritórios e comércio." (Ilustração nossa, 2010)

57

Ilustração 21 - "Malá Strana, centro histórico da cidade de Praga, República Checa," (Ilustração nossa, 2011)

60


Ilustração 22 - "Panelaks, num subúrbio de Praga, República Checa". (Mwalcoff, 2004)

60

Ilustração 23 - "Loja da Prada, na 5ª Avenida, Nova Iorque, E.U.A." (Leggett, 2010)

61

Ilustração 24 - "Fila para loja de calçado provocada pelo sistema de serviço escalonado, 1983".(Yakimenko, 2009)

68

Ilustração 25 - "centro de serviços soviético em Sansar, Ulaanbaatar. Atual Mongólia" (Kaplonski, 1993)

69

Ilustração 26 - "Teatro Central do Exército Soviético, 1933-1940. Moscovo" (Valtonen, 2010)

70

Ilustração 27 - "Fachada da Nova Chancelaria do Reich para a Vos-Strass, Berlim, Alemanha" (Cobie, 1990)

73

Ilustração 28 - "Ehrenplatz, Berlim, Alemanha" (Soderborg, 2007)

74

Ilustração 29 - " Zeppelin Field, Nuremberga, Alemanha" (Chen, 2010)

75


Ilustração 30 - "Zeppelin Field de noite, Catedral de Luz, Nuremberga, Alemanha" (Soderborg, 2007)

Ilustração 31 - "Tribunal de Iberia Parish, Louisiana, E.U.A." (Joseph A., 2010)

Ilustração 32 - "Planta de Chandigarh, com a "cabeça", "coração" e "membros" em destaque, Punjab, Índia.", Google (adaptado a partir de Google, 2012)

76

80

85

Ilustração 33 - "Capitólio de Chandigarh, Assembleia legislativa e Supremo Tribunal, Punjab, Índia."

86

Ilustração 34 - "Planta de Brasília, com localização dos principais edifícios públicos, Brasil." (McCarthy, 2010)

89

Ilustração 35 - "Planta de Lisboa em 1650, Portugal" (Tinoco, 1650)

95

Ilustração 36 - "Planta de Lisboa em 1785, Portugal" (Milcent, 1785)

97


Ilustração 37 - "Planta de Lisboa durante o século XIX, Portugal" (Wagner & Debes, 1901)

98

Ilustração 38 - "Vestígios arqueológicos do bairro árabe, Castelo de São Jorge em Lisboa. Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

99

Ilustração 39 - "Reabilitação da cidadela moura, Castelo de São Jorge. Portugal. Realizada por Carrilho da Graça " (Ilustração nossa, 2012)

99

Ilustração 40 - "Vestígios arqueológicos do palácio dos Condes de Santiago, Castelo de São Jorge. Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

100

Ilustração 41 - "Núcleo arqueológico do Castelo de São Jorge em Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

101

Ilustração 42 - "Rua da cidadela do Castelo de São Jorge em Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

102

Ilustração 43 - " Rua da cidadela do Castelo de São Jorge em Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

103

Ilustração 44 - "Entrada do castelo de São Jorge em Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

103

Ilustração São Jorge 2012) Ilustração São Jorge 2012)

45 - "Miradouro e jardim do Castelo de em Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa,

104

46 - " Miradouro e jardim do Castelo de em Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa,

104

Ilustração 47 - "Claustro da Sé de Lisboa e as escavações arqueológicas no seu interior" (Ilustração nossa, 2012)

105


Ilustração 48 - "Exterior da Sé de Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

106

Ilustração 49 - "Nave central e altar da Sé de Lisboa, Portugal" (Ilustração nossa, 2012)

106

Ilustração 50 - "Turistas dentro da Sé. Lisboa, Portugal"( Ilustração nossa, 2012)

107

Ilustração 51 - "Praça, restaurante e entrada do estacionamento automático nas Portas do Sol em Lisboa, Portugal."( Ilustração nossa, 2012)

110

Ilustração 52 - "Vista do Mercado do Loureiro e sua envolvente. Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

122

Ilustração 53- "Piso tipo do estacionamento do Mercado do Chão do Loureiro." (Ilustração nossa, 2012)

123

Ilustração 54 - "Vazio central após reabilitação. Estacionamento do Mercado do Loureiro, Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

123


Ilustração 55 - "Mercado do Chão do Loureiro, entrada do supermercado no piso térreo. Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

125

Ilustração 56 - " Casa dos 24 vista a partir do Terreiro da Sé. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

129

Ilustração 57 - "Casa dos 24 sobre ruína da Casa da Rolaçom. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

131

Ilustração 58 - "Casa dos 24, fachada de vidro e núcleo histórico. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

132

Ilustração 59 - "Casa da Música e envolvente: edifícios do século XIX e Rotunda da Boavista, entrada do supermercado no piso térreo. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

135

Ilustração 60 - "Bar sob e lateral à escadaria principal, Casa da Música. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

137

Ilustração 61 - "Entrada da Casa da Música, Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

138

Ilustração 62 - "Sala Suggia o auditório principal da Casa da Música, Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

138


Ilustração 63 - "Vidros ondulados que distorcem a percepção da cidade a partir do auditório principal da Casa da Música. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012) Ilustração 64 - "Um dos percursos interiores da Casa da Música e corredor das bilheteiras e bengaleiro. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012) Ilustração 65 - "Percurso espiralado interior da casa da música e acesso ao auditório principal e bar. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012) Ilustração 66 - "Casa da Música, edifícios contemporâneos. O objecto arquitectónico isolado da rotunda histórica. Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

139

139

140

144

Ilustração 67 - "Renderização do exterior do projeto" (Ilustração nossa, 2012)

152

Ilustração 68 - "Renderização do vazio central do projecto, a rua pelo seu interior e o miradouro interior." (lustração nossa, 2012)

152

Ilustração 69 - "Renderização interior." (Ilustração nossa, 2012)

152

Ilustração 70 - "Renderização (Ilustração nossa, 2012)

do

do

miradouro

edifício."

Ilustração 71 - "Renderização da entrada do espaço de espetáculos e o grande vazio central no qual está inserida." (Ilustração nossa, 2012)

153

153


Imagens 72 - "Renderização da espetáculos." (Ilustração nossa, 2012)

sala

de

153

Ilustração 73 - "Renderização do topo do edifício: miradouro para a cidade de Lisboa, as salas de aulas teóricas e o bar." (Ilustração nossa)

154

Ilustração 74 - "Renderização da biblioteca." (Ilustração nossa, 2012)

154

Ilustração 75 - "Renderização da sala de estar de alunos e professores visitantes e acesso aos quartos." (Ilustração nossa, 2012)

155

Ilustração 76 - "Renderização de um quarto de alunos." (Ilustração nossa, 2012)

155

Ilustração 77 - "Diagrama explicativo das diferentes áreas do projeto." (Ilustração nossa, 2012)

156

Ilustração 78 - "Planta cota 18m. Estacionamento automático." (Ilustração nossa, 2012)

157


Ilustração 79 - "Planta cota 20.2m. Estacionamento automático." (Ilustração nossa, 2012)

158

Ilustração 80 - "Planta cota 22.4m. Estacionamento automático." (Ilustração nossa, 2012)

159

Ilustração 81 - "Planta cota 26m. Estacionamento automático, foyer, bilheteira, bengaleiro, instalações sanitárias, arrumos, oficinas e ginásio de fortalecimento muscular." (Ilustração nossa, 2012)

160

Ilustração 82 - "Planta cota 30m. Estacionamento automático, ginásio de fortalecimento muscular e acessos." (Ilustração nossa, 2012)

161

Ilustração 83 - "Planta cota 34m. Estacionamento automático, ginásio de fortalecimento muscular, balneários, camarins e guarda-roupa." (Ilustração nossa, 2012)

162


Ilustração 84 - "Planta cota 38m. Acesso ao estacionamento automático, controlo de segurança do edifício, ginásio de fortalecimento muscular, sala de mistura de som, sala de mistura de luz, sala de gravação de som, sala de controlo, Gabinete da direção, arquivos, lavandaria." (Ilustração nossa, 2012)

163

Ilustração 85 - "Planta cota 41.5m. Biblioteca, instalações sanitárias, salas de trabalho/estudo, acesso às residências, miradouro público e acesso entre as diferentes cotas das ruas circundantes pelo vazio central do edifício." (Ilustração nossa, 2012)

164

Ilustração 86 - "Planta cota 45.5m. Residências de estudantes, balneários e instalações sanitárias, espaço de estar e espaço de preparação de alimentos." (Ilustração nossa, 2012)

165

Ilustração 87 - "Planta cota 48.5m. Residências de estudantes e professores convidados." (Ilustração nossa, 2012)

166

Ilustração 88 - "Planta cota 54m. Bar e esplanada, miradouro público para a cidade de Lisboa, sala de controlo de segurança, sala de informática e instalações sanitárias." (Ilustração nossa, 2012)

167


Ilustração 89 - "Planta cota 57.5m. Salas de aulas teóricas e sala de ensaios acústicos." (Ilustração nossa, 2012)

168

Ilustração 90 - "Planta cota 62m. Planta de cobertura." (Ilustração nossa, 2012)

169

Ilustração 91 - "Corte 1." (Ilustração nossa, 2012)

170

Ilustração 92 - "Corte 2." (Ilustração nossa, 2012)

171

Ilustração 93 - "Alçado Nordeste." (Ilustração nossa, 2012)

172

Ilustração 94 - "Alçado Sul." (Ilustração nossa, 2012)

172


Ilustração 95 - "Alçado Oeste." (Ilustração nossa, 2012)

173


SUMÁRIO 1

Introdução .......................................................................................................... 27

2

Capitulo ............................................................................................................... 29 2.1

Utilização e apropriação do espaço ............................................................. 29

2.2

Espaço Social.............................................................................................. 32

2.2.1

Relação Sacro-Profana ........................................................................... 34

2.2.2

Relação Centro-Periferia ......................................................................... 38

2.2.3

Relação Interior-Exterior .......................................................................... 45

2.2.4

Relação Privado-Público ......................................................................... 59

2.2.5

Relação Natural-Construído .................................................................... 64

2.3

3

Fundamentação e Implementação (Razões e atos) .................................... 66

2.3.1

Socialismo ............................................................................................... 67

2.3.2

Nazismo .................................................................................................. 72

2.3.3

Democracias ........................................................................................... 79

Capitulo ............................................................................................................... 91 3.1

A Encosta do Castelo .................................................................................. 91

3.2

Origens e evolução da Encosta do Castelo ................................................. 92

3.3 Identificação dos edifícios históricos pertinentes e sua relação com a população ............................................................................................................... 99 3.3.1

Castelo de São Jorge .............................................................................. 99

3.3.2

Sé de Lisboa ......................................................................................... 105

3.4 Identificação dos edifícios contemporâneos pertinentes e sua relação com a população ............................................................................................................. 109 3.4.1

Estacionamento Portas do Sol............................................................... 109

3.4.2

Mercado do Chão do Loureiro ............................................................... 113

3.5 4

Reabilitação Urbana .................................................................................. 115

Estudo de casos ............................................................................................... 121 4.1

Estudo de caso 1 - Mercado do Chão do Loureiro..................................... 121

4.1.1

Utilização e apropriação do espaço ....................................................... 121

4.1.2

Fundamentação e Implementação (Razões e atos)............................... 124

4.2

Estudo de caso 2 - Casa dos 24 ................................................................ 127

4.2.1

Utilização e apropriação do espaço ....................................................... 127

4.2.2

Fundamentação e Implementação (Razões e atos)............................... 131

4.3

Estudo de caso 3 - Casa da Música do Porto ............................................ 135

4.3.1

Utilização e apropriação do espaço ....................................................... 135

4.3.2

Fundamentação e Implementação (Razões e atos)............................... 140


5

6

Capitulo ............................................................................................................. 147 5.1

Projeto de quinto ano ................................................................................ 147

5.2

Fundamentação e Implementação (Razões e atos) .................................. 148

5.3

Utilização e apropriação do espaço ........................................................... 150

5.4

Desenhos .................................................................................................. 152

5.4.1

Renders ................................................................................................. 152

5.4.2

Diagrama funcional................................................................................ 156

5.4.3

Plantas .................................................................................................. 157

5.4.4

Cortes.................................................................................................... 169

5.4.5

Alçados ................................................................................................. 171

Conclusão ......................................................................................................... 173

Referências .............................................................................................................. 177 Bibliografia ................................................................................................................ 185


Arquitetura Contemporânea em Núcleos Históricos

1 INTRODUÇÃO Procuram-se

esclarecer

nesta

dissertação as

consequências

da arquitetura

contemporânea em núcleos históricos. O desejo para a compreensão desta relação surge da curiosidade nascida desde o inicio do curso de arquitetura graças à crença de que uma das razões de ser mais importantes da arquitetura é melhorar a qualidade de vida de quem nela habita e, simultaneamente, ser o testemunho das sociedades que lhe deram forma. Construir num núcleo histórico, sem cair em revivalismos ou pastiches, implica portanto uma sábia e interessante integração com o contexto préexistente e com consequências benéficas para o tecido social. O interesse por este tema revelou-se ainda mais forte durante o quinto ano do curso, pois durante o mesmo o programa dos projetos desenvolvidos implicou esta mesma interação entre arquitetura contemporânea e o núcleo histórico do castelo de São Jorge e o bairro da Encosta do Castelo. A investigação que se apresenta aqui inicia-se com o desenvolvimento do que é o espaço social. Aqui estuda-se a relação do ser humano com o espaço desde as primeiras civilizações organizadas em comunidade até aos dias de hoje, segundo binómios diametralmente opostos. Em seguida examinaremos os exemplos de três regimes políticos distintos entre si mas que em comum possuem a característica de utilizar a arquitetura como meio de controlar a população e de incutir na mesma comportamentos e relações sociais, valores e ideias, sentimentos e reações. Pretende-se neste primeiro capitulo alcançar a compreensão da amplitude de consequências possíveis entre espaço na sua generalidade, arquitetura na sua especificidade, seres humanos na sua generalidade e comportamentos sociais na sua especificidade. No terceiro capítulo centraremos a pesquisa na Encosta do Castelo, pois foi não só o local onde se desenvolveu o projeto de quinto ano, como também uma zona onde se pode estudar aprofundadamente a integração de edifícios novos ou reabilitados com malhas urbanas antigas. Consideramos pertinente não só estudar o local em si como desenvolver a pesquisa até à relação especifica entre dois edifícios históricos e dois contemporâneos com a população, para com um maior grau de certeza podermos perceber as diferenças ou semelhanças entre ambos os casos.

André Filipe Salsinha Cabrita

27


Arquitetura Contemporânea em Núcleos Históricos

Inevitavelmente falaremos de reabilitação urbana, pois intervir em núcleos históricos implica inevitavelmente, em maior ou menos escala, manter e respeitar a préexistência. Muito há a dizer sobre este assunto, seja porque muita pesquisa foi já feita sobre o assunto, ou porque as implicações da reabilitação urbana afectarem variadas disciplinas, pessoas e interesses. Ser-nos-á útil a literatura que, do ponto de vista de variados arquitetos, explica e aconselha o modo de agir sobre esta problemática, permitindo-nos deste modo compreender qual a melhor forma de intervir sobre o território da Encosta do Castelo. Seguidamente, no quarto capítulo abordaremos com maior detalhe três estudos de casos onde arquitetura contemporânea se integra em núcleos históricos para podermos finalmente compreender as implicações da relação que impulsionou toda a dissertação. Os estudos de casos são todos em Portugal, um deles inclusive na Encosta do Castelo, melhorando deste modo a consciência possível sobre o lugar onde o projeto do próximo capitulo se insere. O quinto capitulo consiste no projeto final de quinto ano. Aqui explicamos as razões especificas que levaram a proposta a ter a sua forma, a estratégia territorial e cultural que influenciou o programa e o projeto em si.

André Filipe Salsinha Cabrita

28


Arquitetura Contemporânea em Núcleos Históricos

2 CAPITULO 2.1 UTILIZAÇÃO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO O ser humano passa a maior parte da sua vida em ambientes construídos que, no entanto, são desenhados e pensados por vezes sem ter em conta o facto de que mais do que o seu valor icónico, poético-espacial ou imobiliário importa construir com consciência e noção das necessidades humanas dos que irão habitar nesses mesmos ambientes. No Espaço coincidem vida e cultura, interesses espirituais e responsabilidades sociais. Porque o Espaço não é cavidade vazia, "negação de solidez": é vivo e positivo. Não é apenas um facto visual: é em todos os sentidos e, sobretudo num sentido humano e 1 2 integrado, uma realidade vivida. (Bruno Zevi 1996, pág. 217)

Esta falha é muitas vezes um erro que os arquitetos cometem sem intenção, seja por défice educacional sobre o assunto como por pouca atenção e interesse pelo tema, segundo defendem Valerie Bugni3 e Ronald Smith4 (2002). Importa-nos, assim, estudar as implicações dos ambientes edificados e por edificar, de modo a que a arquitetura, espelho físico da sociedade que a cria e que a própria vai criando, gradualmente melhore. (...) a cena sobre a qual nasce a arquitetura, as obras da qual indicam a supremacia , ora de uma classe dirigente, ora de um mito religioso, ora de um propósito colectivo, ora de um problema ou de uma descoberta técnica, ora de uma moda galopante, mas são sempre o produto da coexistência e do equilíbrio de todos os componentes da civilização em que surgem. (Bruno Zevi, 1996, pág. 54)

Recorreremos à história, à teoria da arquitetura, à arquitetura construída sobre a qual podemos estudar quais as suas consequências e recorrendo ainda à sociologia urbana com a distancia e postura crítica que esta disciplina obriga devido à sua visão parcial e incompleta tanto da humanidade como da arquitetura. Este ramo da sociologia estuda e pesquisa as consequências da arquitetura assentando a sua metodologia de pesquisa em inquéritos à população, entrevistas, pesquisa na internet 1

Bruno Zevi nasceu em 22 de janeiro de 1918 em Roma e faleceu a 9 de janeiro de 2000 em Roma. Foi um arquiteto, historiador, professor, curador, autor e editor. 2 ZEVI, Bruno (1996) - Saber ver a arquitectura. São Paulo : Martins Fontes. 3 Valerie Bugni recebeu o seu M.A. de Sociologia na Universidade do Nevada e é desde então investigadora nas áreas da sociologia. Leciona ainda na mesma universidade onde obteve a sua formação académica. 4 Ronald W. Smith é Professor e regente do departamento de sociologia da Universidade do Nevada. É especialista em comunidades e sociologia urbana (entre outras menos relevantes para o tema que aqui estudamos).

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e documentação de fontes exteriores à entidade que faz a pesquisa (por exemplo I.N.E.5, documentação camarária) e observação de campo. De acordo com o defendido por Bugni, apud Jean Beaman6 (2002)7 observing people in their natural setting "can provide clues for the architect on how social interaction occurs in various settings such as classrooms, meeting rooms, office 8 spaces, and pedestrian walkways .

Esta recolha de informação sobre a população e o ambiente em que vive, permite compreender o padrão de crescimento, estagnação ou decréscimo de determinado lugar, que tipologia de serviços são mais úteis e necessários a essa população, se será necessária construção de mais edifícios ou se pelo contrário se deve recuperar e manter os que já existem. Permite também compreender quais as necessidades de locomoção da população estudada, os horários pelos quais esta se rege, tal como o impacto desta mobilidade no que rodeia o edificado (e o edifício em si). Estudando a população deste modo permite ao arquiteto uma maior compreensão dos utilizadores do seu edifício de modo a que a obra se adapte melhor a estes, sendo uma ferramenta projectual da maior importância9. O campo de ação da Sociologia Urbana são essencialmente estruturas espaciais dentro das cidades, nomeadamente urbanizações, urban sprawl, processos de segregação, degradação urbana e declínio das cidades. Simmel focused on how the city with its intense social interaction, stimuli, and change had profound consequences for the individual. While the city enhances individual freedom, it also forces urban dwellers to become impersonal, reserved, indifferent,

5

Instituto Nacional de Estatística Jean Beamen fez o seu percurso académico na Universidade de Northwestern onde recebeu em 2010 o seu Ph.d. em Sociologia, áreas onde já se tinha formado no seu B.A. e M.A. 7 BUGNI, Valerie (2002) - Architectural Sociology. Asanet Footnotes 8 a observação de pessoas no seu meio natural "pode providenciar pistas para o arquiteto sobre como a interação social acontece em vários locais como salas de aulas, salas de reuniões, escritórios, e passeios pedestres (Tradução nossa) 9 NOTA DE AUTOR: O estudo da população nos locais onde se inserem ou irão inserir edifícios, apesar de útil e de o considerarmos extremamente operativo não só para a concretização dos projetos como processo de aprendizagem no desenvolvimento de projetos posteriores, são algo perigosos quando usados sem grandes cautelas. Devido aos utilizadores e população cuja vida os edifícios em questão influenciam, nunca serem uma massa humana estanque, devido também à opinião das pessoas ser naturalmente manipulada por diversos fatores (época, crítica da intelligentsia, moda, etc ) e devido à variável honestidade de cada individuo, estes estudos são sempre de uma pertinência relativa e não absoluta. 6

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blasé, and calculating as a means of protection from overstimulation (George Simmel 10 apud Ronald W. Smith, Valerie Bugni. 2006, pág. 125)

Apesar de a Sociologia Urbana, segundo Bugni e Smith (2002) não merecer ainda a mesma preocupação que outras ciências durante a concepção arquitectónica, e mesmo sendo claro que é uma tendência crescente a importância e atenção à disciplina, não tem o seu objecto de estudo de todo ausente na arquitetura. Pelo contrário, a atenção a questões sociais e o modo como a arquitetura influencia as pessoas, fez e faz cada vez mais parte das preocupações de quem os projeta. Sobre este tema as posições dentro da arquitetura são diversas, devido às épocas em que o assunto é pensado e ao entendimento próprio que cada personalidade e experiência pessoal de cada indivíduo que estuda o assunto conduz a uma justificada opinião. Para compreender o mais cabalmente possível as implicações que a arquitetura tem no Homem, cremos ser da mais pertinente importância conhecer os estudos e conclusões de quem este tema estudou, com predominância nos arquitetos que a arquitetura criaram e os sociólogos que a estudaram. Para podermos compreender as consequências da Arquitetura contemporânea em núcleos históricos temos de compreender como o Homem lida, usa, relaciona e altera o espaço, sendo assim pertinente o estudo do Espaço Social e o modo como nós, humanos, alteramos e lidamos com o mundo que nos rodeia.

10

(SMITH, Ronald W., BUGNI, Valerie (2006) - Symbolic Interaction: theory and architecture, Faculty Publications Volume 29 Issue 2, University of California Press) Simmel concentrou-se em como a cidade com as suas intensas interações sociais, estímulos, e mudanças tinham profundas consequências para o individuo. Apesar de a cidade melhorar a liberdade individual, ela também força os habitantes urbanos a tornarem-se impessoais, reservadas, indiferentes, blasés, e calculistas como um meio de defesa de sobre-estimulação. (Tradução nossa)

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2.2 ESPAÇO SOCIAL Desenvolvendo o tema do espaço social, António Teixeira Fernandes11 define-o como sendo o campo das inter-relações sociais, e que estas se inscrevem no espaço onde estão profundamente interligados o lugar, o social e o cultural (António Teixeira Fernandes,1992, pág. 62)12 e, simultaneamente, relacionam-se aqui tanto o mundo físico, real e natural como o espiritual, esotérico e cósmico. A criação do espaço social é o resultado direto da apropriação do mundo pelo homem, tanto na alteração física de este como na sua divisão e diferenciação em lugares de trabalho, de lazer, de contemplação e qualquer outra definição, individual ou colectiva, que lhe dê; é a sua intervenção e a maneira como este a concretiza, que cria esse espaço. O espaço construído e o espaço percebido e representado estão profundamente dependentes um dos outros, gerando um ciclo entre construir-se como se representa e representar-se como se constrói (António Teixeira Fernandes,1992, pág. 62)13 sendo assim claro que a arquitetura enquanto construção e apropriação racional do Homem pelo meio envolvente cria comportamentos sociais e é simultaneamente o resultado dos mesmos. O ser humano, independentemente da sua cultura, comporta-se perante o mundo deste modo14. A sociedade estrutura-se num espaço construído por esta, representando tanto a sua história como o modo de relacionamento entre si e o mundo (como exemplo temos Lisboa medieval, onde as construções da população pouca semelhança tinham com a qualidade e condições dos palácios da nobreza e clero; a

11

António Teixeira Fernandes nasce em Urrô, Arouca a 27 de janeiro de 1939. Doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma) em 1975 foi o fundador do curso de Sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e, em 1989, funda o Instituto de Sociologia. Exerceu como Presidente do Conselho Cientifico da Faculdade de Letras, e como Delegado nacional no Comité para a Investigação Sócio-Económica Aplicada, em Bruxelas. Foi sócio fundador da Associação Portuguesa de Sociologia e membro da Association Internationale des Sociologues de Langue Française, da Conférence Internationale de Religions e da Universidade Católica Portuguesa. Tem estudos publicados em variadas publicações. É ainda Padre da Igreja Católica Portuguesa, tendo sido ordenado em 1962 sendo atualmente Juiz do Tribunal Eclesiástico da Diocese do Porto. 12 FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 13 idem 14 NOTA DE AUTOR: Transversal a várias culturas, religiões e localizações são os modos de se relacionar com o espaço. Surgem naturalmente especificidades, mas subjacente a elas, na sua essência mantêm-se. Como exemplo do que afirmamos relembramos que a construção de templos carrega sempre um profundo simbolismo que se reflete em comportamentos dentro ou perto desses edifícios. Edifícios administrativos de variadas civilizações condicionam as pessoas naquele lugar a seguir protocolos e ações pré-determinadas. Habitações permitem às pessoas de várias etnias, credos e sociedades intimidade e comportamentos mais relaxados e impróprios em público.

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Cidade Proibida de Pequim num regime político em que família imperial vivia isolada do resto da população) porque o espírito humano é levado espontaneamente a conceber a realidade de forma dicotómica, a estrutura das imagens espaciais tende a inscrever-se em coordenadas que obedecem a essa mesma categorização dos fenómenos (António Teixeira 15 Fernandes, 1992, pág. 63) .

A partir do modo como a realidade é percebida, são elaborados sistemas de classificação (António Teixeira Fernandes,1992, pág. 63)16 que geralmente se constituem por binómios, entre os quais este sociólogo destaca o sacro-profano, centro-periférico, interior-exterior, privado-público e natural-construído. Referimos que é preciso ter atenção à parcialidade e incapacidade de a sociologia urbana, e portanto às definições de espaço social também, explicarem toda a complexidade das ligações e interações humanas com o espaço. Quem quer que tenha visto um lugar primeiramente numa foto e depois o tenha visitado sabe como a realidade é bem diferente. Sente-se a atmosfera à volta e já não se depende do ângulo em que a foto foi tirada. Respira-se o ar do lugar, ouvem-se os seus sons, nota-se como eles são ecoados pelas casas que não vemos atrás de nós. 17 18 (Steen Eiler Rasmussen , 2002, pág. 41)

A partir do parágrafo acima podemos subentender que ao olhar-se para o espaço através dos elementos utilizados pelos sociólogos para entender como a humanidade se relaciona com o mundo têm-se necessariamente uma visão parcial e incompleta. Pretendemos por isso, com este capitulo, apenas começar a perceber como tais relações se processam, tendo completa consciência de que o tema é muito mais profundo, e impossível de dividir em binómios estanques entre si. Estamos a estudar um sistema de relações indivisível, cuja divisão em diferentes binómios serve para que consigamos ter uma percepção do todo através das suas partes.

15

FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 16 idem 17 Steen Eiler Rasmussen foi um arquiteto e urbanista dinamarquês nascido em 1898 e falecido em 1990. A sua carreira académica iniciou-se com a entrada na Academia de Belas Artes Real Dinamarquesa em 1916. Iniciou a atividade profissional em 1919 ao abrir o seu próprio atelier. Foi conhecido principalmente pelo seu trabalho como urbanista. Fez parte do Laboratório de Urbanismo Dinamarquês desde 1924 no papel de representante do Concelho da Academia, entre 1942 e 1948 serviu como seu líder. Foi ainda autor de várias obras, das quais as mais conhecidas são "London, the Unique City", "Towns and Buildings" e "Arquitetura Vivenciada". 18 RASMUSSEN, Steen Eiler (2002) - Arquitetura vivenciada. Martins Fontes, São Paulo

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2.2.1 RELAÇÃO SACRO-PROFANA Começamos por observar o binómio Sacro-Profano. Sabemos que esta relação era mais predominante nas sociedades mais rurais e antigas, devido ao enorme peso que o divino e a ignorância sobre os fenómenos naturais tinham sobre as pessoas. As comunidades humanas habitavam num espaço com profundo significado cósmico, sacralizado e divino, sacralização essa que definia o direito, a religião e os costumes. A escolha do lugar para uma certa construção, como para uma cidade, tinha valor proeminente no mundo clássico; a situação, o sítio, era governado pelo genius loci, pela divindade local, precisamente uma divindade de tipo intermédio que presidia a 19 20 tudo quanto acontecia nesse mesmo lugar. (Aldo Rossi , 2001, pág. 151) É muito conhecido o fato de que os povos primitivos atribuem vida a objetos inanimados. Acreditam que árvores e cursos d'água são espíritos da natureza que 21 vivem em comunhão com eles. (Steen Eiler Rasmussen, 2002, pág. 37)

Ilustração 1 – “Planta do castro celta de Santa Troga" (Ayán Vila, 2008, p. 955)

A vida colectiva e a da comunidade são nesta época sinónimos de vida individual. Tal facto é visível por exemplo numa planta de um aglomerado urbano celta onde não há diferenciação entre as habitações, onde se vê que todas as habitações individuais são parte de um todo inseparável. A consequência direta desta inseparabilidade é a responsabilização da comunidade pelos erros e sucessos individuais, tornando assim os

locais

onde

se

habita

cosmicamente

especiais,

divinos,

sagrados

ou

19

Aldo Rossi nasce a 3 de maio de 1933 e faleceu a 4 de setembro de 1997. Foi um notável arquiteto e designer, destacando-se ainda na teoria da arquitetura. Iniciou os seus estudos académicos em 1949 e em 1955 já escrevia para a revista Casabella, onde viria a ser editor de 1959 a 1964. 20 ROSSI, Aldo (2001) - A Arquitectura da Cidade. Lisboa : Edições Cosmo. 21 RASMUSSEN, Steen Eiler (2002) - Arquitetura vivenciada. Martins Fontes, São Paulo

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"amaldiçoados", sendo a comunidade e os indivíduos excluídos da sociedade em caso de crime ou heresia22. Apenas com a evolução social do homem e ao este caminhar para as democracias modernas esta relação entre homem e comunidade se vai alterar ao crescer uma concepção mais individualista do ser humano. Assim, a sua ligação ao espaço alterase também, pois este vai progressivamente perdendo a conotação divina e sacral e o homem vai também ele perder a ligação ao território de um modo tão profundo como anteriormente. A criação de fronteiras, um dos primeiros modos de o homem organizar o mundo que o rodeia e apropriar-se de território, diferenciando entre o que considera seu e de ninguém ou de outros, é " définir l'intérieur et en dehors du domaine du sacré et profane le domaine du territoire national et un territoire étranger"23 (Émile Benveniste24, 1969, pág. 14).

Ilustração 2 - "Castro celta de Vila Nova de Cerveira, Portugal. As habitações protegidas por muros que demarcam a fronteira entre a povoação e o resto do mundo.” (Francisco Dominguez Penis, 2009)

22

NOTA DE AUTOR: Estes procedimentos ocorrem ainda hoje, por exemplo na religião judia onde questionar e duvidar publicamente da autoridade religiosa pode ser punida com a excomungação. Durante séculos no território que é hoje a Índia semelhante sanção era aplicada aos dalits excluindo-os de, por exemplo, entrar em templos hindus. 23 (BENVENISTE, Émile (1969) - Le Vocabulaire des Institutions Indo-Européennes, 2. Pouvoir, Droit, Religion,) "delimitar o interior e o exterior, o reino do sagrado e o reino do profano, o território nacional e o território estrangeiro" (Tradução nossa) 24 Émile Benveniste foi linguista estruturalista. Nascido com naturalidade francesa no Cairo em 1902 veio a falecer em 1976. Após ter estudado na Sorbonne lecionou na École Pratique des Hautes Études e posteriormente no Collège de France. Foi um dos fundadores em 1961 da revista de antropologia L'Homme.

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Cidades santas, lugares e montes sagrados, são-no devido à mentalidade anteriormente

exposta

que

necessita

desta

justificação

além-humana

para

compreender e delimitar o espaço, transformando assim o que era profano em sagrado, podendo desta maneira ser apropriado pela humanidade. A sagração de igrejas, a bênção de cemitérios e sepulturas é uma necessidade para estas sociedades pois apenas deste modo se purifica um lugar que é à partida impuro ou imundo, indigno da presença continuada da comunidade. A pena capital contra uma aglomeração (ou individuo, pois como já explicado anteriormente ambos os conceitos eram, na época, indivisíveis) era a interdição das igrejas e impedimento de celebração de atos religiosos. Tal penalização era extremamente gravosa uma vez que atingia todos os membros da comunidade, 25 tanto os culpados como os inocentes. (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 66)

Percebe-se assim a importância que o espaço tinha na vida quotidiana dos aglomerados humanos. A cidade é simultaneamente território e população, quadro físico e unidade de vida colectiva, configuração de objetos físicos e nó de relações entre os seres sociais. Podemos decidir interessar-nos mais particularmente por uma do que por outra destas duas ordens de realidades. Mas não deixam por isso de ser indissociáveis. (Yves 26 27 Grafmeyer , 2002, pág. 13)

O binómio Sagrado-Profano é utilizado desde estas sociedades até à atual para interesses económicos, de um modo racional e intencional, de modo a salvaguardar propriedade ou território através de tornar tabu questionar-se o seu direito a esses bens. Era assim inquestionável e intransmissível a posse de determinado terreno, justificando também perante o povo o direito à posse de títulos e riqueza28. Nobreza e classe sacerdotal utilizaram durante séculos este tabu sobre o direito sobre as suas posses para as manterem e aumentarem, sempre com a quase completa passividade

25

FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 26 Yves Grafmeyer é professor na Universidade Lumière-Lyon II. É Diretor do Grupo de Pesquisa sobre socialização e é também Membro do Institut Universitaire de France. 27 GRAFMEYER, Yves (1994) - Sociologia Urbana. Editions Nathan, Paris. 28 NOTA DE AUTOR: Atualmente podemos verificar que a posse da área do Vaticano pela instituição Igreja é legitimada pelos títulos religiosos da cúpula de poder da religião católica. Paralelamente, nos países com predominância da religião islâmica verificamos que as figuras de proa do clero têm o seu bem estar, poder, influência e em bastantes casos fortuna devido aos títulos religiosos que possuem. Durante a Idade Média, propriedades e fortuna eram detidas em Mosteiros, conventos e abadias enquanto o povo viva em condições deploráveis. No entanto o direito à melhor vida do clero era legitimada por serem os representantes do divino na terra. Podemos facilmente compreender que os regimes Teocráticos são a sucintamente o regime politico que em extremo esta legitimação religiosa proporciona a um grupo de homens.

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da

população

que

em

suas

propriedades

trabalhavam

e

viviam

(http://www.britannica.com/EBchecked/topic/535485/serfdom). A burguesia e a sua elevação a cargos de poder transformou este tabu exclusivo da nobreza e clero em generalização: a propriedade privada era agora toda ela "coisa" intocável por quem não a possuía. "A tabuização opera-se na atualidade através das diversas modalidades de segregação, racial ou social, forma secularizada de converter em tabu a apropriação do espaço" (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 66)29. A secularização da sociedade, especialmente a partir do Renascimento, dessacralizou a noção de posse, território, vida e alterou o modo como se considera o espaço, tendo este passado a tornar-se res extensa e não res cogita sendo também mais homogéneo, uma vez que para o homem religioso o mundo está carregado de mensagens claras e subtis, onde o profano é espaço homogéneo e neutro. A dessacralização da natureza tem conduzindo a uma certa desumanização da relação com o meio ambiente e à relativa perda da dimensão sacral da cosmicidade, fazendo do espaço mera quantidade e objecto de quantificação, convertido que foi em extensão 30 (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 67) .

Por razões económicas, religiosas e de poder, os tabus sobre a noção do espaço mantém-se atualmente, apesar de que onde antes existia um enorme peso religioso, hoje existe um teor humanista, que na sua essência não mais é que outro modo de sacralidade cósmica.

29

FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 30 idem

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2.2.2 RELAÇÃO CENTRO-PERIFERIA As sociedades mais antigas consideravam que a sua cidade estava não só revestida de sentido sacrossanto como também que era o centro do mundo. Consideravam que o lugar que escolhido para habitar era o centro, e tudo o resto sua periferia, encontrando-se aqui o binómio centro-periferia. Segundo Mircea Eliade31 apud António Teixeira Ferreira, "o homem das sociedades pré-modernas aspira a viver o mais próximo possível do centro do mundo"(1992, pág.68)32 e esse centro é precisamente o lugar religioso, sagrado, onde se manifesta o divino. Para o Cristianismo, Jerusalém é o Centro do Universo, pois foi lá que a representação física do divino habitou, Meca para os árabes, Atenas para os gregos, Londres para os ingleses no período isabelino. Esta centralidade é tão mais forte e importante quanto mais antiga é a sociedade em questão, havendo assim um paralelo com o binómio sacro-profano. A cidade, enquanto espaço social, antes da sua função residencial foi um lugar de encontro com significação cósmica pois anterior a qualquer sentido estratégico de localização dos aglomerados humanos imperava nas preocupações da época o simbolismo religioso.

Ilustração 3 – “Castelo Rodrigo, Portugal. Igreja no centro da localidade”, GeoEye (Adaptado a partir de: Google, 2012)

A necessidade extrema de criar muralhas que protegessem cidadãos e propriedade de ameaças exteriores, era simultânea à imperiosa necessidade crítica de marcar um

31

Mircea Eliade nasceu a 13 de março de 1907, tendo vindo a falecer a 22 de abril de 1987. Foi professor, historiador das religiões, romancista, filósofo e mitólogo. 32 FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02

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limite entre o que era sagrado, de domínio oficial e religioso33. Temia-se tanto homens armados de dúbias intenções como espíritos desconhecidos de intenções maléficas, próprias do desconhecimento da natureza. Assim, as cidades cresceram graças a este aspecto social, o da conjunta proteção contra tudo, tanto etéreo como físico. "A construção social do espaço é marcada na cidade, pela centralidade e pela sacralidade" (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 69)34, tratando-se assim de um espaço não necessariamente contínuo mas sim correspondente à visualização do mundo simbólico próprio de cada sociedade, construído com as experiências sensoriais e imagéticas do mundo real, as quais, para o homem de sociedades primordiais, é povoado de seres dotados de vida ou por ela possuídos. A evolução das sociedades humanas é perceptível também nos seus costumes e tradições, pensamentos e atitudes; alguns alterando-se, outros mantendo-se ou desaparecendo.

A

relação

centro-periferia

manteve-se

até

às

sociedades

contemporâneas tendo perdido progressivamente, com a secularização da sociedade, a dimensão da sacralidade que lhe era intrínseca. Aparece esta relação essencialmente na descentralização onde o poder do Estado se expande por todas as localidades. O espaço nacional, parte integrante da noção de Estado apresenta-nos a relação centro-periferia no termo capital-província. Num sistema político territorialista, no entanto, verifica-se que o poder municipal se opõe ao Estado35; Cada tipo de sociedade tem a sua organização de centralidade, definindo-a por distintos critérios religiosos, políticos, culturais e económicos. A sociedade capitalista por exemplo, tem a sua centralidade revestida de dois sentidos: "lugar de consumo e consumo de lugar" (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 70)36, e o neocapitalismo

33

NOTA DE AUTOR: Das antigas cidades da Babilónia passando pelas do Magrebe; das cidades da civilização mesopotâmica às da Europa medieval; dos iniciais aglomerados chineses aos aglomerados celtas, todas estas culturas distintas reagiam do mesmo modo perante estas mesmas premissas, podendo assim considerarmos que esta reação não é cultural ou civilizacional, mas sim predominantemente social quando há conhecimento e algum tipo de relação com outros aglomerados humanos. 34 FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 35 NOTA DE AUTOR: Atualmente verificamos que no mundo ocidental raramente existe a necessidade de proteção contra entidades externas à cidade/nação como anteriormente explicamos que acontecia em sociedades mais primordiais. De facto aqui falamos antes da relação da cidade, a Capital, centro cultural, político e económico; e a província que é de certa maneira algo esquecida ou relegada para um papel secundário de importância, havendo por essa razão o desejo desta em ganhar poder contra a Capital, vendo na descentralização e regionalização o modo de também ela se tornar lugar de centralidade. 36 idem, ibidem

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revalida estas características ao adicionar a estes lugares o centro do poder de decisão. Segundo Aldo Rossi, no entanto, tratar esta questão como uma simples questão de organização é reduzi-la a uma simples função finita em si, cuja utilidade se cinge à de que considerar-se um produto de consumo é redutor da complexidade das cidades, denunciando uma inexistência de conhecimento concreto do Lugar em questão (2001, pág. 59)37.

Ilustração 4 – “City em Londres, maior concentração de indústria financeira na Grã Bretanha, situada no centro da cidade.", Nokia (Adaptado a partir de Bing, 2012)

Os centros urbanos das atuais sociedades desenvolvidas ganham, deste modo, importância e peso em relação às periferias, emancipando-se uma "centralidade lúdica" que coexiste com espaços de circulação, trocas e consumo. Partilha esta opinião Yves Grafmeyer ao afirmar que "(...) a cidade-meio-ambiente é também constituída em objecto de trocas, que estruturam de forma especifica as relações entre os actores, as instituições e os grupos sociais" (1994, pág. 10)38. Estes espaços adquirem, assim, uma extraordinária complexidade pois a sua importância rege-se por tempos e ritmos sociais distintos, no mesmo espaço físico, construindo desta maneira a identidade própria dos lugares e as suas diferenças entre si. Fundamental à existência urbana é a centralidade da mesma, que porém não se mantém com a mesma configuração de cidade para cidade nem pode afirmar-se 37 38

ROSSI, Aldo (2001) - A Arquitectura da Cidade. Lisboa : Edições Cosmo. GRAFMEYER, Yves (1994) - Sociologia Urbana. Editions Nathan, Paris.

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exclusiva pois a centralidade urbana é diretamente dependente do tipo de sociedade onde está inserida. Nas sociedades contemporâneas tem-se assistido a movimentações de centralidades, deslocando-se estas e dividindo-se por várias outras, destruindo-se assim a centralidade urbana inicialmente existente por ela mesmo, devido à extrema saturação que em in extremis provoca.

Ilustração 5 – "Mapa de densidade populacional da área metropolitana de Lisboa em 1991". (Tenedório, ed. lit., 2011, pág. 124)

O crescimento das cidades provoca assim uma policentralidade de espaço urbano, resistindo apenas a centralidade das decisões, "isto é, o centro que reúne o poder, a riqueza, a informação, o poderio" (Henri Lefebvre39 apud António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 70)40, tendo como efeito que todas as outras se dispersam pela área urbana, diluindo o binómio centralidade-periferia em várias centralidades periféricas41.

39

Henri Lefebvre foi um filósofo marxista e sociólogo francês nascido em Hagetmau no dia 16 de julho de 1901 e falecido a 29 de junho de 1991. Iniciou os seus estudos académicos na Universidade de Paris tendo-os completado em 1920. Realizou estudos referentes ao espaço urbano. 40 FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 41 NOTA DE AUTOR: Como exemplo extremo do que estamos a afirmar consideremos Nova Iorque, cujo centro histórico em Manhattan, apesar de constantemente alterado (e dificilmente poder ser considerado histórico se para tal os edifícios forem o elemento que o define) é o local das decisões económicas e, num sistema neoliberal ser por consequência indireta e simultaneamente o centro de decisões politicas. Divide-se pela área metropolitana, porém, os centros de atração de lazer, de primeira e segunda habitação, de indústria, de nós nevrálgicos de ligações rodo-ferroviárias nacionais e pontes aéreas com o resto da nação, continente e mundo.

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Também

Yves

Grafmeyer

partilha

esta

ideia.

A

sua

visão

é,

pouco

surpreendentemente, a esperada de um sociólogo que ao dividir os fenómenos para o os poder descrever perde a noção da indivisibilidade do tema que aqui estudamos. Segundo ele A cidade é apenas a soma das suas partes. No seu interior, combinam-se actividades e grupos humanos, que não só se justapõem como também são, em larga medida, interdependentes. O fenómeno urbano implica sempre processos, muitas vezes conflituais, de organização desta mesma diversidade. Uma parte do fenómeno urbano liga-se necessariamente com a figura da centralidade. Centralidade do mercado permite e regula as trocas económicas; centralidade do poder que controla, redistribui, e institui as regras de coexistência entre os grupos sociais; centralidade dos dispositivos que organizam a divisão técnica e social do trabalho; centralidade, também, dos lugares de culto, de lazer, e mais geralmente de todos os ‹‹serviços›› 42 oferecidos pela cidade. (1994, pág. 17)

Nas cidades ocidentais o seu desenvolvimento expandiu-se pelo território a partir de núcleos históricos que pode também ser o centro onde estão localizadas as atividades terciárias, para grandes eixos viários ao largo dos quais se agrupam centros predominantemente residenciais. O resultado desta implantação sobre o território são zonas com uma fisionomia particular, são partes autónomas. A disposição de estas partes autónomas na cidade não depende - ou não depende só - das diferentes funções coordenadas e que a cidade necessita; ela depende principalmente do inteiro processo histórico da 43 cidade (...)(Aldo Rossi, 2001, pág. 93)

e, assim, "a existência de uma rede terciária complexa e polinuclear" (Aldo Rossi, 2001, pág. 93)44. As policentralidades que se espalham pelo espaço urbano não correspondem à soma da totalidade dos centros decisivos, nem da capacidade de decisão. Não são, sequer, graus diversos de participação cívica mas sim diversas e díspares modalidades de consumo. Não sendo assim responsáveis por um adensamento nem extensão das relações sociais, demitem-se do papel de ser palco físico privilegiado destas necessidades humanas. Segundo defende António Teixeira Fernandes é em função destas policentralidades que se deve definir o espaço urbano e o urbanizado, nas suas linhas e nós, os quais

42

GRAFMEYER, Yves (1994) - Sociologia Urbana. Editions Nathan, Paris. ROSSI, Aldo (2001) - A Arquitectura da Cidade. Lisboa : Edições Cosmo. 44 idem 43

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são eles próprios formas próprias de centralidade (1992, pág. 71)45. Deste modo, quando definimos a realidade urbana pela dependência em relação ao centro, podemos considerar, seguramente, os subúrbios como sendo urbanos pois estes existem em direta dependência da cidade à volta da qual se estabelecem46.

Ilustração 6 – “Levittown, Long Island, subúrbio de Nova Iorque” (Lambert, 2004)

Temos, assim, o paradoxo de uma urbanização desurbanizada e desurbanizante já que a periferia é-o tanto geograficamente como socialmente, provocando deste modo não só uma descontinuidade entre o tecido urbano como também uma ruptura entre duas realidades distintas, manifestada na "(...) tendência, por vezes, a distribuir o espaço de acordo com as diversas funções sociais exigidas pela comunidade (trabalho, habitação, educação, tempos livres, etc.), mas também em harmonia com a diferenciação que resulta da divisão da sociedade 47 em classes." (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 71)

pois estas ocupam, usam e transformam o espaço de maneiras diferentes, criando identidades e simbologias próprias. Yves Grafmeyer partilha uma opinião semelhante pois afirma que

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FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 46 NOTA DE AUTOR: Se analisarmos a área metropolitana de Lisboa facilmente compreendemos o que António Teixeira Fernandes defende. Em algumas das localidades da área metropolitana é bastante claro que são subúrbios urbanizados pela dependência a Lisboa (como Odivelas, Loures ou a Amadora). No entanto tal clareza já não é tão forte em casos como Cascais, Oeiras, e variadas localidades a sul do Tejo, pois estas apesar de se situarem na área metropolitana, têm uma centralidade própria que lhes legitima uma existência quase independente da cidade nuclear, pois são polos industriais, turísticos, comerciais ou militares, não mantendo assim qualquer relação direta a Lisboa excepto as ligações ferrorodoviárias e náuticas. 47 FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02

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Qualquer que seja a maneira como a definimos, a segregação é sempre, ao mesmo tempo, um facto social de distanciação e separação física. Encontra-se na tensão entre 48 estas duas ordens de realidades. (1994, pág. 51)

Estas características são mais profundas quanto maior for a separação social e segregação social entre elas, estigmatizando por norma as classes mais desfavorecidas49.

Ilustração 7 – “Ghetto de Kovno, Kaunas, Lituânia”, 1941 (Holocaust research project, 2012)

Ilustração 8 - "Favela e condomínio de luxo, São Paulo, Brasil" (Vieira, 2002)

Podemos concluir que o processo de secularização da sociedade traduziu-se progressivamente em desterritorialização, eclipsando a relação sacro-profana mas mantendo as centralidades como modo de representação do espaço, caminhando no sentido

de

estas

se

multiplicarem

em

policentralidades,

especialmente

na

diferenciação e segregação social.

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GRAFMEYER, Yves (1994) - Sociologia Urbana. Editions Nathan, Paris. NOTA DE AUTOR: Nas imagens abaixo podemos verificar duas formas de segregação e estigmatização: na primeira imagem segregação de minorias religiosas por parte da classe governativa. Na segunda o poder económico segrega a população, não mudando o lugar mas sim a qualidade de vida. 49

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2.2.3 RELAÇÃO INTERIOR-EXTERIOR A uma escala menor, a apropriação do espaço pelo ser humano reveste-se de uma mais rica relação que as anteriores. Psicológica e socialmente a relação interiorexterior é o binómio que mais profundamente atinge o âmago do Homem, pois remetenos para o espaço da intimidade pessoal e, consequentemente, o da habitação. Este modo de diferenciar e catalogar o espaço tem a sua base na noção de espaço próprio, possuído e defendido contra a adversidade exterior. Assim, a habitação, casca da intimidade própria de cada um, é a imagem da topografia do nosso ser intimo e uma das principais células constituintes da cidade. Falar de casa é, então, penetrar no espaço do escondido e da intimidade, onde o homem se encontra como ser nas suas mais diversas dimensões" (António Teixeira 50 Fernandes, 1992, pág. 72) .

O ser humano tem a necessidade de alterar o mundo que o rodeia de modo a torná-lo mais aprazível, seguro, confortável e significante, e sendo a habitação o domínio de cada um, reflete a extensão espacial do nosso ser, da nossa história. Os objetos com os quais ocupamos o lugar onde habitamos, espelham a história da nossa vida através da referência direta ou indireta a memórias que nos recordam e despertam sentimentos e emoções de alegria e de tristeza; euforia e melancolia; dor e bem estar. A casa contém nossos sonhos e conquistas. A vida e compreensão do "Eu" é intrinsecamente dependente da memória e, assim, dependente também da casa, o que a torna essencial ao homem para se descobrir, perceber e construir a sua identidade. A par da evolução da sociedade que se alterou de uma indivisível sacralidade para uma crescente secularização, foi-se perdendo a profunda relação que possuía com a identidade individual dos indivíduos que a constituem. 51

E. Doyle McCarthy (1984:105-21) proposes four propositions that would logically extend to architecture: (1) physical objects play a central role in constituting and 50

FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 51 E. Doyle McCarthy é professora de sociologia na Universidade de Fordham. A sua formação académica iniciou-se com um B.A. em Marymount, um M.A. na New School e um Ph.D. em Fordham. Desenvolveu trabalhos em teoria sociológica, na área de conhecimento e cultura e no campo interdisciplinar de emoções humanas. Foi Editora Senior da revista International Journal of Politics, Culture and Society (entre 1996 e 2000) e é atualmente membro do Comité Executivo da Sociedade Internacional para pesquisa em Emoções (ISRE)

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maintaining the self; (2) physical objects provide the self with a stable and familiar environment; (3) the acts of touching and grasping physical objects play a central role in our reality construction and maintenance; and (4) the self's relationship with the physical 52 world is a social relationship (Ronald W. Smith, Valerie Bugni, 2006, pág. 126)

A casa tradicional, cuja composição geralmente continha sótão ou subterrâneos, possuía nestes espaços de ocasional e rara vivência, sítios de armazenamento de objetos significantes de memórias esquecidas mas não abandonadas, o lugar onde ainda é possível voltar às lembranças do passado. "São, em certas circunstâncias, lugares de refúgio e a sua penetração põe em contacto com o mais secreto da vida" (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 73)53 e, por isso, somos confrontados com uma ligação entre o espaço físico da casa, sua estrutura, e o espaço psicológico do inconsciente e a estrutura psíquica de cada um de nós na projeção de memórias e estados de intimidade.

Ilustração 9 - "Casa tradicional de Lebução, Portugal" (Gomes, 2009)

Ilustração 10 - "Edifícios de habitação em Setúbal, Portugal" (Ilustração nossa, 2011)

"A habitação transforma-se assim em lugar privilegiado do onírico e do imagético" (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 73)54. Compreende-se portanto que a habitação não se resume ao espaço físico que ocupa, mas expande-se para a dimensão do psiquismo humano que, para garantir a sua própria existência, encontra 52

(SMITH, Ronald W., BUGNI, Valerie (2006) - Symbolic Interaction: theory and architecture, Faculty Publications Volume 29 Issue 2, University of California Press.) E. Doyle McMcarthy (984:105-21) propõe quatro preposições que logicamente se estendem à arquitetura: (1) objetos físicos têm um papel central na constituição e manutenção do Eu; (2) objetos físico providenciam o Eu com um ambiente familiar e estável; (3) o ato de tocar e agarrar objetos físicos têm um papel central na nossa construção e manutenção da realidade; e (4) a relação do Eu com o mundo fisico é uma relação social (Tradução nossa) 53 FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 54 idem

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no imaginário não só a defesa que necessita contra forças adversas como também o lugar privilegiado de acolhimento das necessidades e aspirações individuais. A casa tradicional devido à conexão entre esta e o individuo que a habita, pois Dans l'art de l'architecture, la maison est sans aucun doute la meilleure chose au sujet des coutumes, des goûts et des usages d'un peuple, leur ordre, leur distribution, ne 55 change pas, sauf par de longs intervalles. (Émile Benveniste, 1969, pág. )

Carrega nela própria parte da intimidade humana sendo consequentemente o sitio onde o individuo se descobre e onde, em necessidade ou desejo, regressa em busca de proteção tanto física como psicológica56. A carga poética que tão profundamente estava sincronizada entre ser humano e habitação foi-se perdendo com a complexificação da sociedade à medida que esta se foi alterando, descaracterizando e mediocrizando o meio ambiente em prol de uma maior organização. A construção começou a ser cada vez mais produzida em série em prol de uma maior rapidez e economia construtiva e, assim, a personalização característica da casa tradicional foi-se perdendo, banalizados que foram os meios urbanos e rurais. Esta tendência de estandardização e homogeneização é, no entanto, contrária à natureza humana, pois o ser humano aparenta ter a necessidade de se diferenciar entre si, tanto individualmente como também extrapolando-a aos ambientes de trabalho, residência e lazer. A alteração do paradigma da habitação (e de todo o meio urbano) acarreta a consequência direta de o Homem perder gradualmente a consideração que tinha pela sua intimidade, perdendo por isso também a importância da própria casa. Esta passa a significar um ponto de passagem, um lugar onde se está durante breves momentos antes de se prosseguir com a vida em outro qualquer lugar. Esta consideração partilha-a António Teixeira Fernandes ao escrever "Habitar deixou de ser um ato poético. 55

(BENVENISTE, Émile (1969) - Le Vocabulaire des Institutions Indo-Européennes, 2. Pouvoir, Droit, Religion,)Na arte da arquitetura, a casa é, sem dúvida, o que melhor caracteriza os costumes, os gostos e os usos de um povo; a sua ordem, como a sua distribuição, não se modifica senão em intervalos muito longos. (Tradução nossa) 56 NOTA DE AUTOR: Como prova do que afirmamos podemos considerar a tendência que as pessoas têm, na generalidade, em refugiar-se em casa após acontecimentos traumáticos como violações, fobia de multidões, depressões ou assaltos violentos.

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Ilustração 11 - "Edifícios de habitação na Amadora, Portugal. Repetição de torres habitacionais". (Caneira, 2012)

A habitação citadina atual, em que domina a horizontalidade, falta-lhe profundidade e sentido de intimidade e do refúgio." (António Teixeira Fernandes, 1992, pág.75)57. O Homem, porém, não vive sem si mesmo. Por isso, segundo o sociólogo acima citado, precisa hoje e sempre de se descobrir na sua intimidade psicológica, recorrendo ao espaço que habita para nele o conseguir. Assim, deseja nas cidades que crescem exponencialmente, constrangedoras e ruidosas, sentir respondida a nostalgia de lugares mais privados e íntimos, relações mais discretas, zonas mais secretas, lugares mais recônditos, territórios pessoais que fazem parte da natureza humana. O Homem, na sua eterna demanda por uma sociedade (necessariamente) mais funcional e eficaz, negligenciou o quão a privacidade e segredo propiciam a si mesmo um sentido de transcendência que se foi perdendo na transparência que ocorre com a transformação de espaços cada vez mais públicos. A necessidade humana de expandir a sua existência para uma dimensão não física verifica-se na quantidade de população que adquire segundas habitações em lugares mais recônditos e rurais em detrimento dos meios urbanos onde normalmente habita, retornando assim, atualmente, "(...) à casa como centro à volta do qual se articulam as

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relações sociais das pessoas e que, na sociedade tradicional, eram bem frequentes" (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 76)58. Importa referir que é necessário olhar para estas afirmações com uma atitude critica. O ser humano, apesar de se reger por alguns padrões, não é generalizável ao ponto de se poder afirmar com a segurança com que o sociólogo o faz. Sabemos que recorrendo ao conhecimento empírico que todos nós adquirimos durante o decorrer da nossa vida, ou simplesmente devido ao bom senso, que a relação das pessoas com o espaço depende tremendamente da suas experiencias pessoais, da sua educação e dos seus próprios gostos (entre outros factores, inúmeros para os referir a todos aqui), e que portanto existem pessoas para as quais o ruído e a falta de intimidade não são problemas. Pessoas para quem os segredos ou a privacidade que o sociólogo aparenta tanto estimar são dispensáveis ou até indesejados. O facto de António Teixeira Fernandes considerar que a relação com a habitação tradicional era mais adequada ao ser humano, não pode ser aceite como verdade absoluta, uma vez que ela não respeita a interminável variedade de desejos humanos nem modos de vida, satisfazendo apenas um estereótipo de personalidade que o sociólogo considera aquele que se adapta à humanidade na sua generalidade. Ao escutarmos a opinião de um outro sociólogo, Yves Grafmeyer, podemos compreender que esta tendência enganadora da sociologia de generalizar os comportamentos humanos derivados do meio onde habitam se mantém, pois ele diz: Precisamente devido à multiplicidade dos contactos ocasionados pela vida na cidade, as relações sociais tendem a tornar-se anónimas, superficiais e efémeras. A reserva nas trocas, a preservação da intimidade transformaram-se em condições da interação. Em oposição aos laços interpessoais que unem estreitamente os membros do ‹‹grupo primário›› do tipo aldeão, os cidadãos mantém de preferência relações ‹‹secundárias››, isto é segmentadas, transitórias e marcadas pelo utilitarismo. (1994, pág. 21)

Parece-nos impossível fazer esta diferenciação. Estes sociólogos parecem esquecerse de que nas aldeias a relação que estas pessoas mantém com estranhos tem a características das ‹‹relações secundárias›› (segmentadas, transitórias e utilitaristas). Sabemos dos conflitos que existem por causa de terrenos e partilhas por exemplo, por vezes fatais, entre membros da própria família. Ignoram conscientemente as relações complicadas que muitas vezes existem com minorias étnicas ou culturais (como por 58

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exemplo com a etnia cigana). O espaço rural não é garantia de que as pessoas mantenham relações mais fortes, duradouras ou sinceras. Nas cidades podemos facilmente encontrar exemplos de ‹‹relações primárias››, visíveis em amizades formadas nos primeiros anos de vida que se mantém até à idade adulta, relações entre o pequeno comércio e a população, ligações afetivas às pessoas que habitam o mesmo bairro, entre muitos outros exemplos, demais para aqui os enumerar. O facto de tão facilmente encontrarmos casos onde o que é defendido pelos sociólogos ser falso e, irrefutavelmente, os contradizer, demonstra o quanto cuidado e espírito critico é necessário ter quando lemos estas considerações. Diz-nos Steen Eiler Rasmussen que Quando Le Corbusier projetou suas casas na década de 1920, muitas pessoas não conseguiram ver nelas nada de especial. Viam que alguma coisa tinha sido construída, mas eram incapazes de perceber nisso como uma forma articulada. Esperavam que a arquitetura formasse sólidos ou cavidades e, como não viam uma coisa nem a outra naqueles edifícios e como, além disso, ele dissera que uma residência era uma máquina onde se pudesse viver dentro, concluíram que as casas de Le Corbusier não tinham forma estética mas apenas resolviam certos aspetos técnicos. Assim, as pessoas foram incapazes de ver o mais artístico experimento em arquitetura realizado 59 nessa década. (2002, pág. 105)

A partir desta citação facilmente percebemos o paralelismo entre as cidades de hoje e as obras de Corbusier. Se é certo que muito se tem feito de mau e errado, também é certo que o contrário é verdadeiro, sendo por isso arriscado generalizar como a visão sociológica anteriormente descrita faz. A luz, ou a ausência desta, revêm-se também de consequências sociais e alteram a nossa relação com o espaço construído. Como sucintamente António Teixeira Fernandes sintetiza A actividade diurna visiviliza melhor as barreiras do status social. O dia e a luz estão associados à transparência. Na noite, mesmo quando iluminada, toda a miséria é apagada ou removida do olhar, ainda que apareça como mais pesada (1992, pág. 60 76) .

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RASMUSSEN, Steen Eiler (2002) - Arquitetura vivenciada. Martins Fontes, São Paulo idem

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Podemos por isso considerar que de dia, a sociedade diurna, é o mundo em que a vida agitada e social acontece, em que a introspeção é praticamente inexistente e o mundo ocorre rapidamente sem oportunidade para demoradas reflexões. Opõe-se a noite: regressa-se ao silêncio, à possibilidade da intimidade e, em contradição ao dia, a solidão61.

Imagem 12 - "Praça do Bocage, Setúbal, de dia" (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 13 - "Praça do Bocage, Setúbal, de noite", FTGouveia, 2008. (FtGouveia, 2008)

Nas culturas ocidentais observa-se o fenómeno da alteração da relação concreta com o espaço para uma relação abstracta. Numa relação concreta com o espaço é possível claramente opor espaço interior ao espaço exterior (contrastando o interior, lugar onde se pode e deve Ser pessoal e individualmente, ao exterior onde devem ocorrer os contactos sociais, onde se evita demasiada abertura ao íntimo de cada um). Numa relação abstracta tal facilidade não é possível, pois este abstracionismo implica "uma multiplicidade de lugares, como realidades homogéneas e permutáveis" (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 76)62. Se na primeira é possível através da forte identidade do grupo um grande nível de controlo sobre o exterior, e estabelecer com segurança até onde este pode influenciar o interior, na segunda, devido a uma muito mais débil identidade comum esta possibilidade de controlo é reduzida. Verificamos que nas classes média e alta se encontra uma identidade própria coexistente com a relação abstracta com o espaço no qual habita mas nas classes populares e/ou baixas tal facto não se verifica,

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NOTA DE AUTOR: Há, naturalmente, lugares onde esta diferença entre a ocupação diurna e noturna não se verifica deste modo, mas no entanto existe ainda uma distinta relação com o espaço. Como exemplo do que afirmamos, podemos analisar as áreas onde habitualmente se situam os estabelecimentos de diversão noturna. Aqui, à noite não há lugar para o silêncio ou introspecção e, pelo contrário, socializa-se e a vida decorre com grande agitação. 62 FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02

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predominando uma relação concreta com o espaço típica de meios rurais ou tradicionais, contribuindo assim para a construção e controlo da identidade tanto das classes como dos lugares que habitam. Sobre este assunto Aldo Rossi chama-nos a atenção para a confirmação de diferentes classes dentro das cidades e conflitos entre estas através de "A forma dos lotes de uma cidade, a sua formação, a sua evolução, representa a longa história das classes profundamente ligadas à cidade (...)" (2001, pág. 63)63. O mesmo autor justifica ainda a sua posição ao referir Jean Tricart64: "(...) foi dito, muito lucidamente, por Tricart, que a análise do conflito no desenho dos lotes confirma a existência da luta de classes" (Aldo Rossi, 2001, pág. 63)6566. Diferentes classes e identidades reivindicam necessidades e exigências diferentes, e estas alteram-se conforme se expõem em meios próprios ou públicos. Nos primeiros o grupo manifesta autonomia e a sua identidade, nos segundos a tendência é para a neutralidade, excepto quando a visibilidade dos diferentes status sociais é tão forte que potencia o conflito entre elas. Vemo-nos assim perante uma descontinuidade do espaço-social que não significa nas diversas partes uma maior densidade ou multiplicação das socializações internas das mesmas, significa sim mais vulgarmente a mono-funcionalidade de um espaço e a criação de sentimentos de exclusão social. Constata-se que diversos grupos sociais, com enormes diferenças educacionais, culturais, sociais e financeiras justapõem-se uns aos outros, intensificando-se as relações entre eles dependendo das classes em questão, observando-se uma maior intensidade nas classes mais baixas.

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ROSSI, Aldo (2001) - A Arquitectura da Cidade. Lisboa : Edições Cosmo. Jean Tricart foi um geógrafo francês nascido em 16 de setembro de 1920 na localidade de Montmorency e falecido a 16 maio de 2003 em Estrasburgo. A sua área de especialização foi a geomorfologia. 65 idem 66 NOTA DE AUTOR: esta luta de classes, ou a sua diferenciação visível no urbanismo e na apropriação espacial, é bastante explicita quando analisamos as mudanças a que a Europa foi sujeita no período do séc. XVIII até aos dias de hoje. Com o advento da revolução agrária e industrial, o poder de facto passa para o controlo da burguesia enriquecida, sendo a influência da aristocracia cada vez mais irrelevante (até ao seu colapso como classe governativa, passando para um papel representativo do Estado nas monarquias ocidentais atuais). Esta alteração do paradigma socioeconômico traduziu em termos espaciais uma profunda mudança de nações rurais (inalteradas durante pelo menos cinco séculos de absolutismo aristocrático) para industrializadas (controladas até hoje por burguesia capitalista). Ver FRAMPTON, Kenneth (2003) - História Critica da Arquitetura Moderna. pág. 13-23. 64

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António Teixeira Fernandes, citando Georg Simmel67, afirma: "talvez não haja nada que manifeste tanto a força de coesão, sobretudo do Estado, como esta centripetidade sociológica, esta coerência (...) das personalidades dentro de 68 uma fronteira que as determina claramente"

sendo a fronteira, física ou psicológica (sendo comum que sejam ambas) aquilo que cria reações de defesa ou ofensa.

Ilustração 14 - "Favela de Mumbai, Índia" (Newell, 2007)

Ilustração 15 - "Sul de Mumbai, bairro mais rico da cidade. Índia" (Shah, 2010)

Devido à criação de fronteiras (graças à descontinuidade do tecido urbano e à diferença de classes que não raras vezes lhe é associada) a segregação não costuma ser compreendida como um processo de marginalização pelos marginalizados mas élhe dada, invés disso, uma conotação positiva ao criar nestes grupos a ideia de posse, controlo e domínio sobre determinado território, sendo imperativa a defesa do mesmo contra quem lhe é exterior69.

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Georg Simmel nasce em Berlim a 1 de março de 1858 e viria a falecer em Estrasburgo a 1 de setembro de 1918. Foi professor universitário e sociólogo. 68 FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 69 NOTA DE AUTOR: Tanto grupos sociais com mais poder económico como os menos favorecidos criam estas "fronteiras" de defesa contra quem é exterior ao seu grupo. Este facto é perceptível na tendência crescente das classes abastadas fecharem-se ao resto do mundo em condomínios privados, vivendo na suposição que dentro dos muros dos mesmos estão protegidos dos perigos do mundo exterior. Classes menos abastadas criam comunidades muito fechadas entre si onde não é rara a violência para quem não pertence às mesmas, pressentindo nos forasteiros intenções negativas. Em alguns casos criam mesmo barreiras e obstáculos para impedir a entrada de veículos policiais.

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Ilustração 16 - "Distúrbios nas London riots provocadas pelo homicídio de um jovem de um bairro degradado após provocações deste à polícia." (BBC, 2011)

Sob esta relação com o espaço podemos perceber como a habitação de populações menos afortunadas, mesmo que insalubre e degradada, continua a significar para os seus habitantes refúgio do reboliço citadino, lugar de intimidade familiar e zona de conforto e segurança onde se controla a vida íntima em contradição com a esfera do incontrolável da atividade profissional e urbana. É, na verdadeira acepção da palavra, "a sua casa" e só por si não desencadeia sentimentos e ações de revolta ou reivindicação. Apesar de a descontinuidade urbana ser potenciadora de conflito pela visibilidade da diferença entre classes e condições de habitabilidade, também cria o domínio do espaço próprio e por consequência satisfação, ligada à sensação de autonomia que estas populações experienciam, o que usualmente basta para evitar conflitos. Próprio do ser humano e, portanto, também da vida em meio urbano, é o contacto constante entre vários indivíduos, gerando aversões e simpatias, indiferenças e solidariedades. As pessoas criam naturalmente entre si espaços vazios e "desertos" de interação social, essenciais no nascimento de ilhas de proximidades, onde têm lugar sentimentos de pertença e aproximação social por contradição ao afastamento presente no espaço que as separa. Compreendemos assim as fronteiras e limites que se criam entre grupos distintos no mesmo espaço, onde os limites não são um facto espacial com efeitos sociológicos mas sim um facto sociológico com forma espacial.

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Se há "(...) autant de manières de représenter l'espace qu'il ya de groupes" (Maurice Halbwachs70, 1950, pág. 166)71, também é verdade que organizamos o espaço de acordo com a maneira como concebemos a vida. Este sociólogo tem a mesma opinião do arquiteto Steen Eiler Rasmussen que afirma que Se acreditarmos que o objeto da arquitetura é fornecer uma moldura para a vida das pessoas, então os cômodos em nossas casas e a relação entre eles devem ser determinados pelo modo como viveremos e nos movimentaremos neles Na China antiga, o Imperador era também o sumo sacerdote que fazia as oferendas oficiais das quais se acreditava depender o bem-estar do país. Esse papel estava claramente expresso no plano e estrutura de toda a capital. Pequim estava monumentalmente disposta em torno de uma grande avenida processional que atravessa a cidade em linha recta, desde o grande salão do trono do palácio imperial 72 até ao Templo Celestial.(2002, pág. 143)

Ilustração 17 - "Ilustração do núcleo histórico de Évora, Portugal" (Couvinha, 1993)

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Maurice Halbwachs nasce em Reims a 11 de março de 1877 e falece a 16 de maio de 1945. Sociólogo francês da escola Durkheimiana que escreveu uma importante tese sobre o nível de vida dos operários e uma obra sobre o conceito de memória coletiva (que ele próprio criou). 71 (HALBWACHS, Maurice (1950) - La Mémoire Collective, Albin Michel.) "(...) tantas maneiras maneira de representar o espaço como há de grupos" (Tradução nossa) 72 RASMUSSEN, Steen Eiler (2002) - Arquitetura vivenciada. Martins Fontes, São Paulo

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É por esta mesma razão que ao deixar de construir a sua própria habitação, o Homem perde o sentido de morada. No passado, esse sentido de morada era tão profundo que a sua construção e posterior passagem a espaço habitado era quase sempre acompanhado de cerimónia religiosa, tal como era a própria cidade.

Ilustração 18 - "Mapa de Nova Iorque, E.U.A. em 1807", The Commissioner's plan for New York" (Junior, 1807-11)

A relação tão intrinsecamente pessoal para com o lugar construído que se habita perdeu-se a partir do momento em que as cidades mercantis entraram em cena. A cidade que até aí se construía, pensava-se a si própria e significava-se por si mesma, passa a ser considerada objecto, pois é edificada por alguém ou por ordem de uma instância qualquer que não os seus habitantes ou autoridades da cidade, individual do resto do Estado ou Nação. Esta opinião é partilhada pelo arquiteto Steen Eiler Rasmusen ao afirmar que Antigamente, toda a comunidade participava na construção das moradias e dos seus implementos. O individuo estava em fecundo contato com essas coisas; as casas eram construídas com um sentimento natural em relação ao lugar, aos materiais e ao uso, e o resultado era uma edificação agradável aos olhos e perfeitamente adequada. Hoje,

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em nossa sociedade altamente civilizada, as casas onde as pessoas comuns estão condenadas a viver e que são forçadas a contemplar, em geral, são desprovidas de qualidade. Não podemos, entretanto, retornar ao velho método de artesanato supervisionado pessoalmente. Devemos nos esforçar por avançar, tendo interesse pela 73 obra que o arquiteto realiza e procurando compreendê-la. (2002, pág. 3)

A consequência direta de pensar e construir o espaço urbano para alguém que não nós próprios74 foi a edificação de habitações em série, destruição de casas ou quarteirões sob ordem de critérios urbanísticos nem sempre compreensíveis, e mais recentemente a manutenção da fachada de edifícios antigos alterando por completo o seu interior, sendo por isso nada mais que uma falsa memória do que foi, pois "o exterior perde o seu sentido se a ele não corresponde uma dada estruturação do espaço interior de acordo com a sensibilidade própria de cada camada social." (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 79)75

Ilustração 19 - "Pormenor do Plano de Haussman, Paris. Visível a malha medieval da cidade e alteração viária que a transformou" (Benevolo, 1983, pág. 393)

Ilustração 20 - "Palácio residencial da época do Império Austro-Húngaro, transformado em escritórios e comércio." (Ilustração nossa, 2010)

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RASMUSSEN, Steen Eiler (2002) - Arquitetura vivenciada. Martins Fontes, São Paulo NOTA DE AUTOR: A habitação social tem-se revelado em variados lugares, projetos e edifícios falhados na medida em que as populações que os vão posteriormente habitar têm um comportamento perante o edificado profundamente diferente do que acontece com a habitação adquirida com meios próprios. Parece-nos que tal se prende com o facto de que esta habitação não é escolhida pelos seus habitantes, é-lhes preferível habitualmente apenas porque é a alternativa decente, estas suas casas não são desejadas mas sim uma consequência da sua fragilidade económica. Curiosamente, quando se retira a vertente assistencialista da habitação social, ela parece resultar; no Chile o bairro da Quinta Monroy, em Iquique foi construído de um modo bastante peculiar: as casas contém apenas as divisões essenciais, e a população vai aumentando e melhorando a própria habitação à medida das suas possibilidades. Isto resultou num bairro onde os habituais problemas dos bairros sociais não se verificam. 75 FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 74

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As casas carregam uma dimensão psico-cultural e valor simbólico, ideias, desejos, sentimentos, proporcionam memórias e alegrias, tristezas e dúvidas, irão conter histórias de vida e, por isso, a distribuição dos seus espaços interiores, a sua forma, áreas, materiais, toda a arquitetura das mesmas deveriam obedecer às exigências dos grupos que as habitarão (e, desejavelmente, de cada pessoa que a habitará). No momento em que é construída, é o resultado da concepção do mundo e do estilo de vida do grupo que lhe deu origem.

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2.2.4 RELAÇÃO PRIVADO-PÚBLICO Dependendo se o espaço é público ou privado, a apropriação e caraterísticas dos mesmos diferem. Este binómio, tal como os outros aqui estudados, foram progressivamente alterando-se à medida que a própria sociedade sofria os efeitos do tempo. Na idade média construíram-se castelos, catedrais e mosteiros, pois estes eram as construções que albergavam as instituições que governavam e guiavam os homens; na época barroca os palácios eram a realização física dos desejos de grandiosidade de quem os pagava. Bolsas, Bancos Nacionais e Câmaras de Comércio revelaram-se as catedrais do nascimento do capitalismo que hoje, a par do neoliberalismo, tem as suas instituições organizadoras da vida do homem nos bancos, centros de negócios, escritórios e toda a infraestrutura que os suportam. Também a distribuição populacional se transformou: das cidades medievais apinhadas e de ruas estreitas onde serviços e habitação tinham uma distribuição adequada para a época, onde caminhavam lado a lado ricos e pobres, caminhamos agora no sentido de classes sociais viverem em bairros separados entre si, numa cidade onde habitação serviços e comércio estão reféns de um zonamento que cria êxodos de uma zona para outra, conforme as horas do dia. Parece assim ser intenção repropor-se comunidades não urbanas, apartadas, quase resguardadas da cidade, dobradas sobre si mesmas e sobre a vizinhança em que a imagem arquitectónica, fortemente plástica, procurava acentuar com violência os efeitos urbanos; ainda as densidades baixas, depois renegadas, das primeiras new-towns; por fim experiências de novos conjuntos residenciais, como as propostas de Smithson, Lasdun e os blocos 76 de Sheffield. (Aldo Rossi, 2001, pág. 121) .

O espaço privado é o resultado da apropriação de espaço, é esta ação que o torna um lugar familiar, íntimo, próprio; o espaço público pelo contrário é o lugar de todos, onde persiste acima de tudo o anonimato e a massa indiferenciada de pessoas. Entre esta relação público e privado "constrói-se uma triplice dialéctica: do próprio e do alógeno, do escondido e do manifesto, do particular e do geral" (António Teixeira Ferreira, 1992, pág. 85)77. Onde há secretismo num existe publicidade no outro, onde um é fechado e reservado o outro e acessível e transparente.

76

ROSSI, Aldo (2001) - A Arquitectura da Cidade. Lisboa : Edições Cosmo. FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 77

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Existem assim duas concepções distintas de apropriação espacial onde o processo de privatização ocorre simultaneamente ao desenvolvimento da esfera pública, reforçando e complementando-se uma à outra, e "É na relação contrastante destas duas distintas apropriações do espaço e consequentemente arquitecturas também elas distintas que reside o valor do Locus" (Aldo Rossi, 2001, pág. 32)78. Ainda no que respeita às diferentes apropriações espaciais consoante as classes, o ordenamento urbano submete-se a uma estratégia de classes, pois a arquitetura a partir da qual ele se materializa, rápida e facilmente se transforma em símbolos e sinais das diferentes classes. Tomamos assim consciência d' "a cidade como projeção da sociedade sobre o terreno" (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 86)79. Yves Grafmeyer partilha esta ideia ao considerar que Os modos de sociabilidade (...) variam conforme a posição no ciclo de vida, segundo o estatuto social, e também segundo a dimensão do aglomerado. Estas diversas determinantes interagem na forma como se opera a partilha entre lugares privados e 80 lugares públicos para o exercício de uma mesma actividade (1994, pág. 111)

Ilustração 21 - "Malá Strana, centro histórico da cidade de Praga, República Checa," (Ilustração nossa, 2011)

Ilustração 22 - "Panelaks, num subúrbio de Praga, República Checa". (Mwalcoff, 2004)

Ao estudar uma cidade podemos perceber as relações de inclusão e exclusão patentes nas diferentes estratégias de distinção entre as classes que as criaram, sendo visível o modo como a sociedade socializa e a segregação generalizada que nela acontece81. Esta é predominantemente perceptível por via das diferenças 78

ROSSI, Aldo (2001) - A Arquitectura da Cidade. Lisboa : Edições Cosmo. FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 80 GRAFMEYER, Yves (1994) - Sociologia Urbana. Editions Nathan, Paris. 81 NOTA DE AUTOR: Ao analisarmos o desenho de urbanizações sociais e de luxo confirmamos o que afirmamos. Enquanto que nos lugares para classes mais abastadas abundam os espaços verdes, de lazer e serviços variados, nos lugares para populações desfavorecidas impera a alta densidade 79

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económicas e opções politicas, sendo este poder o que define o modo como o espaço pode ou não ser ocupado. O espaço das cidades é (enquanto espaço social) uma representação ideológica do espaço e da sociedade que o constrói e tende por isso a revestir-se de simbologias que afectam e moldam o imaginário colectivo. Os centros urbanos transformam-se num espaço público onde a monumentalidade dos edifícios que os definem têm significado simbólico através da evocação do tempo, do poder e das suas dimensões. Com o decorrer do tempo nas sociedades modernas, estes lugares tornaram-se progressivamente em espaços de espetáculo, são local de ostentação e oferta dos bens de consumo que a sociedade deseja, onde acontece mais duramente o fascínio por aquilo que não se possui e se mostra o que se tem, onde as diferenças de classe se desvanecem pois as contradições da sociedade resolvem-se pela anonimidade da multidão. Nestes lugares de centralidade urbana o imaginário é satisfeito ou frustrado. Sendo a cidade o espaço da civilização e da luz, as ruas dos seus centros oferecem produtos e serviços de consumo individual e colectivo (apesar de possuir bolsas de ruralidade e pobreza), contrariamente às dos lugares de características rurais que submetidos à natureza oferecem os ritmos do mundo e não do homem, padecendo na generalidade de uma maior pobreza económica.

Ilustração 23 - "Loja da Prada, na 5ª Avenida, Nova Iorque, E.U.A." (Leggett, 2010)

habitacional, a ausência dos espaços qualificados é notória. Tal facto contribui incisivamente para a exclusão social da população desfavorecida.

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Através da teatralização inerente aos centros urbanos da sociedade atual, são lugares onde há uma apropriação do espaço por todos na medida em que são, predominantemente, espaços públicos. Aqui, cada um privatiza-o pela deambulação e imaginário pessoal, e onde se verifica "(...) o sentimento de se estar na própria casa" (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 89)82. Acontece uma ritualização por parte das pessoas que habitam estes espaços públicos, que também se verifica em relação aos bairros, processos repetitivos do quotidiano e costumes que permitem às populações e classes dominar o meio ambiente. Ao ritualizarem-se estas pequenas coisas e detalhes da vida de cada um, permite-se a identificação e identidade de classes e populações especificas de um modo metafísico que dificilmente se controlam ou quantificam através de processos racionais de ordenamento territorial. Estão profundamente associados a ritmos de vida, dados coletivos e regularizações de comportamentos e relações sociais que são, na verdade, o que confere à cidade o seu caráter. Verifica-se, por exemplo, que quando se desagrega um bairro social normalmente também se desagregam as relações comunitárias antes estabelecidas, sendo também notório que quando populações vivem em lugares de habitação de alta densidade dificilmente criam rapidamente raízes em novos lares de habitação de baixa densidade (Aldo Rossi, 2001, pág. 121)8384. Regulariza-se e dá-se sentido, deste modo a algo complexo e de difícil domínio. A vida num espaço partilhado com os outros, conhecidos e desconhecidos, é fundadora da realidade da cidade e, portanto, não desaparece da vida e espaço social com a crescente racionalização e complexidade desta. Configura e permite a coexistência de

82

FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02 83 ROSSI, Aldo (2001) - A Arquitectura da Cidade. Lisboa : Edições Cosmo. 84 NOTA DE AUTOR: Apesar de o exemplo que iremos dar em seguida ser no sentido oposto do que Aldo Rossi explicou, mantêm-se a incapacidade e tremenda dificuldade de adaptação a uma vida e lugar com uma densidade habitacional completamente diferente; Quando o programa SAAL iniciou em Évora a construção do bairro da Malagueira, relembramos o quão falhadas foram as primeiras edificações, pois os seus habitantes vinham de modos de vida e relações com o espaço contrárias à habitação em prédios. Assim, apenas quando o tipo de edifício foi alterado e se passou para habitação de baixa densidade foi possível as populações adaptarem-se (com sucesso variável mas, ainda assim, uma relação muito melhor que a experiência inicial).

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imensos grupos sociais que usam os mesmos espaços dentro de uma conflitualidade aceitável à harmoniosa vivência em sociedade. Sintetizando: A descontinuidade do tecido urbano encontra na ritualização um factor que serve à diminuição da insatisfação e do conflito. Promovendo o domínio do próprio meio, faz desaparecer, nessa mesma medida, o sentimento de exclusão. (Aldo Rossi, 2001, pág. 85 121)

85

ROSSI, Aldo (2001) - A Arquitectura da Cidade. Lisboa : Edições Cosmo.

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2.2.5 RELAÇÃO NATURAL-CONSTRUÍDO A construção do espaço social tem a sua mais visível diferença entre o que é natural e o que é construído, exprimindo-se normalmente entre o campo e as cidades. A industrialização foi o processo humano de alteração territorial que mais rapidamente transformou o mundo, tendo iniciado um largo processo de urbanização que alterou irremediavelmente os ecossistemas onde se implantou e os próprios hábitos da antiga e tradicional vida humana. Segundo Carlo Cattaneo86 apud Aldo Rossi (2001, pág. 49)87 "Aquela terra não é, portanto, obra da Natureza; é obra das nossas mãos, é uma pátria artificial" e, assim, lugar apropriado pelo Homem, apropriado por si. Com a produção industrial os êxodos rurais para as proximidades das fábricas foram cada vez mais vulgares, adensando-se e expandindo-se rapidamente os tecidos urbanos, privando cada vez mais o homem do contacto com a natureza que, anteriormente, lhe estava sempre disponível. Esta reveste-se de valor, para lá do monetário, pois ao estar repleta de vida o homem rural tem a natural tendência de humanizá-la e criar fortes afetividades para com o mundo que o rodeia. A ligação à terra é tão forte e significante para o Homem que, inclusivamente, as propriedades fundiárias são geralmente portadoras de sentimentos e simbologias criadas através da memória da família, indissociável do território que possuem. "O homem, quando em contacto directo com a natureza projecta nela os seus estados interiores" (António Teixeira Fernandes, 1992, pág. 90)88 e, por isso, o valor económico da terra é suplantado pela carga afectiva e sentimentos telúricos que esta providencia. Porém a relação que o ser humano tem para com o espaço natural não se resume no sentimentalismo provocado por memórias ou simbologias. A própria saúde, concentração, performance intelectual e fadiga mental alteram-se pelo simples facto de estarmos em contacto com espaços naturais. (...) turns out that views of natural settings, such as a garden, field or forest, actually improve focus. A study published in 2000 by environmental psychologist Nancy Wells, now at Cornell University, and her colleagues followed seven- to 12-year-old children before and after a family move. (...) They found that kids who experienced the greatest 86

Carlo Cattaneo nasceu em Milão a 15 de junho de 1801, tendo vindo a falecer em Castagnola, na Suiça, em 6 de fevereiro de 1869. Escritor e filosofo. 87 ROSSI, Aldo (2001) - A Arquitectura da Cidade. Lisboa : Edições Cosmo. 88 FERNANDES, António Teixeira (1992) - Espaço social e suas representações. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, série I, vol. 02

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increase in greenness as a result of the move also made the most gains on a standard test of attention. Another experiment demonstrated that college students with views of nature from their dorm rooms scored higher on measures of mental focus than did those 89 90 who overlooked entirely man-made structures. (Emilie Anthes , 2009)

Enquanto que as atividades do mundo moderno (e consequentemente, atividades onde necessariamente estamos em meios urbanos) provocam fatiga mental, a presença do mundo natural tem um efeito relaxante no cérebro humano (Emilie Anthes, 2009)91. À luz deste conhecimento, creio ser pertinente um maior foco na necessidade de criar na arquitetura e planeamento urbano, a presença de tantos quanto possíveis elementos naturais, uma vez que não só a generalidade da população beneficia dela como esta é imprescindível à saúde e bem estar de todos nós.

89

(http://blog.ounodesign.com/2009/05/02/how-rooms-and-architecture-affect-mood-and-creativity/) (...) acontece que vistas de cenas naturais, como um jardim, campo ou floresta, na realidade melhoram a concentração. Um estudo publicado pela psicóloga ambiental Nancy Wells, agora na Universidade de Cornell, e os seus colegas seguiram crianças dos sete aos doze anos de idade antes e depois de uma mudança de habitação. (...) Eles descobriram que os miúdos que beneficiaram de maior exposição ao verde como resultado da mudança também foram os melhores num teste standard de atenção. Noutra experiência demonstrou-se que estudantes universitários cujos quartos de dormitório tinham vistas da natureza tiveram mais sucesso numa medição de concentração mental do que aqueles que apenas tinham vista para estruturas construídas pelo homem. (Tradução nossa) 90 Emily Anthes é uma escritora cujos trabalhos foram já publicados em variadas publicações, entre elas: Wired, Scientific American Mind, Psychology Today, Seed, Discover, Popular Science, Popular Mechanics, Slate, New York, Miller-McCune, Good, Foreign Policy e o The Boston Globe. A sua formação académica consiste em um B.S. em história da ciência e medicina da Universidade de Yale e um M.S. em escrita científica pelo M.I.T.. 91 idem

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2.3 FUNDAMENTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO (RAZÕES E ATOS) Através da Arquitetura e do Urbanismo molda-se a vida das pessoas, influenciando estas simultaneamente o meio que os rodeia. De acordo com os estudos e factos que de seguida serão apresentados, mostrar-se-á como é profunda esta relação entre arquitetura e comportamento social, como foi já comprovada e restando-nos a nós utilizá-la eficazmente para melhoria não só dos espaços que habitamos, da riqueza histórica que de nós apenas depende manter, como também da própria sociedade que somos92. Simultaneamente, desde o início das profundas alterações políticas que vieram mais tardiamente resultar nos maiores e influentes regimes políticos do século XX, a arquitetura foi intencionalmente utilizada como meio de induzir comportamentos, sentimentos, emoções e atitudes na população, isto é: um meio para controlar a sociedade e o modo como esta socializa. Propõe-se assim o estudo da arquitetura destes três regimes e seus aspetos arquitectónicos e sociológicos.

92

NOTA DE AUTOR: Acerca da importância da manutenção urbana e arquitetônica da história de determinado lugar como modo salvaguarda de uma sociedade saudável e harmoniosa com comportamentos sociais aceitáveis é pertinente o caso da cidade espanhola de Badajoz, cujo centro histórico "abandonado" pelas autoridades municipais durante anos se foi progressivamente degradando e tornando o centro principal de tráfico de droga e alta incidência de crimes na cidade; após se ter iniciado a recuperação urbana, tanto de habitações como principalmente do mobiliário urbano e acessibilidades, o lugar tornou-se novamente acessível aos cidadãos. O facto de se ter construído um parque de estacionamento perto do centro histórico e haver a pretensão e apoio das autoridades locais para que este se torne um centro de comércio e serviços permitiu que os elementos criminosos estejam progressivamente a abandonar o local, tendo os que ainda restam adoptado um comportamento menos agressivo e necessitando de recorrer a modos mais subtis de continuar com atividades ilegais. Assim, apesar de a arquitetura não ser o elemento único presente na alteração de hábitos e comportamentos há muito implementados, foi a parte essencial, primordial e visível responsável pelo retorno de parte de uma cidade à sua população.

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2.3.1 SOCIALISMO A arquitetura socialista da antiga U.R.S.S. e dos países da esfera de influência da União Soviética, possui caraterísticas comuns que nos permitem aqui, devido a não levar em conta as suas particularidades e pequenas especificidades regionais e locais, considerar uniforme nas intenções, propósitos, premissas e formas. Durante o século XX, pôde observar-se uma forte politização na arquitetura soviética, de maneira a ideologicamente dar significado ao espaço, especificamente na medida em que na sociedade soviética a ideologia e o simbolismo que representava a mesma, estava patente em praticamente todo o lado, objectivo fundado na tentativa perpétua de moldar um novo homem sob a ideologia comunista. Ao analisarmos os espaços públicos podemos generalizar que (political) meaning is, in this case, doubly accentuated: directly - as a symbolic and multi-layered structure of content (especially visible in memorial monuments and squares, representational objects, etc.), and indirectly - as spaces whose main goal is 93 94 the construction of welfare places (Vaidas Petrulis , 2007, pág. 210)

Existia nestas nações o desejo e a concretização da criação de cidades modernas, representações destes ideais políticos. O modo como esta cidade moderna iria ajudar a criar o homem moderno socialista baseia-se no pressuposto de que "each individual has a variety of competencies in dealing with the building environment" (Vaidas Petrulis, 2007, pág. 211)95. Portanto, pode considerar-se que a relação entre comportamento social e a arquitetura manifesta-se precisamente em como uma pessoa que neste ambiente viva a ele se adapte (embora também se verifique a relação contrária, o que no entanto, neste caso especifico da arquitetura socialista essa influência fosse mitigada por princípios e pressões ideológicas e politicas).

93

Vaidas Petrulis é investigador e professor no Instituto de Arquitetura e Construção da Universidade de Tecnologia de Kaunas. 94 (PETRULIS, Vaidas (2007) - Manifestations of Politics in Lithuanian Architecture. Post-Communist Culture and new Myths, Institute of Architecture and Construction of Kaunas, University of Technology) significado (politico) é, neste caso, duplamente acentuado: diretamente - como uma estrutura simbólica e de várias categorias de conteúdo (Especialmente visíveis nos monumentos memoriais e praças, objetos representacionais, etc.), e indiretamente - como espaços cujo principal objetivo é a construção de lugares de bem estar (Tradução nossa) 95 (idem, ibidem) "cada individuo tem uma variedade de competências no que toca a lidar com o meio envolvente" (Tradução nossa)

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Durante o regime soviético, a tentativa de controlo totalitário da sociedade foi, a par do regime nazi e com exceção do Norte Coreano, levada ao maior extremo conhecido da humanidade. Devido a isto architecture was developed as an assumption for ideologically programmed social activity. Naturally, this situation also formed certain typical forms of behaviour in space, 96 and of behaviour with space (Vaidas Petrulis, 2007, pág. 211) .

Esta programação social ocorria primordialmente em duas tipologias distintas de espaços,

que

pela

sua

escala

e

intensidade

persuadiam

politicamente

o

comportamento humano: espaços arquitectónicos culturais e espaços públicos. Um dos espaços mais públicos da era soviética, e que aqui usaremos como exemplo, eram os chamados centros comerciais e instalações de serviços domésticos. Estes complexos eram dos mais abertos à sociedade, sendo livremente acessíveis, integrando uma considerável parte da vida comunitária (Vaidas Petrulis, 2007, pág. 212)97. Eram dispostos metodicamente segundo o autodenominado "sistema de serviço escalonado", cuja implementação se iniciou na década de 60, consistindo numa determinada sequência baseada na pesquisa sociológica da época.

Ilustração 24 - "Fila para loja de calçado provocada pelo sistema de serviço escalonado, 1983".(Yakimenko, 2009) 96

(PETRULIS, Vaidas (2007) - Manifestations of Politics in Lithuanian Architecture. Post-Communist Culture and new Myths, Institute of Architecture and Construction of Kaunas, University of Technology) arquitetura foi desenvolvida como um pretexto para uma atividade social programada. Naturalmente, esta situação também formou algumas formas de comportamento no espaço, e de comportamentos com o espaço (Tradução nossa) 97 idem, ibidem

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A sociedade e os serviços comerciais aqui existentes sofriam de uma enorme rigidez tanto funcional como formal: as lojas eram dedicadas a um único tipo de produto e construídas para servir esse único propósito. Esta caraterística era partilhada com as próprias cidades soviéticas que se desenvolveram nesta época (anos 40 até 70)98, apesar de a partir do fim deste período abandonar a rigidez com que seguia a Carta de Atenas, para uma mais flexível criação de edifícios com variadas funções simultâneas.

Ilustração 25 - "centro de serviços soviético em Sansar, Ulaanbaatar. Atual Mongólia" (Kaplonski, 1993)

A arquitetura cultural e de lazer foi também projetada e construída com o mesmo propósito que os espaços comerciais e de serviços. Segundo Vaidas Petrulis citando Rimantas Buivydas esta arquitetura cultural revestia-se de um (...) political meaning: "favourable atitude of society towards architectural projects with such a purpose; their openness, an atractive functioning nature and noncommittal meaningfulness... are considered an effective instrument to represent politics (...). 99 (Vaidas Petrulis, 2007, pág. 214)

Podemos assim considerar que teatros, museus e bibliotecas possuíam na sua concepção um propósito que superava a sua função: eram instrumentos de

98

NOTA DE AUTOR: Nestes países abundavam as cidades que existiam em torno de uma função primordial, tendo algumas delas ficado (umas feliz outras infelizmente) na história como por exemplo a cidade de Pripyat, Baikonur ou Perm. A primeira foi construída para albergar a população trabalhava na central nuclear de Chernobyl, a segunda para albergar os trabalhadores do cosmo dromo onde se baseava grande parte do programa espacial russo e a terceira nasceu nas proximidades de um Gulag e, naturalmente, servia de apoio ao mesmo. 99 (PETRULIS, Vaidas (2007) - Manifestations of Politics in Lithuanian Architecture. Post-Communist Culture and new Myths, Institute of Architecture and Construction of Kaunas, University of Technology) (...) politicamente significando: "atitude favorável da sociedade acerca de projetos de arquitetura que tinham este propósito; a sua transparência, uma natureza funcionalista atrativa e uma significação evasiva... são considerados um instrumento efetivo de representação politica (...) (Tradução nossa)

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justificação política de um regime e, simultaneamente, provocadores da aceitação e integração da população. Os espaços de lazer, no entanto, estando muito mais vinculados às ações do dia a dia estavam-no também à própria socialização da população, o que no sistema soviético possuía particularidades que a distinguiam profundamente das sociedades de consumo do ocidente. A finalidade dos espaços de lazer na União Soviética não era a criação de palcos de processos naturais de socialização, mas sim o resultado da organização oficial do lazer de massas (Vaidas Petrulis, 2007, pág. 214)100. Sintetizando, era um processo político. Contrariamente ao que acontecia no mundo ocidental, a existência de espaços culturais não seguiam as necessidades da população. As instituições e espaços criados eram-no segundo uma visão ideológica do que deveria ser um estilo de vida socialista e, consequentemente, do que este necessitaria (Vaidas Petrulis, 2007, pág. 214)101.

Ilustração 26 - "Teatro Central do Exército Soviético, 1933-1940. Moscovo" (Valtonen, 2010)

100

PETRULIS, Vaidas (2007) - Manifestations of Politics in Lithuanian Architecture. Post-Communist Culture and new Myths, Institute of Architecture and Construction of Kaunas, University of Technology 101 idem

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O centro cultural, tipologia que em toda a união soviética foi intensamente construída, era projetado com o intuito de ser o ponto focal da vida social, independentemente do quão frágil e falsa esta pudesse ser num sistema onde tudo é controlado e planeado. Nas províncias, o centro cultural revestia-se de uma particularidade: pretendia-se que substituísse a Igreja, enquanto lugar de socialização e enquanto instituição. Esta intenção era um claro objetivo do regime em substituir nos espaços onde quotidianamente tinha lugar a religião, por uma visão e interesse popular, por uma maneira de ser e pensar mais secular. (...) the striving to push away the sacrum space to the margins, and to replace it by a secular cultural center, may be considered a particularly strong manifestation of the 102 political ideology of the Soviet period. (Vaidas Petrulis, 2007, pág. 214) .

Curiosamente, a aceitação dos centros culturais pela população como o novo polo de socialização programada foi muito difícil. Os sociólogos soviéticos chegaram rapidamente à conclusão de que as pessoas normalmente se reuniam nos espaços comerciais, em vez dos lugares ditados pelo governo para o efeito. Tornou-se claro que o desfasamento entre os objetivos políticos e sociais do regime e o comportamento e expectativas da sua população era quase total. Após o fim da União Soviética, a arquitetura que tinha o intuito de controlar ou propiciar determinados comportamentos humanos, mais declaradamente ou de um modo mais subtil, perderam o seu sentido no espaço de duas décadas (Vaidas Petrulis, 2007, pág. 215), entrando em decadência e abandono, pois uma vez acabado o regime que a legitimava e mantinha, não existiam mais razões para que estes espaços não acabassem também a sua vida útil.

102

(PETRULIS, Vaidas (2007) - Manifestations of Politics in Lithuanian Architecture. Post-Communist Culture and new Myths, Institute of Architecture and Construction of Kaunas, University of Technology) (...) o esforço para afastar o espaço sacrum para a marginalização, e para substitui-lo por um centro cultural secular, podem ser consideradas uma forte manifestação da ideologia politica do período soviético. (Tradução nossa)

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2.3.2 NAZISMO A arquitetura foi usada desde cedo como arma de propaganda e controlo comportamental pelo partido nazi. Representava fisicamente os valores e conceitos políticos do regime alemão: a inspiração grega e romana remetiam o imaginário comum para grandes impérios de imenso poder, invocando nas pessoas o sentimento de que o Estado alemão era tão poderoso quanto estas civilizações outrora foram. O variado e excessivo uso de pórticos, colunas, arcos e frontões revestiam-se do intuito de demonstrar poder e fulgor económico103 (Seth Soderborg, 2007)104, foram aplicados numa arquitetura completamente distinta da que fora criada no período entre guerras, como nos conta Steen Eiler Rasmussen "Em Berlim, entre as duas guerras, os arquitetos Luckhardt e Anker construíram casas com fachadas inteiramente de vidro e aço cromado" (2002, pág. 183)105. A utilização recorrente da simetria nas construções nazis demonstravam a noção que tanto Albert Speer106 (arquiteto do regime nazi) como Hitler tinham de que esta reforçava e criava ordem. From the baroque era, they realized the power of buildings as expressions of wealth and power, and they tried to incorporate that expression into their buildings. Nazi architecture served the state by emphasizing its values, demonstrating its power, and 107 creating edifices capable of lasting for centuries (Seth Soderborg, 2007)

De toda a arquitetura produzida na Alemanha nesta época, os dois exemplos mais claros de que existia a pretensão de que a arquitetura influenciasse os comportamentos sociais humanos, são a Chancelaria do Novo Reich e os lugares para "experiências em massa".

103

NOTA DE AUTOR: A utilização dos mesmo elementos arquitetônicos tinha já sido utilizada anteriormente por outros regimes com propósitos semelhantes, com a diferença de que anteriormente não era necessariamente o Estado que utilizava a arquitetura como forma de exibição de poder e fulgor econômico mas sim predominantemente a burguesia e nobreza. As cidades mais importantes do Império Austro-húngaro, do Império Prussiano e Espanhol são disso claríssimos exemplos. 104 ARCHITECTURE. Seth Soderborg (2007) - Art Under Nazism [Em linha].Ann Arbor: University of Michigan 105 RASMUSSEN, Steen Eiler (2002) - Arquitetura vivenciada. Martins Fontes, São Paulo 106 Berthold Konrad Hermann Albert Speer, nascido a 19 de março de 1905 e falecido a 1 de setembro de 1981, iniciou os seus estudos académicos na Universidade de Karlsruhe e terminou-os na Universidade técnica de Berlim. Após o fim dos seus estudos tornou-se aos 22 anos assistente do seu antigo professor Heinrich Tessenow enquanto prosseguia os seus estudos para uma pós-graduação. Juntou-se ao partido nazi em 1 de março de 1931. Viria a tornar-se chefe de arquitetura do partido nazi, vindo posteriormente a ocupar o cargo de ministro do armamento. 107 (http://sitemaker.umich.edu/artunderfascism/architecture) Da época barroca, eles aperceberam-se do poder dos edifícios como expressão de riqueza e poder, e tentaram incorporar essa expressividade nos seus edifícios. A arquitetura Nazi servia o estado enfatizando os seus valores, demonstrando o se poder, e criando edifícios capazes de durar séculos. (Tradução nossa)

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A Chancelaria do Novo Reich foi toda ela projetada para expressar os ideais nazis de ordem, força (Seth Soderborg, 2007)108 e de modo a condicionar os sentimentos e comportamentos de quem a visita: Um edifício de 426 metros onde na entrada para a Voss-strasse o acesso (em escadaria) introduz o visitante no edifício, por entre um plano de altas colunas, chegando às portas de madeira maciça encimadas por um alto relevo de uma águia, símbolo nazi, tendo todo este percurso a intenção de criar um efeito de espanto.

Ilustração 27 - "Fachada da Nova Chancelaria do Reich para a Vos-Strass, Berlim, Alemanha" (Scobie, 1990)

Pode-se assim verificar que onde o edifício tem a sua fachada mais pública, esta mostra-se ordenada, onde é impossível qualquer deserção ou fuga do estabelecido; "everything is totally controlled" (Seth Soderborg, 2007)109. Dentro da Chancelaria a enfâse na ordem é complementada com o início da sensação de grandeza: o pátio que agora se abre ao visitante existe unicamente para tornar a Chancelaria um local intimidante a diplomatas estrangeiros. A Ehrenplatz, ou pátio de honra, era simétrico e possuía uma escala massiva. As suas fachadas eram depuradas, despidas de ornamentação à exceção das duas estátuas "Exército" e "Partido" na entrada para uma reduzida sala de recepção à qual se acedia através de mais escadas, para de seguida se aceder ao hall de mosaicos. 108

ARCHITECTURE. Seth Soderborg (2007) - Art Under Nazism [Em linha].Ann Arbor: University of Michigan 109 (idem) "tudo é totalmente controlado" (Tradução nossa)

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Ilustração 28 - "Ehrenplatz, Berlim, Alemanha" (Soderborg, 2007)

Após estas seguia-se a rotunda e a galeria de mármore, no meio da qual estava o acesso ao escritório de Hitler. Todo este percurso tinha o intuito de ser avassalador, e segundo o próprio Hitler, para que "the diplomats sitting in front of me... [will] learn to shiver and shake" (Steven Leher, 2006, pág. 75)110 A arquitetura nazi desenvolveu nos lugares de massas espaços que, tal como na Nova Chancelaria do Reich, intentavam o florescimento de comportamentos sociais e humanos em torno dos ideais e valores do regime. Ao observar o complexo de Nuremberga, especificamente o Zepplinfield, construído para os discursos propagandísticos de altas patentes do partido do regime de modo a que a população que os assistia se envolvesse, física e psicologicamente, com as morais e valores do partido nazi num êxtase coletivo. A escala da arena, só por si, provoca o incitamento a diversos sentimentos e comportamentos. Quando os indivíduos experienciavam este espaço, fora do contexto dos grandes ajuntamentos populares para que fundamentalmente tinha sido concebido, a impotência pessoal de cada um era notória face à enormidade do vazio da arena. A compreensão de que um indivíduo nada podia contra o(s) poder(es), a força e a ordem, era imediata.

110

(LEHER, Steven (2006) - The Reich Chancellery and Fuhrerbunker Complex: An Illustrated History of the Seat of the Nazi Regime. Jefresson, North Carolina: McFarland) "os diplomatas sentados à minha frente [irão] aprender a tremer e agitar-se-ão" (tradução nossa)

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In Nuremberg, seat of the Nazi party, the rally grounds show the particular style of intimidation architecture found throughout the party's building efforts. (...) To do this, they created assembly halls, stadia, and assembly grounds where thousands could gather to display their patriotism and be edified by the speeches of party leaders. The 111 most significant of these places was the Zeppelin Field (...). (Seth Soderborg, 2007)

Durante os encontros anuais do partido, no entanto, o impacto social destes espaços

Ilustração 29 - " Zeppelin Field, Nuremberga, Alemanha" (Chen, 2010)

era substancialmente diferente (e de natureza consideravelmente distinta). Nestes eventos, onde milhares de alemães se juntavam com o intuito de demonstrar publicamente a sua devoção ao partido e seus ideais, as condutas do individuo eram necessariamente iguais e partilhadas entre todo o público. O arquiteto Steen E. Rasmussen fala-nos desta capacidade da arquitetura influenciar os estados de espírito das pessoas e a força que estes adquirem quando são sentidos em grupo, ao dizer no seu livro Arquitetura Vivenciada que (...) edifícios são criados num espírito especial e transmitem esse espírito a outros. As características externas tornam-se um meio de comunicar sentimentos e estados de espírito de uma pessoa para outra. Com frequência, porém, a única mensagem transmitida é a de conformidade. O homem está menos solitário quando sente ser parte de um movimento geral. As pessoas que se reúnem com uma finalidade comum tentam 112 assemelhar-se o mais possível. (2002, pág. 31)

111

(ARCHITECTURE. Seth Soderborg (2007) - Art Under Nazism [Em linha].Ann Arbor: University of Michigan) Em Nuremberga, sede do partido Nazi, os terrenos de convenção mostram o estilo particular de arquitetura de intimidação que se encontra nos esforços construtivos do partido. (...) Para este objetivo, criaram salões de assembleias, estádios, e terrenos de convenções onde milhares podiam juntar-se para demonstrar o seu patriotismo e ficar inspirados pelos discursos dos líderes partidários. O mais importante destes lugares era o Zeppelin field (...) (Tradução nossa) 112 RASMUSSEN, Steen Eiler (2002) - Arquitetura vivenciada. Martins Fontes, São Paulo

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Percebe-se que, seja pela quantidade de população que se juntava, seja pela demagoga retórica dos políticos que oravam os seus teatrais discursos, seja pela massa humana que, maioritariamente, ali se encontrava com o mesmo propósito, o ser humano era levado a sentir que fazia parte de um grupo com enorme poder. Inebriando-se nele mesmo, na aparente pujança numérica e motivacional agregada a um principio ideológico, era por associação também ele poderoso, forte e ordenado. Era ele próprio parte da pretensa autoridade moral e intelectual do regime. A arquitetura da arena, provocadora destes comportamentos de ordenada êxtase popular, não se esgotava nas suas dimensões. Ocupando o lado norte da arena situase a Zeppelintribune, edifício que era o ponto central deste complexo. A sua forma desenhava-se segundo a incorporação de elementos clássicos, modificados para enfatizar a linha, a sobriedade e a ordem, tal como já havia sido feito na Nova Chancelaria do Reich.

Ilustração 30 - "Zeppelin Field de noite, Catedral de Luz, Nuremberga, Alemanha" (Soderborg, 2007)

Servia a Zeppelintribune como palanque de destaque para os discursos inflamados dos representantes do partido nazi, e a sua oratória era tão mais eficiente quanto mais teatral. Conscientes deste facto, a imponência desta arena e tribuna não eram o espaço em si nem os edifícios que dela faziam parte, mas sim a luz, que era projetada por centenas de holofotes apontados na vertical para o céu, criando assim uma "Catedral de Luz" (Lichtdom) (Seth Soderborg, 2007)113, cujo impacto no público era tremendo durante os discursos noturnos. Uma característica que tanto a Chancelaria do Reich como o Zeppelinfield partilham é a repetição de elementos arquitectónicos, no caso da Chancelaria os vãos da fachada, 113

ARCHITECTURE. Seth Soderborg (2007) - Art Under Nazism [Em linha].Ann Arbor: University of Michigan

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no Zeppelinfield a simetria e as colunas. Steen Eiler Rasmussen explica-nos porque ao afirmar que O método mais simples (...) é a repetição estritamente regular dos mesmos elementos, por exemplo, sólido, vazio, sólido, vazio, tal como contamos um, dois, um, dois. É um ritmo que qualquer pessoa pode aprender sem dificuldade. Muitos consideram-no simples demais para que signifique alguma coisa. Nada lhes diz e, no entanto, trata-se de um exemplo clássico da contribuição especial do homem para a ideia de ordem. Representa uma regularidade e uma precisão que não se encontram em parte nenhuma da natureza, mas somente na ordem que o homem procura criar. (2002, pág. 114 133)

As cidades do Reich sofreriam consideráveis alterações, tivesse a Alemanha ganho a guerra. De facto, durante a mesma iniciaram-se obras que faziam parte de grandiosos mas impraticáveis planos diretores, rasgando grandes avenidas com o propósito de serem palco de paradas militares, à volta das quais imponentes edifícios públicos e serviços governamentais iriam ser construídos, cenário embelezado com obeliscos e monumentos alusivos ao regime nazi. Berlin was to be the capital of the Nazis empire, and as such, needed to exude the power, domination, and superiority of the Nazi party. (...) The city would change shape radically, with (...) thousands of new public buildings. Speer planned to create a new city center (...) would revolve around a long, wide, single avenue (...). Careful urban planning was far less important than ensuring ideological compliance. (Seth Soderborg, 115 2007)

As alterações às cidades do regime Nazi baseavam-se única e exclusivamente sob um principio ideológico, ignorando o bom senso ou o funcionalismo que as cidades necessitavam para pura e simplesmente serem funcionais (Seth Soderborg, 2007)116. Exaltavam o poder, o domínio e a superioridade do partido Nazi, mantendo toda a população submissa ao seu poder e controlo, pois o meio físico em que vivia constantemente a relembravam e faziam sentir incapaz de algo contra o regime. Inevitavelmente verificamos, porém, que esta simultânea consequência por vezes direta, por vezes indireta, entre a arquitetura e os comportamentos sociais das populações por ela afetadas nem sempre se verifica, pois na complexidade da 114

RASMUSSEN, Steen Eiler (2002) - Arquitetura vivenciada. Martins Fontes, São Paulo (ARCHITECTURE. Seth Soderborg (2007) - Art Under Nazism [Em linha].Ann Arbor: University of Michigan) Berlim era para ser a capital do império nazi, e como tal, necessitava exalar o poder, dominação e superioridade do partido nazi. (...) A cidade iria mudar de forma radical, com (...) milhares de novos edifícios públicos. Speer planeou construir um novo centro da cidade (...) que giraria em torno de uma longa e larga avenida (...). O Planeamento urbano cuidadoso era muito menos importante do que assegurar o cumprimento ideológico. (Tradução nossa) 116 idem 115

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socialização humana raramente um facto se revela dogmaticamente verdadeiro ou falso, uma vez que a mente e história pessoal regula sempre os comportamentos individuais, por muito condicionados que sejam pelo meio social, político e económico envolvente. Assim, apesar de os "Nazis attempted to control every aspect of Germans' lives; architecture played a key role in this" (Seth Soderborg, 2007)117, e de "Hitler and Speer believed that architecture had the power to profoundly influence people's thoughts and actions" (Seth Soderborg, 2007)118, não conseguiram, na totalidade, controlar, condicionar ou induzir a sua população (apesar de terem tido mais sucesso do que a tentativa soviética). De facto, as analogias entre o regime soviético e o regime nazi são também partilhadas nos acontecimentos posteriores à tentativa de controlar comportamentos sociais. À semelhança do que acontecera no regime soviético, também na Alemanha, após a queda do partido nazi aquando da derrota na segunda guerra mundial, os lugares que mais sucesso tinham no controlo dos comportamentos humanos foram os que mais rapidamente perderam o seu significado e foram dotados ao abandono, passando a ser não mais do que a materialização de um negro período da história da humanidade.

117

(ARCHITECTURE. Seth Soderborg (2007) - Art Under Nazism [Em linha].Ann Arbor: University of Michigan) "Nazis tentaram controlar todos os aspetos da vida dos alemães; a arquitectura teve um papel principal nisto" (Tradução nossa) 118 (idem) "Hitler e Speer acreditavam que a arquitetura tinha o poder de influenciar profundamente os pensamentos e ações das pessoas" (Tradução nossa)

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2.3.3 DEMOCRACIAS Simultaneamente ao desenvolvimento das intenções soviéticas e nazis de controlo totalitário da população, usando a arquitetura como ferramenta essencial desse intento, no resto do mundo democrático (com especial predominância nos Estados Unidos da América) iniciava-se uma resposta organizada em torno de ideais diretamente opostos aos que as ditaduras europeias defendiam. A arquitetura das sociedades liberais era por essa razão diferente, pois diferentes eram também os seus propósitos. Podemos compreender que o facto de que os edifícios das sociedades liberais se caracterizarem, na esmagadora maioria dos casos, pela ausência de monumentalidade e formalismo ditado pelo regime, pela ausência de necessidade de exprimir ideais através da escala ou da decoração. Não era uma casualidade imprevista mas sim algo planeado, como modo de representar os princípios igualitários e democráticos sob os quais estas sociedades, na sua generalidade, se regiam. Em Harvard foi reunir-se a Gropius o seu colega Marcel Breuer, da Bauhaus (Hasan119 120 Uddin Khan , 2001, pág. 101) Depois da sua extinção, em 1933, muitos deles emigraram para os EUA, onde continuaram o desenvolvimento estilístico da escola (New Bauhaus, Chicago, 1937) 121 (Moderna Enciclopédia Universal, 1994, pág. 141)

Na América do Norte surgem assim os arranha céus onde se continua a construção de aço e vidro, iniciada em Berlim no período entre guerras. Em liberdade, triunfa novamente a tecnologia e transparência. Depois da Segunda Guerra Mundial, os arquitetos americanos começaram a empregar os mesmos efeitos texturais com que seus colegas europeus tinham trabalhado entre as duas guerras. Nas cidades americanas surgiram, um atrás do outro, edifícios feitos 122 de aço e vidro. (Steen Eiler Rasmussen, 2002, pág. 183)

119

Hasan-Uddin Khan é um professor e arquiteto paquistanês. A sua formação académica iniciou-se na Architectural Association de Londres, posteriormente foi Diretor de Projetos Especiais do Fundo Aga Khan para a Cultura, de Genebra. Após este cargo começou a lecionar no Massachusetts Institute of Technology. Atualmente investiga a arquitetura do século XX na Ásia e conservação de áreas urbanas e reabilitação no mundo islâmico. Foi ainda fundador e editor-chefe da revista Mimar: Architecture in Development. 120 KHAN, Hasan-Udin (2001) - Estilo Internacional arquitectura moderna de 1925 a 1965, Tashen. 121 OLIVEIRA, Leonel Moreira de, ed. lit. (1994) - Bauhaus - Moderna Enciclopédia Universal. Volume 3. Lexicultural, Actividades Editoriais Lda. Amadora. 122 RASMUSSEN, Steen Eiler (2002) - Arquitetura vivenciada. Martins Fontes, São Paulo

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Uma das principais razões para que a tentativa da arquitetura proveniente desta época e local seja imbuída destes princípios certamente é relacionada com o fim da Bauhaus. Devido a grande parte dos seus alunos e professores terem a crença numa sociedade socialista ou comunista, isto é, do espectro político mais à esquerda, aquando da ascensão do regime nazi estes arquitetos ficaram simultaneamente sem emprego e sem futuro. Levados à necessidade de fuga devido à perseguição de que previsivelmente seriam em breve vitimas, grande parte fugiu para a América do Norte, expoente máximo da liberdade da altura. Uma vez livres de praticar arquitetura sem receio de repressão política, participaram ativamente no desenvolvimento de projetos enquanto durou a iniciativa governamental que partilhava a maioria dos seus ideais. Ao estudarmos a arquitetura do New Deal americano, confirmamos estes factos ao estudar o tipo de edifícios que eram predominantemente construídos: escolas industriais, dormitórios universitários, hospitais, centros de tratamento especializado, prisões e armeiros, aeroportos e barragens geradoras de energia hidro-elétrica, bem como a electrificação do troço ferroviário entre Nova Iorque e Washington, tudo edifícios públicos e construções cuja utilidade era principalmente aproveitada pela população civil ou para o seu bem estar e segurança (Michael J. O'Malley III, 2008, pág. 123124.

Ilustração 31 - "Tribunal de Iberia Parish, Louisiana, E.U.A." (Joseph A., 2010)

Algo também distintamente oposto eram as premissas destas construções. Enquanto que nos regimes autoritários anteriormente estudados, a finalidade sociológica dos 123

(O'MALLEY III, Michael J. (2008) - Built By The New Deal. Pennsylvania Heritage Magazine, volume XXXIV, número 4.) 124 Michael J. O'Malley III serve desde 1984 como editor da revista Pennsylvania Heritage Magazine.

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edifícios e espaços eram o controlo e/ou provocar/condicionar comportamentos humanos, aqui o objectivo era satisfazer as necessidades imediatas das pessoas. Num período crítico como foi o pós crash de 1929, permitir minimizar o desemprego e criar economia através da construção de edifícios públicos, permite-se que a população sinta e perceba que o estilo de vida liberal/democrático era o modo como o mundo devia ser, em oposição dos regimes ditatoriais europeus. Considerando que, e como exemplo do panorama geral americano, no primeiro ano do programa de construções da Autoridade Estatal Geral, em inglês GSA (agência governamental responsável pela implementação do programa no estado da Pensilvânia) o orçamento foi de $65.000.000 dólares, e que the magnitude of the GSA's building program during its initial year is nothing less than staggering. Architects drafted more than 65,000 renderings, secretaries cut and checked thousands of stencils for building specifications and contract documents, clerks mimeographed more than 1,275,000 informational sheets, and assistants prepared more than 250 linear miles of blueprints measuring three feet in width (Michael J. O'Malley III, 2008, pág. )

125

o esforço governamental foi tremendo para edificar o seu intento. Apesar de a organização do Public Works Administration (PWA) dividir-se por estados e condados, usando a divisão do American Institute of Architects para eficazmente agir por todo o extenso território americano, e consequentemente ter tido resultados diferentes, na maioria dos casos o resultado foi semelhante ao da Pensilvânia, onde os líderes da GSA "worked diligently to protect the Commonwealth's interest while treating contractors and labourers fairly. They incorporated minimum wage scales in contracts"126 (Michael J. O'Malley III, 2008), de modo a evitar situações de abuso sobre trabalhadores e concorrência desleal. Esta situação diferia bastante dos casos anteriormente estudados, já que no regime nazi se contava com trabalho escravo dos

125

(O'MALLEY III, Michael J. (2008) - Built By The New Deal. Pennsylvania Heritage Magazine, volume XXXIV, número 4.)) A magnitude do programa de construção da GSA, durante os seus anos iniciais é nada menos do que desconcertante. Arquitetos desenharam mais de 65,000 ilustrações, secretários cortaram e verificaram milhares de stencils para especificidades de edifícios e contratos, escriturários mimeografaram mais de 1,275,000 folhas informativas, e assistentes prepararam mais de 250 milhas lineares de projetos medindo três pés em largura (Tradução nossa) 126 (O'MALLEY III, Michael J. (2008) - Built By The New Deal. Pennsylvania Heritage Magazine, volume XXXIV, número 4.)) "trabalharam diligentemente para proteger os interesses da Commonwealth enquanto tratavam os empreiteiros e trabalhadores justamente. Eles incorporaram nos contratos escalas de ordenados mínimos" (Tradução nossa)

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prisioneiros de guerra e das minorias retiradas à sociedade pelas autoridades,127 e no regime soviético semelhante situação acontecia128. Existia assim o intento de tratar igualmente toda a população, fazendo do processo de construção da arquitetura estatal um reflexo dos valores democráticos, igualitários e transparentes que o governo americano politicamente representava. Contudo verificava-se alguma difícil execução devido à problemática económica da época, como nos demonstra Hasan-Uddin Khan afirmando "As ideias da geração mais nova, que aceitou a responsabilidade social de dar casa às pessoas como um aspecto democrático de modernidade, continuou por realizar, em 129 grande medida" (2001, p. 94)

A certeza da predominância de uma ideologia democrática e igualitária nos projetos do New Deal tem mais uma prova no facto de que Philip J. Hickey que era o dirigente do gabinete da autoridade de inspeção "was instructed to permit no political considerations at any time to influence him in his selection of the field personnel130" (Michael J. O'Malley III, 2008)131. Esta ideologia política refletia-se nos edifícios na medida em que, inclusive, a relação com as edificações pré-existentes pretendia ser igualitária. Evitava-se retirar importância ou protagonismo e queria-se, acima de tudo, a sua integração, como explica o primeiro diretor executivo da GSA, o Coronel Augustine S. Janeway apud Michael J. O'Malley III (Built by the New Deal, 2008)132 it was our policy (...) to erect to erect buildings of simple and durable design, of low-cost construction and upkeep, and to harmonize them with the type of architecture that

127

NOTA DE AUTOR: De facto, a única maneira possível de os planos de monumentalização e expansão do Império alemão do terceiro Reich serem possíveis eram precisamente por serem assentes na premissa de que seriam construídos por mão de obra escrava, pois devido aos projetos serem só por si extremamente caros, seriam incomportáveis se ao seu custo se adicionasse mão de obra. 128 NOTA DE AUTOR: A indústria mineira siberiana russa manteve-se desde a época do Czares à custa de trabalhos forçados. Durante a monarquia os trabalhadores eram os prisioneiros condenados por crimes. Após a revolução estes começaram a ter como companheiros prisioneiros políticos e, após o inicio da Operação Barbarossa militares inimigos e judeus. 129 KHAN, Hasan-Udin (2001) - Estilo Internacional arquitectura moderna de 1925 a 1965, Tashen. 130 (O'MALLEY III, Michael J. (2008) - Built By The New Deal. Pennsylvania Heritage Magazine, volume XXXIV, número 4.)) "foi ordenado a não permitir que considerações politicas alguma vez o influenciassem na escolha do pessoal de obra." (Tradução nossa) 131 (O'MALLEY III, Michael J. (2008) - Built By The New Deal. Pennsylvania Heritage Magazine, volume XXXIV, número 4.)) 132 idem

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characterized the companion units with which these new structures were to be 133 134 grouped. (Michael J. O'Malley III, 2008)

A par destas características gerais, a arquitetura do New Deal americano caraterizase, na sua generalidade, pelas suas formas baixas e horizontais, volumes sólidos e superfícies lisas, com detalhes severos e depurados, onde a ornamentação era escassa. Curiosamente, vemos atualmente grande parte da arquitetura do New Deal a ser progressivamente demolida ou deixada ao abandono135, um final que se repete pois também a arquitetura com intuitos ideológicos já aqui estudadas assim chegaram ao seu fim. Como começou a ser evidente com o desenvolvimento da arquitetura do New Deal, o Movimento Moderno foi a força motriz por detrás da intenção de utilizar a arquitetura como meio de desenvolvimento do Homem, na sua plenitude física, social e intelectual. Através dela salvar-se-ia o ser humano das misérias e desgraças que cidades e sociedades anteriores lhe tinham imposto. Seria a arquitetura a responsável pela liberdade do Homem. On the day when contemporary society, at present so sick, has become properly aware that only architecture and city planning can provide the exact prescription for its ills, then the time will have come for the grea machine to be put into motion and begin its functions... The house that can be built for modern man (and the city too), a magnificently disciplined machine, can bring back the liberty of the individual - at 136 (Le present crushed out of existence - to each and every member of society. 137 Corbusier , The Radiant City, pág. 143)

133

(idem) Era nossa politica (...) erigir edifícios de design simples e duradouro, de construção e manutenção de baixo custo, e criar uma relação harmoniosa com as unidades vizinhas em que estas novas estruturas seriam agrupadas (Tradução nossa) 134 idem 135 ROHZON, Tracie, New Deal Architecture faces demolition, New York Times, 8/2/2009, http://www.nytimes.com/2009/02/09/us/09wpa.html?pagewanted=all em 18/3/2012 136 (CORBUSIER, Le (1967) - The Radiant City. Trans. by Pamela Knight, Eleanor Levieux, and Derek Coltman. New York: The Orion Press) No dia em que a sociedade contemporânea, no presente profundamente doentia, fique precisamente consciente de que apenas a arquitetura e o planeamento urbano podem providenciar o remédio exato para as suas maleitas, então chegará a altura da grande máquina ser posta em movimento e iniciar as suas funções... A casa que poderá ser construída para o Homem moderno (e a cidade também), uma máquina magnificamente disciplinada, poderá trazer de volta a liberdade do individuo - no presente esmagada para lá da existência - para cada e todos os membros da sociedade. (Tradução nossa) 137 Nascido Charles-Edouard Jeanneret-Gris, vulgarmente conhecido pelo seu pseudónimo Le Corbusier; nasceu a 6 de outubro em La-Chaux-de-Fonds e faleceria a 27 de Agosto de 1965 em Roquebrune-CapMartin. Foi arquiteto, pintor e urbanista, sendo considerado um dos mais importantes e influentes arquitetos do século XX.

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Le Corbusier, figura de proa deste movimento, foi responsável pela construção de Chandigarh138 e indiretamente, Brasília, que analisaremos mais adiante. Após a independência da Índia em 1947, o estado do Punjab necessitava de uma capital e, seguindo o desejo do primeiro ministro da altura, Jawaharlal Nehru explained, "free from existing encumbrances of old towns and old traditions " (cited in Nilsson 89); "Let this be a new town [he declared] symbolic of the 139 past... an expression of the nation's faith in the future (Peter Fitting, 2002, pág. 72)

O desejo político de quem possibilitava esta empresa era assim claro: um símbolo das aspirações progressistas que a nova república indiana tinha, uma materialização do regime democrático que agora tinha a consciência social de permitir uma vida decente, saudável

e

digna

para

todos

os

indianos,

ricos

ou

pobres

(http://whc.unesco.org/en/tentativelists/5082/)140 impossível durante a subjugação do território indiano pelo Império Britânico. Le Corbusier desenhou a cidade como sendo um conjunto de quarteirões (a que chama sectores) independentes entre si mas ligados através de várias tipologias de vias, agrupados num plano quadrangular. Estes quarteirões ligavam-se uns aos outros através de um tipo especifico de via (a V4) que continha o comércio, serviços de saúde e lazer. As ruas pedestres (V7) serviam as escolas e atividades desportivas, tudo dentro de corredores verdes.

138

NOTA DE AUTOR: Apesar de Le Corbusier não ter sido o primeiro arquiteto responsável por Chandigarh e do plano que serviu de base ao projeto da cidade foi ele o coordenador da equipa que efetivamente desenvolveu toda a cidade e responsabilizou-se ainda por partes e elementos específicos da mesma, sendo essa a razão pela qual consideramos que ele foi o responsável pela sua construção, tendo naturalmente consciência de que outros houve cujo esforço e participação foram essenciais para a sua existência. 139 (FITTING, Peter (2002) - Urban planning/utopian dreaming: Le Corbusier's Chandigarh today. Utopian Studies, Volume 13, Issue 1) Jawaharlal Nehru explicou, "livre de opressões das cidades e tradições antigas" (citado em Nilsson 89); "Deixemos esta nova cidade ser [ele declarou] simbólica do passado... uma expressão da fé da nação no futuro" (Tradução nossa) 140 UNESCO. World Heritage Centre (2012) - Tentative List [Em linha]. Paris : United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

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Existem, no entanto, sectores diferentes dos já aqui explicados: o Capitólio (que seria a cabeça da cidade), o Centro Cívico (serviria como coração da cidade), a Universidade

e

o

polo

industrial

(dois

membros).

Importa

explicar

mais

detalhadamente dois destes sectores, o Capitólio e o Centro Cívico, devido à importância que têm nos comportamentos e vida social dos habitantes de Chandigarh.

Ilustração 32 - "Planta de Chandigarh, com a "cabeça", "coração" e "membros" em destaque, Punjab, Índia.", Google (adaptado a partir de Google, 2012)

O Capitólio constitui-se como um sector que se espalha por toda a extensão lateral da cidade, no lado nordeste, onde estão localizados os edifícios e instituições fulcrais à democracia do estado. Aqui localizam-se o Supremo Tribunal, a Assembleia Legislativa e o Secretariado. Sendo cada edifício distinto na forma e função, mantém no entanto uma expressão semelhante através da utilização do betão armado à vista, criando assim a consciência na população que não só os edifícios, mas também as instituições que albergam, fazem todos parte do todo, que é o estado democrático indiano.

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O Centro Cívico situa-se no centro da cidade, e nele têm lugar o centro comercial, cultural e de administração loca. Le Corbusier desenhou aqui uma praça central que se pretendia servir e funcionar como uma 'Chowk'. Esta consiste em ser "a central node at the crossing of the two pedestrian axes around which were arrayed the major civic

functions

such

as

the

town

hall

and

the

library"141

(http://whc.unesco.org/en/tentativelists/5082/)142, sendo assim presente a intenção de fundir as tradições e lugares sociais locais no contexto de uma nova cidade e, simultaneamente, uma nova sociedade. (...) the cultural and commercial hub of the city as well as the centre for local governance, the City Centre, occupying an entire sector at the junction of the two main V2s, was given special attention in the urban scheme. The sector was broadly divided into two zones, the southern reserved for district administration and, the northern design by Le Corbusier - for civic functions. As in case of the Capitol, this zone is designed on the basis of complete segregation between the vehicular and pedestrian 143 traffic . (http://whc.unesco.org/en/tentativelists/5082/)

Ilustração 33 - "Capitólio de Chandigarh, Assembleia legislativa e Supremo Tribunal, Punjab, Índia."

O facto de a circulação pedonal e a viária serem distintas permite uma aproximação

mais humana e íntima aos edifícios (que são a materialização dos conceitos de bem estar, ideais, modos comportamentais e sociais da república indiana) podemos ver o 141

(UNESCO. World Heritage Centre (2012) - Tentative List [Em linha]. Paris : United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) "um nódulo central no cruzamento de dois eixos pedestres à volta do qual se estabelecem as principais funções civicas como a câmara municipal e a biblioteca" (Tradução nossa) 142 UNESCO. World Heritage Centre (2012) - Tentative List [Em linha]. Paris : United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization 143 (idem) (...) o centro cultural e comercial da cidade tal como o centro para a administração local, o Centro Cívico, ocupando um sector inteiro na junção das duas principais V2s, recebeu atenção especial no esquema urbano. O sector foi amplamente dividido em duas zonas, a mais a sul reservada para a administração local e a norte - desenhada por Le Corbusier - para as funções cívicas. Como no caso do Capitólio, esta zona é planeada sob o principio da completa segregação entre tráfego viário e pedestre. (Tradução nossa)

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principio ideológico por detrás da arquitetura e urbanismo de Chandigarh: a liberdade e democracia estão monumentalmente acessíveis igualitariamente ao Homem, sem necessidade de qualquer bem material. Os valores modernos de uma sociedade moderna são aqui para todos. Porém a cidade não é isenta de problemas e críticas. Como nos explica Peter Fitting, a cidade tem a inconveniente e perversa característica de ter At the level of daily life (...) such "sacred" planning concepts as zoning and single-use neighbourhoods and living spaces which are profoundly alienating, particularly because 144 of the absence of street life (Peter Fitting, 2002, pág. 74)

Acima de tudo, falha no sentido em que foi desenhada para uma sociedade que não era, de todo, aquela que existia; tal como o resto do movimento moderno também Chandigarh foi planeada para dar resposta a uma nova civilização industrial que não era a realidade presente na Índia dos anos 50 do século passado. Chandigarh was meant to be something beyond a new state capital. But it lacks culture. It lacks the excitement of Indian streets. It lacks bustling, colourful bazaars. It lacks the noise and din of Lahore. It lacks the intimacy of Delhi. It is a stay-at-home city. It is not 145 Indian. It is the anti-city. (Ravi Kalia, 1994, pág. 152)

O complexo do Capitólio, ao estar separado da cidade devido a estar numa aresta do quadrado que o conjunto dos sectores habitacionais formam, provoca nos habitantes a sensação de que este se encontra separado e distante da cidade em si. Aqui, os edifícios falharam também no seu funcionalismo: a acústica nas salas do Supremo Tribunal era péssima sendo por isso necessárias as tapeçarias desenhadas por Corbusier146. Os brises soleil eram ineficazes contra o sol escaldante indiano, obrigando o edifício a depender completamente de ar condicionado.

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(FITTING, Peter (2002) - Urban planning/utopian dreaming: Le Corbusier's Chandigarh today) Ao nível da vida diária (...) tão "sagrados" conceitos de planificação como o zonamento, bairros e espaços de habitação de uso único que são tão profundamente alienantes, particularmente devido à ausência de vida de rua (Tradução nossa) 145 (KALIA, Ravi (1994) - Chandigarh in Search of an Identity. Carbondale: Southern Illinois UP.) Chandigarh era para ser algo a mais que apenas a nova capital de estado. Mas falta-lhe cultura. Falta-lhe a excitação das ruas indianas. Falta-lhe os bazares coloridos e movimentados. Falta-lhe o barulho e ruído de Lahore. Falta-lhe a intimidade de Delhi. É uma cidade para se ficar dentro de casa. É a anti-cidade. (Tradução nossa) 146 NOTA DE AUTOR: Curiosamente, estas tapeçarias foram uma triste solução arquitetônica uma vez que as pessoas que mais tempo usufruíam do edifício, os funcionários judiciais, detestavam-nas. Assim, as pessoas para quem o edifício era desenhado, sentiam-se mal dentro do mesmo, não contribuindo a arquitetura para o seu bem estar; isto ia contra o desejo e ideia principal geradora não só da cidade mas também da arquitetura moderna que Corbusier projetava. Infelizmente, este é um exemplo claro do modo como a cidade e seus edifícios falharam em servir bem a sua população.

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Na América do Sul sentia-se também o uso da arquitetura como meio de divulgação de ideais democráticos e a expectativa de que toda a sociedade agisse segundo esse modelo político. Expoente máximo disto foi a construção, de 1956 a 1961, da cidade de Brasília no Brasil, cuja construção foi ordenada no interior do país, na região do planalto central brasileiro. A decisão de a construir sensivelmente no centro da nação prende-se não só por razões estratégicas/militares (impedir que seja facilmente tomada por assalto naval) mas, principalmente, para contrariar o desenvolvimento desigual do território nacional que, à data da sua construção, se concentrava principalmente na área da capital até então, o Rio de Janeiro147. Assim, com a mudança de localização do centro de poder governativo e institucional para o centro do país pretendia-se que o interior brasileiro se desenvolvesse, um desejo que permitiria à população de todo o país maior facilidade de acesso ao centro nevrálgico da nação. (...) em Brasília, na extremidade do eixo norte/sul, destinava-se a acomodar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, igualando-se em conteúdo. (...) o Congresso situava-se exatamente na posição conceitual de cabeça, zona com finalidades 148 149 administrativas (...) (Kenneth Frampton , 2003, pág. 313)

Ao observar o próprio plano da cidade demonstra-se essa ideologia moderna, democrática, igualitária e de bem estar de toda a população de que o regime brasileiro na altura era apologista.

147

NOTA DE AUTOR: Apesar do principio ser louvável, a localização da Capital no interior não resolveria nunca o problema da disparidade de desenvolvimento entre grandes cidades, litoral, e o interior. Com um território tão extenso, Brasília só por si não poderia efetivamente modificar o paradigma nacional. A eficácia de tal medida foi, na melhor das hipóteses, bem sucedida ao criar um novo centro de decisões politicas, económicas e culturais num determinado local do centro do país e, com isso, enviar uma mensagem clara ao resto da nação de que o interior não estava esquecido nos planos e intenções do governo. Até hoje o desenvolvimento do país concentra-se em grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília (entre outras), principalmente as capitais dos Estados, mantendo-se o isolamento e a necessidade de mais e melhores infraestruturas no interior do pais. 148 Kenneth Frampton nasce em 1930, em Woking no Reino Unido. Estudou arquitetura na Escola Guildford e posteriormente na Architectural Association em Londres. Entre 1961 e 1964 foi tutor visitante no Colégio Real de Arte, tutor na Architectural Association entre 1961 e 1963, e editor técnico da revista Architectural Design (AD) entre 1962 e 1965. Lecionou entre 1966 a 1971 na Universidade de Princeton, e na Escola de Arquitetura de Bartlet. Desde 1972 faz parte da faculdade da Universidade de Columbia e do Instituto para Arquitetura e Estudos Urbanos, em Nova Iorque e é co-fundador da revista da mesma, a Oppositions. 149 FRAMPTON, Kenneth (2003) - História Critica da Arquitectura Moderna, Martins Fontes. São Paulo.

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Ilustração 34 - "Planta de Brasília, com localização dos principais edifícios públicos, Brasil." (McCarthy, 2010)

A avenida onde a maioria dos edifícios públicos estavam colocados e, mais relevante, onde as instituições políticas e democráticas estavam construídas, era central a toda a cidade. Deste modo toda a população teria o mesmo acesso a essas instituições. O maior parque da cidade, tal como o estádio, estão também colocados ao lado dessa avenida, continuando a ideia de completo acesso de todos, a todo o bem estar que a cidade podia oferecer. Também os acessos rodoviários estão nas pontas da cidade, e devido ao desenho simétrico da mesma, igualmente acessíveis sem detrimento de qualquer lugar específico. Porém, infelizmente, a cidade de Brasília iria falhar fundamentalmente no seu propósito social: Brasília emergiu como duas cidades: a cidade monumental do governo e dos altos negócios, para a qual os burocratas se deslocavam a partir do Rio por via aérea, e a

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"cidade dos barracos", ou das favelas, cujos habitantes serviam ao "esplendor" da 150 cidade alta. (Kenneth Frampton, 2003, pág. 313)

Apesar de ser uma das cidades mais ricas do país, circunda-se de favelas para os pobres e condomínios fechados para a minoria abastada, fechando-se deste modo ao mundo exterior devido ao crime que grassa na sociedade brasileira. A corrupção é também um problema nacional, tal como o tráfico de armas e droga. Resumindo: a arquitetura falhou em servir e criar um novo homem, melhor que o que tinha sido antes da concretização material e física dos princípios, valores e ideais que lhe deram forma. Chegamos assim à conclusão de que apesar de a arquitetura poder propiciar e fomentar determinados comportamentos sociais e humanos, ela por si só não tem a capacidade de os manter. Apenas quando a sociedade, no seu todo segue, de acordo com os princípios e objetivos para os quais determinado(s) edifício(s) são construídos, esses mantém a sua eficácia neste aspecto. Assim, somos levados a compreender que a possibilidade da arquitetura servir como catalisador e agente de controlo comportamental humano apenas existe quando por detrás existe também algum tipo de autoridade que a reforce e lhe dê razão de ser.

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FRAMPTON, Kenneth (2003) - História Critica da Arquitectura Moderna, Martins Fontes. São Paulo.

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3 CAPITULO 3.1 A ENCOSTA DO CASTELO A Encosta do Castelo sita na encosta Oeste da colina onde assenta o Castelo de São Jorge. Apesar de mais recente, a sua história e origem acompanha a da própria cidade de Lisboa, pois esta tem a sua origem neste local. Rodeada a norte pelo bairro da Mouraria, a sul pela Sé, a este pelo castelo de São Jorge e sua cidadela e, finalmente, a oeste pela baixa pombalina. A esmagadora maioria do seu edificado é de pós terramoto de 1755, construções pombalinas e gaioleiras, sendo esporádicas as presenças de algum edifício mais recente (como é exemplo o Mercado do Loureiro). O desenho urbano caracteriza-se por ser irregular, contrastando de imediato com a baixa pombalina mas mantendo semelhanças com os bairros mais antigos que rodeiam a Encosta do Castelo, como Alfama ou a Mouraria, sendo deste modo visível que o traçado urbano se mantém desde os tempos medievais. Sobre a Encosta do Castelo iremos de seguida estudar a sua história e a relação que a população tem para com o edificado. Sendo o objecto de estudo desta dissertação as consequências da arquitetura contemporânea em núcleos históricos, e sendo a Encosta do Castelo um dos núcleos históricos da cidade de Lisboa, o estudo da relação entre população e edifícios terá de se fazer sobre construções recentes. No entanto, se se resumir a apenas edificações contemporâneas, correríamos o risco de ficar com uma percepção deturpada desta relação. Devido a esta razão, considerámos ser necessário estudar simultaneamente a relação da população que utiliza tanto o edificado contemporâneo como o mais antigo, podendo assim fazer uma comparação. Consideramos, ainda, perceber como se deve proceder quando se intervém em áreas históricas. Por essa razão estudaremos também boas práticas de reabilitação urbana, para que possamos ter uma percepção do que se faz de bem e de mal, evitando agir erradamente.

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3.2 ORIGENS E EVOLUÇÃO DA ENCOSTA DO CASTELO A cidade de Lisboa tem sua origem na colina onde, atualmente, se situa o castelo de São Jorge. A sua origem é no entanto, em muito, anterior à sua edificação. De facto, neste local conhecem-se estruturas habitacionais que remontam a pelo menos o século IV. Podemos, com certezas, afirmar que estas primitivas ocupações humanas neste local tinham já encetado contactos comerciais com os povos oriundos do Próximo Oriente, Grécia e Fenícia, pois foram encontrados entre as ruínas destas estruturas habitacionais cerâmicas oriundas destas localizações, nomeadamente panelas, potes e ânforas. A História da Encosta do Castelo é, assim, tão antiga como a da própria cidade de Lisboa. Anda, de facto, intrinsecamente ligada a ela. A partir do ano 137 a.C. está documentada a ocupação romana da cidade pelo general Decimus Junius Brutus, acontecimento que precedeu a construção da primeira muralha da cidade, protegendo assim o seu núcleo urbano (Álvaro Duarte Almeida, Duarte Belo ed. lit., 2007, pág. 256)151 Deste período inicial da ocupação romana deduz-se que a principal atividade da localidade fosse a produção e exportação de produtos de conserva piscícolas, azeite e vinho. A sua ocupação seria assim, predominantemente, feita por cidadãos romanos externos à região. Desta época existem poucos vestígios de estruturas que permitam definir com exatidão o tipo de ocupação que o topo da colina possuía, no entanto as tipologias que se conhecem apontam para uma área monumental ou religiosa. Posteriormente, já no período tardo-romano e durante as monarquias Sueva e Visigoda, é escassa a documentação sobre a cidade e região que a rodeava. Contudo, tendo em conta que Lisboa era uma urbe litoral cuja pujança económica dependia da sua proximidade com o atlântico, podemos depreender que durante esta era o seu destino foi semelhante a todas as médias e grandes cidades do antigo império romano, tendo portanto regredido económica e urbanamente durante os séculos VI a VIII. Esta situação sofre alterações apenas quando a cidade é entregue em 714 por Aidulfo, nobre da família do rei visigodo Vitiza, a Abd al-Azîz, filho de Mûsâ, comandante árabe 151

ALMEIDA, Álvaro Duarte; BELO, Duarte ed. lit. (2007) - Portugal Património Volume VII Lisboa, com a contribuição de Sandra Leandro. Círculo de Leitores, Casais de Mem Martins.

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da Hispania. Sabe-se que a rendição da cidade impunha o respeito, liberdade e segurança de Judeus e Cristãos (mediante o pagamento anual de tributo, lealdade e vassalagem à soberania islâmica) porém, dos três séculos imediatos a este evento pouco se sabe para além de conflitos esporádicos com cristãos e revoltas no seio da aparente hegemonia islâmica. D. Afonso II, rei das Astúrias, conquista Lisboa em 798 e mantém-na sob seu poder até 808, havendo posteriormente registos sobre a posse da cidade apenas em 844, quando é sitiada pelos Normandos durante 13 dias. Em 886, devido à revolta do governador da cidade, o Emir de Córdova é obrigado a intervir enviando uma esquadra para acabar com a insurreição, acabando assim o governador por ser encarcerado. Em 953 Ordonho III de Leão toma Lisboa, então chamada Al-Uxbuna, derrubando parte das muralhas. Em 966 ocorre um novo ataque por parte de Normandos que é repelido com a ajuda do exército enviado pelo Califa de Córdova al-Hakan II. Porém, o Califado não resiste à escalada de poderes regionais que enfraqueciam o poder central e, fragilizado pela pressão dos reinos cristãos do norte, em 1031 o território Islâmico fragmenta-se em diversos principados entregues a si próprios. Do século X a XII a zona de Lisboa era a cidade litoral mais rica do Garb-al-Andaluz, e o eixo Sintra-Santarém era rico e vasto. A partir daqui criavam-se os bens que abasteciam as rotas comerciais que aqui tinham um importante ponto de paragem, mantendo assim a abundância económica registada pelos escritos dos autores árabes Al-Razî, Al-'Udrî, Al-Bakrî e Idîsî. Estes autores também nos permitem saber que apesar da sua importância, Lisboa não foi (apesar de gozar de certa autonomia) centro de decisões quer politicas ou administrativas, militares ou económicas. Durante estes séculos a administração árabe de Lisboa deixou a sua marca no urbanismo da cidade: a Medina era o centro da cidade e seu núcleo urbano, à volta do qual se encontravam os bairros organizados segundo as etnias, credos e ofícios que os habitavam, o mercado, mesquitas e igrejas, rodeados por uma muralha que tinha como principal objetivo a proteção das populações dos arredores de Lisboa (atualmente Alfama e o sopé da colina do Castelo) em caso de necessidade. Na Medina, dentro da alcáçova (cidadela fortificada), habitaram as elites políticas, militares e administrativas, cujas muralhas e portas ainda hoje são visíveis na Praça Nova e no Largo do Chão da Feira. A Alcáçova sofreu alterações na zona Norte que

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resultaram na construção do Castelo, habitações e arruamentos da Praça Nova. Desconhece-se se existia anteriormente uma fortificação onde a presente está erigida, pois a pesquisa arqueológica resultou na descoberta de que toda a zona sofreu demolições e terraplanagens para a construção dos edifícios atuais, compreensíveis devido à extrema instabilidade política da época da sua construção. Após cinco meses de cerco, em 1147, com ajuda da Segunda Cruzada a cidade muda de mãos ficando sob controlo de D. Afonso Henriques, no entanto, à exceção dos indivíduos que a passaram a habitar a cidade mantém-se inalterada. (2012, pág. 5)152 Após a estabilização política e social da cidade, iniciaram-se variadas obras de recuperação e adaptação do edificado. Contam-se entre as mais significativas a transformação da mesquita para igreja dedicada ao culto cristão e onde o Bispo de Lisboa construiu o seu paço, fundando assim a freguesia de Santa Cruz; o palácio dos Bispos, atualmente na Praça Nova, foi remodelado; o Paço Real que, em 1248-1279, no reinado de D. Afonso III, foi alvo de obras, sendo ainda hoje visível o seu brasão d'armas na porta. A área dedicada à nobreza continuou a beneficiar de profundas obras de beneficiação, sendo a partir desta data e até ao século XVI, o período áureo do Castelo de São Jorge; o antigo palácio do alcaide, torna-se residência real, onde se instala o Rei e a Corte. Aqui habitavam também o alcaide que governava a cidade e o bispo que orientava a sua vida espiritual. Numa das torres do castelo toma assento o arquivo régio. A partir do espólio arqueológico e documental sabemos hoje como era a arquitetura do século XV a XVI: os palácios possuíam revestimentos de azulejo policromado, pavimentos de tijoleira e losetas de arestas, argamassa vermelha com quadrados entrecruzados decorados nas pontas com losetas monocromadas verdes e brancas, azulejos com motivos de estrela em azul, amarelo ou negro. A partir das habitações percebemos que Lisboa manteve a sua função comercial, pois dentro delas foram descobertos cerâmicas douradas de Valência e majólicas italianas entre diversas cerâmicas e recipientes de produção local. No século XVI a transferência do Rei e Corte para o Terreiro do Paço faz com que o Castelo altere a sua função de centro administrativo para militar, o que foi reforçado pela integração de Portugal em Espanha, pois durante os sessenta anos de ocupação

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Castelo de S. Jorge, Monumento Nacional (2012). EGEAC (2012). Câmara Municipal de Lisboa.

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espanhola de Portugal o Castelo de São Jorge era lar do comando político e militar, tendo-se procedido à instalação de um quartel que hospedasse o Governador e a sua guarnição, beneficiando assim as instalações de adaptação e modernização defensiva.

Ilustração 35 - "Planta de Lisboa em 1650, Portugal" (Tinoco, 1650)

A cidade irá ter alterações substanciais quando em 1498 constitui uma tentativa de restruturação funcional da cidade medieval com vista a dotá-la de qualidades urbanas auferidas por um novo conceito centralista de poder real. (...) Lisboa é então idealizada como capital à escala de um jovem império marítimo e comercial. Um conjunto de grandes equipamentos administrativos e comerciais nascem ou são remodelados, e a praça da Ribeira passa a desenhar-se em três frentes sobre o 153 154 Tejo. (Helder Carita , 2001, pág. 16)

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Hélder Carita é Arquiteto pela Escola Superior de Artes Decorativas/FRESS. Tem vários textos e obras publicadas, entre elas Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal e Arquitectura Indo-Portuguesa na Região de Cochim e Kerala 154 BARREIROS, Maria Helena, ed. lit. (2001) - Lisboa Manuelina, de Cabeça de Reino a Capital de Império in Lisboa, Conhecer Pensar Fazer Cidade, com a colaboração de Helder Carita. Centro de Informação urbana de Lisboa, Lisboa.

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A partir de esta altura impõe-se também novas regras arquitectónicas e urbanas que irão ser precursoras das grandes alterações pós terramoto de 1755 (Helder Carita, 2001, pág. 17). A cidade de Lisboa, que tinha até aqui tido o seu centro situado na Rua Nova (apesar de totalmente renovada na sua morfologia e desenho urbano), vai tê-lo transferido para a Ribeira que agora se desenvolve e urbaniza. "Paralelamente, mandam-se executar obras de reordenamento nas ruas principais, passando a irradiar, a partir deste novo centro urbano, cinco novos eixos." (Helder Carita, 2001, pág. 17) A restauração portuguesa não traduziu grandes alterações na ocupação do Castelo, pois manteve a função militar e controlo político: o quartel e a prisão ficaram inalterados e transferiu-se para o antigo Paço do Rei o Alcaide-Mor (atualmente Palácio do Governador) [ver se ainda existe], uma das torres do castelo e nas alas do antigo Paço mantiveram a função de instalações da Torre do Tombo. Alteração ao que anteriormente existia apenas o restabelecimento do hospital situado nas atuais bilheteiras do Castelo de São Jorge. A partir dos objetos encontrados nas escavações arqueológicas dos palácios e hospital depreendemos as mudanças que a sociedade lisboeta foi sofrendo, sendo notório que grande quantidade das loiças tinham brasões dos proprietários, a cerâmica comum foi sendo preterida às cerâmicas vidradas e faianças. Nas casas mais abastadas foram encontradas cerâmicas da China em considerável quantidade. Os vidros eram consideravelmente mais abundantes que anteriormente, tal como especieiros. Tudo isto nos leva a crer que o nível de vida e capacidade económica tanto da zona como da cidade era mais elevado que nos séculos anteriores.

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Ilustração 36 - "Planta de Lisboa em 1785, Portugal" (Milcent, 1785)

A arquitetura da cidade e, consequentemente, da Encosta do Castelo sofre as maiores alterações com o terramoto de 1755. Devido a este infortúnio, as muralhas, o castelo, o antigo Paço Real, a maioria dos palácios, ermidas, igrejas e habitações ficaram em ruinas. Apenas a igreja de Santa Cruz foi reconstruída, tudo o resto, reduzido a escombros e detritos, serviram de base às fundações da lenta reconstrução da cidade. D. Maria I ordena em 1780 a instalação da Casa Pia de Lisboa nas instalações sobreviventes dos antigos edifícios do Paço Real e quartéis, recebendo estes as crianças órfãs, abandonadas e pobres vitimas da miséria decorrente do cataclismo que destruiu a capital do reino. Sob responsabilidade do arquiteto Manuel Caetano de Sousa antigos edifícios foram adaptados e recuperados, foram abertas cisternas e os olivais foram expropriados para que os internados da Casa Pia, que ali se mantiveram até 1807, tivessem abastecimento de viveres assegurado. O General Eusébio Furtado foi também ele responsável por volumoso número de obras, tendo a área do Castelo e dos palácios que o rodeavam sendo progressivamente alteradas, adaptadas e destruídas para a função militar desde 1841 até às primeiras décadas do século XX.

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Segundo Severo de Carvalho155 apud Raquel Henriques da Silva156 à volta da Encosta do Castelo as alterações urbanas mais dignas de reparo por esta altura foram os melhoramentos viários que consistiam no "(...) alargamento de algumas ruas principais dos 'bairros infectos de Alfama e Mouraria'" (2001, pág. 59)157

Ilustração 37 - "Planta de Lisboa durante o século XIX, Portugal" (Wagner & Debes, 1901)

No século XX descobre-se também toda a história e vestígios das civilizações que agora descrevemos, graças às intervenções promovidas pela Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que não só nos permitiram saber o passado como lhe restituíram a imponência atual.

155

Severo de Carvalho foi vereador da Câmara de Lisboa em 1861. Raquel Henriques da Silva nasce em 1952 e doutorou-se em História da Arte pela Universidade Nova de Lisboa. Coordena desde 2005 o Mestrado em Museologia da mesma instituição e é colaboradora da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. Foi diretora do Museu do Chiado entre 1993-1997 e do Instituto Português de Museus entre 1997-2002. Tem diversas obras publicadas nas áreas da Museologia, Urbanismo, Arquitetura e Artes Visuais. 157 BARREIROS, Maria Helena, ed. lit. (2001) - Planear a Cidade Burguesa 1777-1900, Lisboa, Conhecer Pensar Fazer Cidade, com a colaboração de Raquel Henriques de Silva. Centro de Informação urbana de Lisboa, Lisboa. 156

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3.3 IDENTIFICAÇÃO DOS EDIFÍCIOS HISTÓRICOS PERTINENTES E SUA RELAÇÃO COM A POPULAÇÃO

3.3.1 CASTELO DE SÃO JORGE Mandado erigir inicialmente por Decimus Junius Brutus sobre um pré-existente castro, durante a maior parte da sua existência teve função defensiva e de administração do território circundante, sendo a progressão de utilidade militar para civil paralela ao decorrer da história. A relação da população com este monumento foi quase sempre uma relação de dependência pois o povo tinha no Castelo a sua segurança, e graças a ele a sua vida podia existir mergulhada nas preocupações e necessidades quotidianas da época Medieval.

Ilustração 38 - "Vestígios arqueológicos do bairro árabe, Castelo de São Jorge em Lisboa. Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 39 - "Reabilitação da cidadela moura, Castelo de São Jorge. Portugal. Realizada por Carrilho da Graça " (Ilustração nossa, 2012)

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Durante a ocupação árabe o castelo teve uma função não apenas militar mas também habitacional para a cúpula de poder e nobre, deixando no entanto de funcionar deste modo a partir do momento em que foi ocupado por Dom Afonso Henriques. Para o povo, na sua generalidade, o castelo era apenas um recurso de emergência para quando a cidade fosse vitima de ataques. Não havia, portanto, grande ligação direta entre ambos. Excluem-se desta relação as classes nobres, militares e, durante um breve período (a partir do domínio Filipino até cerca de 1780) população presidiária; estes grupos populacionais foram a pequena parte dos habitantes de Lisboa que conviveu e se relacionou profundamente com o Castelo. A situação alterase entre 1780 e 1807 quando serviu de instalações à Casa Pia de Lisboa. (Sandra Leandro158, 2007, pág. 257)159 Apesar dos restauros de todo o complexo defensivo do Castelo de São Jorge se terem iniciado em 1939, apenas Na viragem dos séculos XX-XXI o castelo tem sido objecto de algumas intervenções tendo em vista a requalificação e adaptação de alguns espaços a funções culturais, tais como: Reconversão da antiga Casa do Governador em 1997-1998 [...]; reconversão do caminho de ronda da alcáçova e criação do Centro Interpretativo e Museológico, em 1997-2001 [...]; criação na torre de Ulisses, de uma câmara escura onde é projetada, em tempo real, uma vista de 360º sobre Lisboa, colhida por um periscópio rotativo." 160 (Sandra Leandro, 2007, pág. 258)

Ilustração 40 - "Vestígios arqueológicos do palácio dos Condes de Santiago, Castelo de São Jorge. Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

158

Sandra Leandro inicia o seu percurso académico com um Mestrado em História da Arte Contemporânea pela Universidade Nova de Lisboa e um Doutoramento em História da Arte Contemporânea pela mesma Universidade. Tem vários artigos seus publicados e atualmente leciona na Universidade de Évora. 159 ALMEIDA, Álvaro Duarte; BELO, Duarte ed. lit. (2007) - Portugal Património Volume VII Lisboa, com a contribuição de Sandra Leandro. Círculo de Leitores, Casais de Mem Martins. 160 idem

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Ilustração 41 - "Núcleo arqueológico do Castelo de São Jorge em Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

De este tempo de riqueza e nobreza, clero abastado e poder, hoje apenas sobra a história. O núcleo arqueológico do Castelo de São Jorge é um dos lugares onde esta memória é visível e possível de ser interpretada por todos os que visitam este espaço. João Luís Carrilho da Graça161 e João Gomes da Silva162 foram os responsáveis pela musealização das ruínas que aqui se encontravam. The Musealization of the São Jorge Castle Archeological Site Plaza (...) deals with precision with all of the stratified elements in a spiraled sequence, blending architecture and landscape into a fusion of layers, or as stated by the architect, "the themes of protection, revelation and readability of the palimpsest that any such excavation represents, with a pragmatical approach aimed at clarifying the palindromic quality of 163 interpretation that the exposed structures represent in their spatial distribution. 164 (Carlos Pedro Sant'Ana, 2010, pág. 43)

A intervenção consiste assim em um volume branco e numa estrutura de aço corten que circunda todo o recinto onde se situam as escavações, com dois volumes no mesmo material suspensos por cima dos vestígios do palácio do século XV e sobre os achados arqueológicos da idade do ferro. Por cima das ruínas das habitações árabes encontra-se o volume branco, que parece pairar sobre este. The third element, the white hovering volume, recreates the spatial experience of a domestic housing cluster from the Mediaeval Muslim occupation of the city. It's built in a

161

João Luís Carrilho da Graça nasce em Portalegre no ano de 1952. É um arquiteto português que se formou na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, em 1977. Lecionou na Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa entre 1977 e 1992. É professor convidado desde 2001 na Universidade Autónoma de Lisboa e desde 2005 na Universidade de Évora 162 João Gomes da Silva nasceu em Lisboa no ano de 1962, e tornou-se arquiteto paisagista pela Universidade de Évora em 1987. Foi professor assistente nesta instituição entre 1987 e 1994. Desde 2001 que é professor convidado na Universidade Autónoma de Lisboa. Iniciou o seu atelier em 1997. 163 (SANT'ANA, Carlos Pedro (2010) - São Jorge Castle Archeological Site Plaza. C3, 312 August 2010. Seul. ISSN 2092-519007. (2010) 43-46) A Musealização do Núcleo Arqueológico do Castelo de São Jorge (...) lida com precisão todos os elementos estratificados numa sequência em espiral, misturando arquitetura e paisagismo em uma fusão de layers, ou como definido pelo arquiteto, "os temas de proteção, revelação e leitura do palimpsesto que qualquer escavação destas representa, com uma intervenção pragmática orientada em tornar claro a qualidade palíndroma da interpretação que a estruturas expostas representam na sua distribuição espacial. (Tradução nossa) 164 SANT'ANA, Carlos Pedro (2010) - São Jorge Castle Archeological Site Plaza. C3, 312 August 2010. Seul. ISSN 2092-519007. (2010) 43-46

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scenographic way to perceive the real scale and disposition of the rooms and courtyard 165 166 of the period. (Carlos Pedro Sant'Ana, 2010, pág. 46)

Segundo informações recolhidas junto da Junta de Freguesia do Castelo a população que habita a cidadela é maioritariamente idosa, tendo em média 65 anos. É uma comunidade formada principalmente por pensionistas e reformados, onde é notória a ausência de jovens e capacidade financeira. As rua formam-se por habitação muitas vezes degradada e, outras, claramente de áreas reduzidas e parcas condições de habitabilidade. Este conjunto habitacional coabita com o comércio turístico e da restauração, que coincidentemente existe para esse público alvo. De facto, o comércio turístico é a única atividade económica descoberta durante as visitas ao local.

Ilustração 42 - "Rua da cidadela do Castelo de São Jorge em Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

A cidadela do Castelo de São Jorge caracteriza-se assim por ruas estreitas, de traçado bastante irregular, onde o património arquitectónico é predominantemente habitação de populações sem posses, com pouco exemplos de edifícios recuperados onde contrastam profundamente as capacidades financeiras de quem neles habita quando comparados à quase totalidade dos seus vizinhos 165

(SANT'ANA, Carlos Pedro (2010) - São Jorge Castle Archeological Site Plaza. C3, 312 August 2010. Seul. ISSN 2092-519007. (2010) 43-46) O terceiro elemento, o volume branco flutuante, recria a experiencia espacial domestica de um aglomerado habitacional do período da ocupação árabe da cidade. é construído num modo cenográfico para se compreender a escala real e a disposição dos quartos e pátios do período. (Tradução nossa) 166 SANT'ANA, Carlos Pedro (2010) - São Jorge Castle Archeological Site Plaza. C3, 312 August 2010. Seul. ISSN 2092-519007. (2010) 43-46

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Ilustração 43 - " Rua da cidadela do Castelo de São Jorge em Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

A dedicação por parte das entidades camarárias do complexo do Castelo de São Jorge à indústria do turismo é aparentemente completa; para além de os turistas serem praticamente as únicas pessoas que se vêm nas ruas do mesmo, o próprio território e população residente parece perder em prol dos primeiros; fora das ruas principais e mais próximas da entrada no castelo propriamente dito, até o revestimento da chão é diferente, sendo claramente menos cuidado o que foge à vista dos visitantes. A administração do espaço pela câmara municipal, através da EGEAC167, também aparenta ser algo indesejada. São visíveis em inúmeros imóveis palavras de contestação à entidade. Segundo informações dadas por um morador (e as suas palavras espelham o sentimento geral da situação da cidadela e castelo entre população, edificado e administração territorial) "Quem aqui vive só ainda não foi corrido porque os turistas gostam de tirar fotografias aos lençóis pendurados nas janelas". Segundo o mesmo "antigamente viva aqui muita gente. Haviam aqui três grupos desportivos, hoje está quase tudo abandonado. Eu até lhe digo mais, isto por vezes parece um condomínio fechado, chega às nove da noite não se vê ninguém na rua, é um deserto fechado".

Ilustração 44 - "Entrada do castelo de São Jorge em Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

167

Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, tutelada pela Câmara Municipal de Lisboa, está encarregue da gestão de variado património cultural de Lisboa, entre ele o Castelo de São Jorge

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Talvez devido ao preço dos bilhetes quando comparado com as posses da maioria da população numa altura em que o país atravessa mais uma crise financeira a população da cidade também não se faz notar no Castelo. Deste modo um espaço verde qualificado, um miradouro de excelência para a cidade e estuário do rio que banha a cidade, um museu e espaço arqueológico são indiretamente colocados numa situação de acesso dificultado à população residente da cidade, precisamente a que mais poderia beneficiar da história e espaço verde no centro da cidade.

Ilustração 45 - "Miradouro e jardim do Castelo de São Jorge em Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 46 - " Miradouro e jardim do Castelo de São Jorge em Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

Devido a estas razões, a relação humana para com o Castelo de São Jorge divide-se essencialmente em três; a dos turistas que olham para o conjunto com admiração mas sem grande ligação, a dos habitantes da cidadela que se sentem postos em segundo plano e algo isolados do resto da cidade, e o da população de Lisboa na sua generalidade tem o Castelo como monumento nacional, sempre presente na paisagem lisboeta, mas cuja presença é algo distante da sua vida quotidiana pois raramente o visita, sendo a sua presença mais notória apenas durante as festividades dos Santos Populares. Consideramos por isso, que apesar de compreendermos que o Castelo é um monumento que impõe elevados custos de manutenção e, assim, se compreende o seu isolamento parcial à população que o rodeia provocado pelo elevado preço dos bilhetes, questionamo-nos se se deveriam encontrar outras soluções para que um lugar tão privilegiado fosse proveitoso para todos e não para quase exclusivamente para aqueles que o visitam vindos de longe.

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3.3.2 SÉ DE LISBOA Mandada erigir em 1147 após a conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques, no local onde antes se situava uma mesquita do tempo da ocupação árabe, a Sé de Lisboa é um edifício religioso de carácter robusto, amuralhado, defensivo de aberturas em fresta-de-igreja-fortaleza [...], permitem a integração do traçado estilístico da igreja inicial numa época de transição e compromisso entre o estilo românico e o estilo gótico. O edifício original, com três naves, estruturado em cruz latina, tendo o seu eixo longitudinal a orientação nascentepoente, tinha uma cabeceira (a nascente) constituída por uma abside e duas absidíolas, comunicantes com um pátio sustentado por um troço da muralha (Susana 168 Santos, 2007, pág. 251)

Ilustração 47 - "Claustro da Sé de Lisboa e as escavações arqueológicas no seu interior" (Ilustração nossa, 2012)

Como qualquer outro edifício que exista à mais de oito séculos, foi sofrendo inúmeras remodelações e restauros e o resultado de todas elas é a igreja que hoje se assemelha formalmente com a obra no século XIV.

168

ALMEIDA, Álvaro Duarte; BELO, Duarte ed. lit. (2007) - Portugal Património Volume VII Lisboa, com a contribuição de Sandra Santos. Círculo de Leitores, Casais de Mem Martins.

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Ilustração 48 - "Exterior da Sé de Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

Na torre Sul e na galeria sobreposta à nave lateral, encontra-se um espaço museológico onde se expões o Tesouro da Sé, composto por uma coleção de pratas, paramentos, imaginária, manuscritos iluminados e relíquias associadas a São Vicente. (Susana Santos, 2007, pág. 252)169 No tocante à relação humana com a obra, como o seu uso foi sempre primordialmente religioso podemos deduzir que ela foi essencialmente um lugar de veneração e dedicação ao divino.

Ilustração 49 - "Nave central e altar da Sé de Lisboa, Portugal" (Ilustração nossa, 2012) 169

ALMEIDA, Álvaro Duarte; BELO, Duarte ed. lit. (2007) - Portugal Património Volume VII Lisboa, com a contribuição de Sandra Santos. Círculo de Leitores, Casais de Mem Martins.

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Atualmente no entanto, não é de todo este o caso. A Sé é o segundo monumento de Lisboa mais visitado e, por isso, a esmagadora maioria da população que lá entra são turistas. Mantem-se assim uma atitude de alguma veneração para com a obra, que agora nenhuma ligação tem com o divino mas sim com a volumetria do edifício, com a

Ilustração 50 - "Turistas dentro da Sé. Lisboa, Portugal"( Ilustração nossa, 2012)

decoração do mesmo, com os seus vitrais e capelas, com o claustro e o Tesouro, enfim, com a história. Segundo informações prestadas pelos vendedores de bilhetes dentro da Sé a esmagadora maioria dos visitantes é exclusivamente turista, o que demonstra que a população residente tem para com o edifício um comportamento que se resume a ignora-lo durante o ano inteiro e apenas lhe dando uso aquando de festas populares onde a Sé é usada principalmente pelo seu espaço urbano (especificamente o largo que se estende à sua frente) e como referencia espacial. Não existe uma atitude contra o edifício como por exemplo estudamos no capitulo 1.3.1. onde a população não utilizada os locais predestinados pelo Estado para socialização e que, após a queda do comunismo, foram abandonados. A natureza do abandono da população ao uso deste edifício é completamente distinta. Aqui o caso resume-se à população não ter, na sua generalidade, interesse em visitar um monumento com o qual convive diariamente, e não tendo nada a fazer dentro dele, e não existindo nenhuma atividade ou motivo para a sua visita além de olhar para a obra (por muito interessante que possa ser olhar para um edifício para quem, na sua

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esmagadora maioria, é iletrado em história ou arquitetura) pura e simplesmente ignora-a até algo lá acontecer, nomeadamente festividades supostamente religiosas que na realidade se cingem a ser sociais (os Santos Populares e as Noivas de Santo António). Concluímos assim que à semelhança do que se passa com o Castelo de São Jorge a relação da população com estas obras históricas, que de certo modo dominam pela sua importância o meio onde se inserem, é extraordinariamente reduzida pois resumese à sua usufruição em reduzidos períodos de tempo, e que quem mais as visita e com elas tem ligação direta são os turistas. Isto não é dizer que a população que habita nos núcleos históricos que integram as ignore ou com elas não tenha ligação, simplesmente ela durante o quotidiano faz-se de um modo muito indireto.

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3.4 IDENTIFICAÇÃO DOS EDIFÍCIOS CONTEMPORÂNEOS PERTINENTES E SUA RELAÇÃO COM A POPULAÇÃO

3.4.1 ESTACIONAMENTO PORTAS DO SOL Derivado da necessidade de dotar o núcleo histórico de Lisboa com estacionamento de proximidade das populações residentes (cuja ausência é um dos motivos para o seu abandono), determinaram em conjunto o Pelouro dos Transportes da Câmara Municipal de Lisboa, a EMEL170, a Carris e o Metropolitano a de criação de um silo de estacionamento automóvel na zona das Portas do Sol (Marta Bandeira, 2008, pág. 48)171172. A área urbana onde foi proposta a construção do silo situa-se em Alfama, sendo limitada pela Rua do Salvador e o Beco de Santa Helena. A génese da malha consolidada onde se inclui este quarteirão remonta à construção dos bairros históricos da cidade caracterizados pelas edificações medievais, as estreitas ruelas e os declives 173 acentuados limitados pela cerca moura. (Marta Bandeira, 2008, pág. 58)

Apesar do seu estudo prévio ter sido produzido pelos Arquitectos Carlos Sant'Ana e Luís Pedro Silva durante apenas dois meses após a EMEL lhes ter atribuído tal proposta, o projeto que vingou foi o que os Arquitectos Aires Mateus apresentaram após também a EMEL lhes ter entregue o projeto na fase de seleção do empreiteiro. No projeto de estudo prévio, o programa consistia num estacionamento automático, uma galeria comercial que ao existir viabilizasse financeiramente a parede vegetal que se propunha, a manutenção do campo de jogos que existia no local, e finalmente exigia-se também aos arquitetos uma praça que mantivesse a memória de um espaço aberto anteriormente ocupado por um vazio urbano, vestígios do campo de cultivo do Convento do Salvador até ao séc. XIX. Por descuido do Convento, com o passar dos anos, esta área passou a ser um local de entulho público de Alfama. Posteriormente, o Centro Cultural de Dr. Magalhães Lima apoderando-se do terreno e

170

Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa (EMEL) é a empresa responsável pelos parques de estacionamento automóvel da cidade de Lisboa, detendo variados imóveis que têm essa utilidade. 171 BANDEIRA, Marta de Abreu Freire Pacheco (2008) - Estacionamento Intensivo em Malhas Históricas. Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa. Lisboa. Dissertação 172 Marta de Abreu Freire Pacheco Bandeira inicia a sua formação académica em 2001 no Instituto Superior Técnico e finaliza o seu Mestrado em Arquitetura em 2008 na mesma instituição. Entre 2009 e 2011 colaborou no atelier de João Pedro Falcão de Campos. 173 idem, ibidem

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limpando toda a lixeira existente, construiu um campo desportivo (...). (Marta Bandeira, 174 2008, pág. 59)

O campo de jogos era de extrema importância para a população local. Sendo inicialmente ser um espaço desprovido de valor para a comunidade que à sua volta habitava (era um entulho público) este foi limpo, reabilitado e devolvido ao bairro, e era nele que tinham lugar festas populares, eventos do dia-a-dia e outras atividades sociais. Posterior ao projeto proposto, a realidade construída: o edifício compõe-se por três corpos, todos fazendo parte da mesma obra; o primeiro deles consiste no estacionamento automático, condicionado ao público. Forma-se por três pisos com capacidade para 150 automóveis e um piso técnico. O acesso a estes faz-se por dois elevadores fixos giratórios a 180º que posicionam os automóveis no sentido de marcha de saída.

Ilustração 51 - "Praça, restaurante e entrada do estacionamento automático nas Portas do Sol em Lisboa, Portugal."( Ilustração nossa, 2012)

O segundo dos corpos abrange a galeria comercial, bem como os seus acessos (escadas e saída para elevadores).

174

BANDEIRA, Marta de Abreu Freire Pacheco (2008) - Estacionamento Intensivo em Malhas Históricas. Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa. Lisboa. Dissertação

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O terceiro e último corpo é-nos sucinta e claramente explicado por Marta Bandeira ao dizer que, (...) apesar de não ser um volume construído, constitui um dos elementos principais do projeto - a praça. A cobertura do edifício por se encontrar de nível, pretende conectar a nova praça com o Largo das Portas do Sol, através de uma ponte por cima do Beco de Santa Helena. Este novo eixo de circulação pedonal pressupõe um fluxo continuo entre este largo e a Rua das Escolas Gerais através do convento do Salvador, com o intuito 175 de no futuro reabilitar este último para um novo equipamento (2008, pág. 60)

A parede vegetal proposta no projeto de estudo prévio foi infelizmente abandonada, sendo substituída por revestimentos menos onerosos como reboco pintado e alguns espaços revestidos a pedra lioz. A praça que se exigia como manutenção do préexistente funciona independente do que a rodeia: não tem ligação física ao Largo das Portas do Sol nem ao Convento de Salvador. Funciona, até, a uma cota inferior ao Largo, o que a torna em mais um miradouro de Alfama. Devido à diferença de cotas e consequente subdivisão da praça em dois patamares, o campo de jogos que tanta importância tinha para a população local acabou por ser impossibilitado e, assim, esse espaço comunitário pura e simplesmente desapareceu. Também o espaço comercial viu a sua área reduzida devido a esta opção de dividir a praça em dois patamares, encontrando-se à altura da produção desta dissertação utilizada como restaurante-bar. Como pontos positivos e bem sucedidos do projeto podemos referir que Ao nível arquitectónico a intervenção numa malha urbana tão consolidada em termos formais exige uma integração compatível com o carácter e vocação do novo objecto. Assim sendo, a adaptação subtil do novo edificado ao terreno não só é adequada à sua função como o impacto construtivo não é significativo numa envolvente patrimonial. 176 (Marta Bandeira, 2008, pág. 63)

A utilização de um sistema automático permite que um maior número de automóveis possa ser estacionado numa zona terrivelmente carenciada de espaço, maximizandoo e satisfazendo uma necessidade para a melhoria de vida da população. No entanto, esta parece não utilizar o serviço oferecido pela EMEL. Segundo a empresa e oficialmente, a população desconfia de um sistema automático onde o seu carro fica sem a sua vigilância, embora o bom senso nos aponte para que o motivo 175

BANDEIRA, Marta de Abreu Freire Pacheco (2008) - Estacionamento Intensivo em Malhas Históricas. Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa. Lisboa. Dissertação 176 idem

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basilar seja o elevado preço do estacionamento, algo que se confirma quando sabemos que o edifício se situa numa zona onde não abundam os recursos económicos da população. Deste modo, os principais utilizadores do serviço de estacionamento automático são os turistas. A destruição de um espaço de grande importância comunitária e a sua não substituição por outro que propiciasse aos habitantes um lugar que lhes era desejado e pré-existente, vem destruir vida comunitária que é essencial num processo de reabilitação e requalificação de núcleos históricos urbanos. Assim, por opções que nos são alheias e incompreensíveis, criou-se um espaço onde os principais utilizadores são turistas, visitantes ocasionais que não lidam nem habitam com a obra no seu dia a dia, e skaters que encontram neste espaço da cidade condições para a sua prática desportiva, deixando de fora praticamente todos os outros habitantes deste núcleo histórico da cidade de Lisboa.

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3.4.2 MERCADO DO CHÃO DO LOUREIRO Apesar do Mercado do Chão do Loureiro existir desde 1951, a investigação que desenvolvemos neste subcapítulo sobre o modo como a população lida com o edifício concentra-se-á no período pós reabilitação em estacionamento público, pois este período é o que reflete a atualidade e nos permite indicações sobre os prováveis comportamentos humanos no futuro decorrentes entre pessoas e o edifício. No entanto, o facto de que a conversão para o atual uso ser extremamente recente as observações e conclusões que apesar de corretas pois comprovadas por observação direta, poderão não ser exaustivas ou abranger todas as implicações que o edifício poderá vir a ter na vida urbana devido não ao pouco tempo decorrido e a impossibilidade de descortinar com segurança o futuro. Com a reabilitação do edifício do Mercado do Chão do Loureiro, este passou novamente a ter significado na área urbana onde se insere. Onde antigamente apenas se utilizava o topo da construção, devido ao seu interior estar fechado porque o mercado tinha sido já desativado e, consequentemente abandonado, agora se permite que a população estacione os seus automóveis, abasteça-se de bens e continue a usufruir de uma vista esplendorosa sobre a cidade. Acontece que, pelo que observamos, a capacidade do parque de estacionamento nunca está lotada, nem disso se aproxima. Esta situação é algo caricata, pois a (correta) justificação para a construção de um silo automóvel neste local era o estacionamento caótico nas ruas históricas da Encosta do Castelo. O facto de que após avultado investimento para a solução deste problema ela não ser utilizada levanos a questionar se a população dispensa este serviço por, precisamente, ser um serviço e não simplesmente uma alternativa ao caos de antigamente. A população do bairro da Encosta do Castelo é, na sua maioria, idosa e de parcas condições financeiras. Assim se compreende o porquê de se subaproveitar o corpo principal do edifício. De facto, o miradouro que pode ser apreciado e utilizado por qualquer cidadão é o espaço mais qualificado. Foi também o que sofreu mais contestação e aquele com que a população mais se preocupou ao temer o seu fim. Desde a recuperação do Mercado do Chão do Loureiro este miradouro tem quase sempre a visita de alguém,

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normalmente turistas, sendo curioso o efeito que teve nos espaços circundantes. Cafés e pequenas esplanadas nasceram e cresceram ao redor dos acessos ao miradouro, dinamizando toda a área e revitalizando algum comércio. Comércio é também o uso que foi instalado no piso térreo, e segundo as observações do autor no local, com bastante sucesso. Aparentemente a população necessitava de um local onde adquirir os bens de consumo, especialmente géneros alimentares, que apenas estavam existiam a alguma distancia e agora passaram a estar disponíveis mesmo no centro do bairro. A função de mercado, uso original do edifício, parece assim justificar-se ainda hoje. Infelizmente, na forma de um supermercado incaracterístico, espacialmente desinteressante. No geral porém cremos que a reabilitação do edifício é uma solução satisfatória para os problemas que se propunha a resolver. Tal consideração confirmase em parte pelas nossas observações no terreno e em parte pelo que estudamos.

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3.5 REABILITAÇÃO URBANA

A arquitetura é o reflexo de nós. Mostra-nos aquilo que, enquanto sociedade no seu todo, somos e fazemos. É, também, a memória de onde viemos. Importa por isso preservar o nosso legado histórico, presente nos inúmeros núcleos históricos das cidades. Como faze-lo? é um assunto complexo e abrangente que merecia e continua a merecer inúmeros estudos e teses, não podendo nós estudá-la na sua totalidade aqui. Exploraremos no entanto, tanto quanto nos for possível, esta questão que é de extrema relevância para o nosso objeto de estudo. Centraremos o desenvolvimento deste problema na atualidade, pois o que nos importa aqui é compreender o que se está a fazer e como se deve fazer a reabilitação do edificado, e não a perspectiva histórica das ações que se têm concretizado neste âmbito. Sabemos hoje que nem tudo o que faz parte dos núcleos históricos se deve manter, a pré-existência e a história subjacente a cada edifício não justifica por si a sua existência pois Na cidade, nem tudo o que é antigo é bom, só por ser antigo, mas provavelmente é antigo precisamente porque sempre foi bom, e por isso, sempre escapou ao filtro dos 177 178 séculos. (Rui Ramos Loza , 2000, pág. 176)

177

Rui Ramos Loza, nascido em 1949, é técnico superior da CCDR-N (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional - Norte), em comissão de serviço no Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, como Diretor da Delegação do Porto, e, administrador da Porto Vivo – Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Portuense. Arquiteto, licenciado pela ESBAL (Escola Superior de Belas Artes de Lisboa) em 1977, iniciou a atividade profissional como arquiteto do GAT (Gabinete de Apoio Técnico) de Lamego, onde trabalhou até 1981. Transferiu-se para a CCRN (Comissão de Coordenação da Região do Norte) onde trabalhou 10 anos (de 1981 a 1990) nas áreas do Ordenamento do Território e do Ambiente. Foi docente no curso de arquitetura da ESAP (Escola Superior Artística do Porto), em acumulação, nos anos de 1984 a 1988. Foi durante 13 anos (de 1990 a 2003) Diretor do CRUARB (Projecto Municipal para a Reabilitação Urbana do Centro Histórico do Porto) onde desenvolveu atividade na área da Reabilitação Urbana tendo sido coordenador da elaboração do processo de candidatura do Centro Histórico do Porto à inclusão na Lista do património mundial da UNESCO. É professor convidado da Universidade de Aveiro, desde 1988, atualmente na Secção Autónoma de Ciências Sociais Jurídicas e Políticas onde lecciona cadeiras do curso de Planeamento Regional e Urbano. Terminou em 2002 o 2º ano do curso de doutoramento em problemas da arquitetura, da Universidade de Valladolid, Espanha, tendo obtido o grau de investigador. Desenvolve trabalhos para a elaboração de tese de doutoramento. É autor de numerosos planos e projetos de arquitetura e de urbanismo e de um grande número de artigos, comunicações e conferências sobre Arquitetura, Planeamento, Reabilitação Urbana e Património. É autor de dezenas de artigos, comunicações e conferências sobre cidade, arquitetura e reabilitação urbana. Coordenou a equipa que elaborou o Plano de Gestão do Centro Histórico do Porto, Património Mundial. É vice-presidente da Direção da ADDICT - Agência para o Desenvolvimento do Cluster das Indústrias Criativas do Norte de Portugal

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Algumas vozes menos conhecedoras desta problemática, alienadas ou ignorantes da experiencia e conhecimento que os arquitetos possuem sobre o assunto, advogam por vezes o contrário. É muito frequente, nos últimos anos, assistir a posições intransigentes de defesa da conservação de tudo o que enche as construções e o subsolo da cidade, querendo entender isso como boa política de preservação da cidade histórica. Muitas intervenções são criticadas por não conservarem todas as características construtivas dos momentos anteriores, muitas vezes eles próprios resultado de muita evolução, transformação e substituição. A salvaguarda das pré-existências, sem dúvida essencial para salvaguarda de valores importantes da memória colectiva, é, por muitos, erigida em principio "religioso" intransponível e inquestionável. A atitude típica dos restauradores, tenta aplicar-se à cidade como se se tratasse de um bem cristalizado, acabado, onde nada pode ser mexido sem que isso constitua 179 atentado ao passado!" (Rui Ramos Loza, 2000, pág. 166)

Curiosamente, segundo a opinião expressa no livro acima citado, a atitude generalizada dos conservadores quando lidam com a arquitetura é semelhante à dos sociólogos que já observámos antes: a de uma parcial compreensão do tema e a sua certeza de que a opinião defendida por si é a correta, resistindo a opiniões contrastantes na certeza de que os factos que observaram justificam o que julgam, e ignorando todos os outros que, apesar de terem tanto ou mais valor, põem a nu a fragilidade dos seus argumentos. Esta consideração é partilhada por Steven Tiesdell, Taner Oc e Tim Heath ao contraporem a sua opinião com a de D. D. Rypkema180 The desire to preserve evidence of the past has many justifications. Rypkema (1992, p. 206) notes: 'Preservationists often talk about the "value" of historic properties: the social value, the cultural value, aesthetic value, urban context value, architectural value, historical value, the value of sense of place. In fact one of the strongest arguments for preservation ought to be that a historic building has multiples layers of "value" to its community'. Underpinning the other justifications, however, are arguments based on 'economic value'. The desire to preserve must ultimately be a rational economic and

178

LOZA, Rui Ramos, ed. lit. (2000) - CRUARB 25 anos de Reabilitação Urbana. Câmara Municipal do Porto, Porto. 179 idem 180 D. D. Rypkema iniciou a sua carreira ao concluir um mestrado em Conservação Histórica na Universidade de Columbia. É autor de várias obras e vários artigos seus foram já publicados. Durante a sua carreira foi consultor de diversas entidades, entre elas a National Trust for Historic Preservation e a National Main Street Center.

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commercial choice; problems will arise where buildings are preserved only as a 181 182 consequence of legal and land use planning controls . (1996, pág. 11)

Também Rui Ramos Loza nos demonstra que a reabilitação urbana tem necessariamente de ser um processo que inclua não só o valor patrimonial e cultural do edificado a manter mas também a sua sustentabilidade económica através da adaptação às necessidades da sociedade atual. O conceito de reabilitação urbana, que hoje vem sendo rebaptizado de regeneração urbana, procura integrar, da forma mais abrangente possível, as noções de cidade física, social, económica, histórica, política, tangível e intangível. Neste conceito não pode ficar de fora nenhum vector relevante para o resultado urbano, considerado o processo evolutivo de transformação de usos e formas da 183 cidade e dos seus cidadãos e instituições. ( Rui Ramos Loza, 2000, pág. 174)

Consideramos que, devido a as cidades não serem lugares estanques nem parados no tempo, e sofrendo Lisboa a desertificação dos seus núcleos históricos como sofre, impera ponderar seriamente como se deve proceder à sua reabilitação. Queremos com isto dizer que esta tem de responder às necessidades do presente, não se mantendo e cristalizando tudo, sob o risco de estes lugares tornarem-se corredores de edifícios antigos mantidos para os turistas tirarem fotografias. Reabilitar e regenerar a cidade, impõe a aceitação do novo. Entenda-se o novo como podendo ser o novo edifício, o novo espaço público, o novo comércio, o novo meio de transporte, a nova organização, a nova vertente económica. 184 (Rui Ramos Loza, 2000, pág. 176)

A sobrevivência económica dos núcleos históricos exige que a musealização da cidade não ocorra, pois caso contrário esta acaba inevitavelmente por desertificar,

181

(TIESDELL, Steven, OC, Taner, HEATH, Tim (1994) - Revitalizing Historic Urban Quarters. Architectural Press. Oxford ) O desejo de preservar provas do passado tem muitas justificações. Rypkema nota: 'Conservacionistas muitas vezes falam acerca do "valor" das propriedades históricas: o valor social, o valor cultural, o valor estético, o valor do contexto urbano, o valor arquitectónico, o valor histórico, o valor do sentido de lugar. De facto um dos argumentos mais fortes para a conservação é a de que um edifício histórico tem muitas camadas de "valor" para a comunidade'. Suportando e mais importante que as outras justificações, porém, estão argumentos baseados no 'valor económico'. O desejo de conservar tem acima de tudo ser uma escolha racional económica e comercial; surgirão problemas onde os edifícios são conservados apenas como consequência de controlo por legislação e planeamento urbanistico. (Tradução nossa) 182 TIESDELL, Steven, OC, Taner, HEATH, Tim (1994) - Revitalizing Historic Urban Quarters. Architectural Press. Oxford 183 LOZA, Rui Ramos, ed. lit. (2000) - CRUARB 25 anos de Reabilitação Urbana. Câmara Municipal do Porto, Porto. 184 idem

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abandonada e vazia, e finalmente "morrer". Burtenshaw et al apud Steven Tiesdell185, Taner Oc186 e Tim Heath187 descrevem-nos este problema dizendo que (...) the failure to find new uses for preserved buildings 'condemns the city to an existence as an open-air museum'. Thus, in addition to the visual, architectural and historical qualities, consideration of the functional characteristics of areas and the active economic use of the protected buildings was introduced as a conservation concern: 'the preservation of form has implications for urban functions, and conservation therefore 188 becomes an instrument of urban management'. (Steven Tiesdell, Taner Oc, Tim 189 Heath, 1994, pág. 4)

Talvez pelo estudo que os arquitetos produzem sobre a história da humanidade e da própria arquitetura, possuem na sua esmagadora maioria a consciência de que as cidades são organismos vivos onde existe passado, presente e futuro. Importa manter o passado, mas também este se constitui de inúmeras alterações do que era na altura pré-existente para adaptação às necessidades do seu presente. Tivemos a oportunidade de vê-lo nas páginas anteriores quando estudávamos a Encosta do Castelo, cuja história remota, hoje conhecida, nos demonstra a constante adaptação da cidade às suas necessidades e sociedade que, a determinado momento, a ocuparam. Seria, hoje, completamente absurdo reabilitar um prédio de habitação setecentista, e obrigar a família que lá fosse residir a viver com as condições de há duzentos anos! (...) o nosso objectivo é proporcionar condições de reabilitação urbana, entendida no sentido integrado da vida. Não é nosso objectivo construir o museu da cidade no lugar da cidade. É nosso objectivo continuar a cidade, guardando tudo o que se pode compatibilizar com a vida das famílias, dos comerciantes, (...) dos turistas e visitantes. 190 (Rui Ramos Loza, 2000, pág. 170)

185

Steven Tiesdell é urbanista pela Universidade de Nottingham. Leciona no Departamento de Urbanismo da mesma instituição e é coautor de Urban Design: Ornament and Decoration. 186 Taner Oc é urbanista e tem feito o seu percurso académico em várias instituições, na Middle East Technical University, na Universidade de Chicago e na Universidade da Pennsylvania. É chefe do Departamento de Urbanismo na Universidade de Notthingham. Foi coautor de Urban Design: Ornament and Decoration e coeditor de Current Issues in Planing Volumes I & II. 187 Tim Heath é urbanista. O seu percurso académico formou-se na Universidade de Manchester e na Universidade de Notthingham. Leciona no Departamento de Urbanismo da Universidade de Notthingham 188 (TIESDELL, Steven, OC, Taner, HEATH, Tim (1994) - Revitalizing Historic Urban Quarters. Architectural Press. Oxford) O falhanço de em encontrar novos usos a edifícios preservados 'condena a cidade a uma existência como museu a céu aberto'. Assim, em adição das qualidades visuais, arquitectónicas e históricas, foi introduzida como consideração de conservação as características funcionais de áreas e o uso económico ativo dos edifícios protegidos: 'a preservação da forma tem consequências para as funções urbanas, e por isso a conservação torna-se um instrumento de gestão urbana'. (Tradução nossa) 189 TIESDELL, Steven, OC, Taner, HEATH, Tim (1994) - Revitalizing Historic Urban Quarters. Architectural Press. Oxford 190 LOZA, Rui Ramos, ed. lit. (2000) - CRUARB 25 anos de Reabilitação Urbana. Câmara Municipal do Porto, Porto.

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Felizmente a posição dos atores intervenientes na reabilitação urbana tem vindo a tender para esta visão mais global do problema, e as intervenções que temos vindo a observar na cidade de Lisboa, mais especificamente no sitio que estamos a estudar e os bairros circundantes que partilham com este a identidade histórica, aparentam-no nas suas intenções mais ou menos bem conseguidas. A reabilitação urbana é uma ação de tremenda complexidade que não se coaduna com uma regra rígida, com um regulamento geral que resolva e defina quais as ações, opções e a tomar em todo e qualquer caso. É, pelo contrário, uma ação onde é e sempre será necessária uma atenta leitura do lugar onde tal intervenção se irá realizar, onde se requer que cada caso seja compreendido como único. Não há equilíbrios estáveis, nem soluções standard. Cada obra exige do arquitecto uma resposta ajustada. Só vendo o prédio, por dentro e por fora, conhecendo o estado de conservação das suas paredes, pavimentos e coberturas, se pode equacionara melhor solução. Só conhecendo o substrato arqueológico se podem definir as fundações, só conhecendo a extensão das patologias se pode optar, com fundamento, pela manutenção ou não de madeiras, taipas, alvenarias, telhados, escadas. (Rui Ramos 191 Loza, pág. 172)

A opção de restaurar um edifício, de manter apenas a fachada, de demolir e construir de novo, será sempre uma opção que deverá ser o reflexo das condições do sítio onde se intervém, das necessidades programáticas com que o arquiteto se depara e também dos regulamentos específicos que afectam a obra a edificar. Estes factores, porém, não devem ser os únicos responsáveis pela solução que se cria. O projeto resultante destas condicionantes deverá ser em vez disso (...) sempre, felizmente, um acto intelectual, e nunca o resultado de um programa de cruzamento de informação entre a análise do sitio, os regulamentos e as funções. Na realidade, perante as mesmas circunstâncias, continuará sempre a haver múltiplas respostas correctas, consoante o espírito do autor, sobretudo quando este sabe assumir que, em certos sítios, a melhor obra é a que não se vê. (Rui Ramos Loza, pág. 192 174)

A reabilitação urbana deve, portanto, respeitar o passado mas não estar amarrado por este, entender a pré-existência (os edifícios, a história, as pessoas, as relações sociais, comunitárias, económicas, o traçado urbano) e nela intervir de modo a

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LOZA, Rui Ramos, ed. lit. (2000) - CRUARB 25 anos de Reabilitação Urbana. Câmara Municipal do Porto, Porto. 192 idem

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melhorá-la, deve preservar os núcleos históricos ao transformá-los quando tal é necessário para que sobreviva, perceber que estes pertencem a uma cidade que é um organismo vivo onde é constantemente necessário adaptar o que já não funciona ou responde a uma necessidade para algo que o faça. Deve ser sempre um ato intelectual e artístico que mantenha a identidade histórica e contribua para a sua imparidade. Deve ser, acima de tudo, uma solução especifica a um problema único, onde cada caso é um caso que tem de ser estudado com profundidade que responda às necessidades de todos quanto por ela são implicados (Rui Ramos Loza, 2000, pág. 180)193

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LOZA, Rui Ramos, ed. lit. (2000) - CRUARB 25 anos de Reabilitação Urbana. Câmara Municipal do Porto, Porto.

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4 ESTUDO DE CASOS 4.1 ESTUDO DE CASO 1 - MERCADO DO CHÃO DO LOUREIRO 4.1.1 UTILIZAÇÃO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO O mercado do Chão do Loureiro foi construído nos finais dos anos 40 do século XX, pelo arquiteto José Lima de Franco194. Projetado para funcionar como mercado, tinha a característica pouco usual de o ser em altura, contrariamente ao que é vulgar nos edifícios com este uso. Para este facto contribui o terreno no qual está implantado; um lote de reduzidas dimensões, triangular, e com uma topografia irregular com um desnível de 19 metros. Apesar de ser um edifício claramente moderno, inserido num lugar onde todas as construções são de um período bastante anterior, e todos eles contribuintes para uma identidade histórica bastante visível, uma das razões para que aquele seja bem aceite pela população é talvez o facto de que 195

Antes do Mercado, de acordo com o levantamento de Filipe Folque de 1856-58 e de acordo com o arquivo fotográfico de Lisboa, existiria apenas um conjunto de várias habitações sem aparente grande importância arquitectónica (SERRANO, Mário, 2011, 196197 pág. 138)

194

José Lima de Franco nasceu em 1904 e veio a falecer em 1970. A sua obra mais conhecida foi projetada em conjunto com o arquiteto Dário Silva, consistia num edifício de habitação no Largo do Andaluz, n.º15, e ganhou o prémio Valmor em 1949. 195 Filipe Folque foi um militar português nascido a 28 de novembro de 1800 e falecido a 27 de dezembro de 1874. O seu percurso académico inicia-se em 1826 na Universidade de Coimbra, onde se formou em Matemáticas. Em 1834 inicia atividade como professor na Universidade de Coimbra e mais tardiamente, mas no mesmo ano, ingressa na Academia Real das Ciências de Lisboa. Foi professor de matemática das filhas da Rainha D. Maria II. Teve um papel notável no desenvolvimento do estudo da astronomia, geodesia, topografia, hidrografia e cartografia, pois foi responsável pelo curso de engenheiro hidrógrafo na Academia de Marinha. Teve a responsabilidade partilhada com o pai de concretizar a carta topográfica de Portugal à escala 1:100.000 196 SERRANO, Mário David Lucas Pires de Mendes (2011) - Recuperar, readaptar, mutilar: estratégias de projecto. Universidade Lusíada de Lisboa, Lisboa. Dissertação 197 Mário David Lucas Pires de Mendes Serrano é um arquiteto português nascido em 1987. Durante o seu percurso universitário colaborou no atelier de Helena Botelho e Filipe Mónica, no atelier MAS Arquitetos, e estagiou no Atelier Aires Mateus.

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Ilustração 52 - "Vista do Mercado do Loureiro e sua envolvente. Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

Situa-se entre a calçada do Marquês de Tancos, o Largo da Atafona e uma transversal à rua da Madalena, que separa a malha pombalina da de origem mais antiga e adaptada à topografia. Como anteriormente referimos, é um edifício triangular com os cantos facetados, servindo estes para permitir os acessos. Constitui-se por quatro pisos de 4.8 metros de pé direito cada um, perfurados por um vazio triangular central. Cada um dos pisos tem acesso à rua, quebrando assim a sua inerente verticalidade provocada pela topografia e permitindo-lhe um uso mais horizontal como é usual em edifícios desta natureza. O vazio central triangular serve não só como elemento unificador de todo o edifício como ainda tem uma razão de ser funcional: graças a ele permite-se a ventilação e iluminação natural de todos os pisos. Do exterior, as suas fachadas contrastam profundamente com o edificado que o rodeia, que se carateriza por ser todo pós terramoto de 1755. Edifício do tempo do Estado Novo, apresenta um desenho que não permite compreender quantos pisos tem ou como é o seu interior. Permite, no entanto, ter a percepção de que é maciço, um "bloco" esculpido com influência Modernista com poucas aberturas para o exterior ou no seu próprio interior. Percebemos assim que o interior e o exterior do edifício são também eles diferentes, e segundo Mário Serrano, ao comparar ambos

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"o seu interior funciona de forma contrária: aberto, amplo, quase sem divisórias (apenas destinadas a arrumos e depósitos). Um interior que é simultaneamente 198 exterior." (SERRANO, Mário, 2011, pág. 139)

Complementar ao programa de mercado municipal o edifício contava ainda com uma esplanada/bar na cobertura do mesmo. Esta, devido à cota a que se situa, propicia aos seus utentes uma vista fenomenal sobre a cidade, servindo também como miradouro. É a única parte do programa inicial que se mantém até hoje. Com a desativação do mercado o edifício foi abandonado e, naturalmente, tornou-se uma ruína. A proprietária deste, a EMEL, remodelou-o e transformou-o em parque de estacionamento e supermercado, mantendo a esplanada/bar/restaurante na cobertura.

Ilustração 53- "Piso tipo do estacionamento do Mercado do Chão do Loureiro." (Ilustração nossa, 2012)

Com a alteração para silo automóvel com 195 lugares, a destruição de todo o interior era inevitável, tendo sido colocadas novas lajes cujos seis pisos ficam assim sem qualquer relação com a fachada. Atualmente, esta e o restaurante são as únicas partes do edifício antigo que se mantém. Mantém-se também o vazio central, embora completamente desvirtuado das suas iniciais caraterísticas.

Ilustração 54 - "Vazio central após reabilitação. Estacionamento do Mercado do Loureiro, Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

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SERRANO, Mário David Lucas Pires de Mendes (2011) - Recuperar, readaptar, mutilar: estratégias de projecto. Universidade Lusíada de Lisboa, Lisboa. Dissertação

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4.1.2 FUNDAMENTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO (RAZÕES E ATOS) Construído nos finais dos anos 40 do século XX, o objectivo do edifício foi satisfazer uma necessidade das populações da cidade de Lisboa: o acesso a géneros de consumo alimentar. Durante décadas este edifício serviu o seu propósito mas, com a frequente inconstância da sociedade, no decorrer do tempo, o próprio propósito do mercado deixou de satisfazer as necessidades tanto dos habitantes do bairro onde se insere como também da cidade em si. Atualmente, a Encosta do Castelo, a par do resto dos núcleos históricos de Lisboa e em paralelo com variadas cidades europeias, sofre de um alargado abandono. Abandonados de habitantes, de comércio, de serviços, de industria, de significado. Estes núcleos urbanos e históricos caminham para uma situação de museus ao ar livre, cristalizados no tempo à semelhança do que, a grande escala, acontece com Veneza. Assim sendo, e desprovido de utilidade, o mercado esteve fechado durante anos. Tal como o núcleo histórico que lhe é envolvente, abandonado e a morrer lentamente. Integrado numa ainda tímida e relativamente inconsequente resposta a este problema, iniciou-se a alteração de uso do edifício para que de novo a sua existência se justificasse e servisse de novo a população. Para que não caia no esquecimento quem somos e quem fomos, é necessário que se conserve o património edificado para que a partir da cidade que herdámos deixemos memórias para as gerações futuras. Assim, é necessário fixar nestes núcleos urbanos população, sendo irremediável que muita dela seja exterior e não tenha qualquer ligação anterior aos bairros onde se irá inserir. Importa que a reabilitação e recuperação de núcleos históricos aconteça e respeite tanto o habitante como o seu modo de habitar, o que "incentiva os mecanismos internos de evolução social e económica (...)" (Bárbara Lopes, 1993, pág. 47)199 mas evite a "(...) substituição dos habitantes enraizados, por estratos consumidores de habitações de luxo, e de atividades estranhas ao bairro" (Bárbara Lopes, 1993, pág. 47)200. (...) Implantação de equipamentos que suportam a vida quotidiana, criação e/ou manutenção de postos de trabalho, reinserção social de desamparados e

199 200

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toxicodependentes, apoio a idosos, doentes e deficientes, formação profissional 201 (Bárbara Lopes, 1993, pág. 47)

Atendendo ao problema sempre presente da inadaptação do transito automóvel às malhas urbanas antigas e históricas, compreende-se a alteração de uso para silo de estacionamento automóvel, pois um dos motivos que condicionam fixação de população é a dificuldade de estacionamento. Deste modo, o edifício serve uma estratégia mais alargada, ao nível do núcleo urbano inteiro, sendo a sua utilidade verificada num âmbito mais alargado que o seu uso.

Ilustração 55 - "Mercado do Chão do Loureiro, entrada do supermercado no piso térreo. Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

O facto de as populações atuais satisfazerem as suas necessidades de consumo em estabelecimentos diferentes dos mercados, devido a ritmos de vida que não se compadecem com os horários reduzidos dos mesmos, implica que apesar desta oferta de serviços fazer sentido neste local, a sua forma não é já coerente com a procura. Por essa razão o piso inferior é ocupado com um supermercado, tipologia comercial que melhor satisfaz as necessidades da população que habita o bairro.

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Mais uma vez, o edifício serve o bairro de um modo mais alargado do que simplesmente com o uso de mercado ou, no seu estado anterior, ruina. Seguindo uma estratégia de fixação de população no centro cidade, nos seus núcleos históricos, um dos quais onde o edifício que estudamos neste momento está inserido, garante-se que os movimentos pendulares entre periferia e centro são reduzidos, evita-se a desertificação da mesma. Minimiza-se também "os riscos da marginalidade e criminalidade, mono-funcionalismo das periferias, tempo social dos homens perdido em transportes" (Bárbara Lopes, 1993, pág. 50)202 Se considerarmos que estes são os propósitos e intenções do edifício, ignorando a sua utilidade como propriedade de rendimento para a empresa que o detém através dos serviços que oferece, então o seu sucesso é uma resposta algo complexa. Por um lado, ele de facto oferece facilidade de estacionamento e o acesso a bens. Neste aspecto é bem sucedido. Se considerarmos as intenções a maior escala, então a resposta é contrária. Continua muito por fazer em matéria de reabilitação urbana. O núcleo histórico continua algo degradado, embora seja uma situação que está a (não suficientemente depressa) melhorar. Mantém-se a intensidade dos movimentos pendulares entre periferia e centro da cidade, e esta continua desertificada. Falha em grande parte a fixação de novas populações aos núcleos urbanos, incapazes de por elas reabilitar os edifícios ou, por outro lado, comportar os encargos financeiros que morar no centro de uma grande cidade implicam, tendo como única alternativa as periferias mais baratas. Como anteriormente estudámos, a arquitetura parece só conseguir modificar comportamentos humanos ou intenções quando agregada a ela existe uma autoridade/força política que a legitime. Devido a diversos factores sociais e, predominantemente, económicos a estratégia de que este edifício faz parte não consegue ainda dar resposta aos problemas que timidamente se tentam resolver.

202

LOPES, Bárbara (1993) - Homens e Pedras. Um reencontro, Reabilitação Urbana. CML, Lisboa

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4.2 ESTUDO DE CASO 2 - CASA DOS 24 4.2.1 UTILIZAÇÃO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO A origem da casa dos 24 remonta às primeiras ocupações medievais, quando a atual Sé Catedral era ainda construção românica. Este sitio foi berço da cidade do Porto antes de ser um aglomerado sinuoso de habitações medievais, que envolviam a Igreja (que não possuía adro ou praça), num conjunto que era protegido pelas muralhas suevas. Pode-se dizer que a cidade do Porto começou aqui, no Morro da Sé, antigamente chamado o morro da Pena Ventosa. Achados arqueológicos das alturas romana, sueva-visigótica, e os vestígios de construções castrejas de planta circular encontrados em baixo da Rua de d. Hugo confirmam que o «núcleo embrionário» da cidade se formou em cima deste morro. Ponto estratégico do qual os povos castrejos, povoados «proto-urbanos», podiam proteger-se, este sítio tornou-se a cidade portuense nascente, envolta pela cerca velha, as muralhas antigas que a protegia. O Portucale pequeno não chegou a quatro hectares, e como um historiador o descreveu, «a cidade era o Morro da Sé». Mas do ponto de vista medieval, ela dispunha de bastante prestígio e tamanho para precisar da construção de uma muralha defensiva no século XII. Além do que se sabe dos achados arqueológicas, pouca informação existe nos arquivos que nos informa sobre o espaço urbano que ocupava o morro. Sabe-se, porém, que dentro deste muro havia uma catedral que substituiu a ermida visigótica, um cemitério, um poço perto dele e as casas construídas de pedra e de madeira. 203204 (Rebekah Fowler, 2004)

Nas décadas de 30 e 40 do séc. XX, obras de carácter higienista e de monumentalização ocorreram na zona, procedendo-se a variadas demolições, entre elas, uma torre medieval conhecida como Casa dos 24205 (Cleusa de Castro206, 2009, pág. 64). Após estas demolições criou-se um adro em forma de terraço que se debruça sobre as vielas medievais sobreviventes da operação urbanística, permitindo ao mesmo tempo visualizar a paisagem da cidade que se estende até ao Douro. 203

FOWLER, Rebekah (2004) - O Morro da Sé, Descobrindo o Porto: os tempos Medievais [Em linha]. [Consult. em 28 de maio 2012]. Disponível em WWW:<URL: http://www.markscholey.co.uk/lingua/porto_website/medieval/morrodase.html> 204 Rebekah Fowler é uma tradutora de nacionalidade americana. O seu percurso académico consiste em um BS em Estudos de Novos Medias, em 1998 pela Universidade do Texas, em Austin, um BA em Estudos de tradução e Interpretação pela Universidade de Salford (UK) em 2005 e um Diploma em Interpretação de Serviço Público (2006) pelo Chartered Institute of Linguists (UK). é membro associado da Associação Americana de Tradutores e Associada do Instituto de Tradução e Interpretação. 205 CASTRO, Cleusa de, Collage (2009) - Fernando Távora e a Casa dos 24 do Porto in ARQTEXTO, N.º 15, 2009 206 Cleusa de Castro, arquiteta brasileira natural da cidade de Curitiba. Do seu percurso académico fazem parte um Mestrado em Arquitetura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Um doutoramento na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, uma especialização em Restauração de Monumentos Históricos pela Universidade Federal da Bahia, uma Especialização em Barroco pela Universidade Federal de Ouro Preto. É atualmente Professora na Universidade Federal do Paraná e também docente na Escola de Arquitetura e Design da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

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A rica memória histórica do património histórico e da edificação onde esta assenta, que deixou de existir e agora renascia na forma de torreão é a base conceptual do projeto de Fernando Távora207, que se impõe na paisagem fazendo ponte entre o velho e contemporâneo. O projeto ergueu-se a partir das ruínas do antigo Paço do Conselho, ou Casa de Câmara que distava apenas 7 metros da Sé Catedral e sobrepunha-se na própria muralha sueva208. A antiga Casa da Câmara tinha um inestimável valor histórico na memória da urbe portuense pois como nos explica Francisco Portugal Gomes (...) ao longo de um troço exterior de muralha com cerca de 30 m, existia um espaço aberto isento de casario e em plataformas desniveladas vencidas por duas longas e íngremes escadas que ligavam a rua de Escura com o lado Norte da Igreja da Sé. Ao longo do tempo esta zona foi-se afirmando como a mais importante na estrutura urbana do burgo medieval à cota elevada. A Casa dos 24 encontrava-se implantada na extremidade poente deste espaço, em sobreposição com a antiga muralha sueva. 209 (Francisco Portugal e Gomes, 2008)

memória que o projeto de Fernando Távora muito dignamente recorda através de sucessivas opções projetuais, como de seguida se demonstrará. Os registos escritos sobre a Casa da Câmara apontam para uma cota do edifício de "cem palmos" construídos em cantaria de granito aparelhado, dividido em vários pisos providos de variadas peças artísticas de grande qualidade. O teto do último piso, o salão nobre, merece especial referência por ter sido pintado de dourado. Todas estas referências Fernando Távora utiliza no seu edifício. A planta do edifício, em sobreposição da ruína (que é visível e é integrada na sua parte inferior), toma a forma de um quadrado, sendo três das fachadas opacas 207

Fernando Luís Cardoso de Menesses e Tavares de Távora nasce a 25 de Agosto de 1923 em Matosinhos, tendo vindo a falecer ema 3 de setembro de 2005. Obtem o Diploma em Arquitetura em 1952 pela Escola de Belas Artes do Porto. Foi uma personalidade fundamental na afirmação do curso de arquitetura da Escola Superior de Belas Artes do Porto (que viria mais tarde a ser a Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto) e no curso de arquitetura do Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Foi Membro da Organização Portuguesa de Arquitectos Modernos e um dos introdutores da reflexão em Portugal sobre o papel social da arquitetura. Existe hoje um prémio de arquitetura com o seu nome, o Prémio Fernando Távora. 208 GOMES, Francisco Portugal (2008) - Restauro e Reabilitação na Obra de Fernando Távora, O Exemplo da Casa dos 24. Arquitextos número 95, 01 ano abril [Em linha]. [Consult. em 28 de maio 2012]. Disponível em WWW:<URL: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.095/147> 209 Francisco Portugal e Gomes nasce em 1963 e é um arquiteto português. O seu percurso académico inicia-se em 1983 quando ingressa na Escola de Belas Artes do Porto, para se formar em Arquitetura. Acaba o seu curso em 1989 na Faculdade Arquitectura da Universidade do Porto. Em 2000 foi finalista do Premis FAD 2000, Barcelona, Espanha. Desde 2001 trabalha como arquiteto no seu próprio atelier no Porto. Em 2007 recebe a pós-graduação em Reabilitação de Espaço Construído. Desde 1995 até 1997 foi Assistente Convidado da Faculdade Arquitetura da Universidade do Porto.

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revestindo-se de placas de granito serrado da mesma cor que a Sé Catedral, cortadas em blocos regulares, tendo sensivelmente os mesmos cem palmos de altura que os registos documentais históricos apontavam. A fachada restante materializa-se em vidro, permitindo a contemplação da cidade a partir de dentro do edifício. Quando visto do lado da Sé o edifício mostra-se um maciço sólido, porém, quando visto a partir do pátio onde está o acesso ao seu interior, no Terraço da Sé, o plano de granito na terça parte superior é de vidro e fecha a volumetria sem tocar os planos de granito laterais, providenciando-lhe uma aparência mais leve, menos maciça. A solidez quase sepulcral vista do exterior desmancha-se na transparência interna, o edifício vira involucro e devolve a vista roubada do Terreiro da Sé. Presença que se faz ausência e retoma a inexistência do edifício no lugar ao longo de tantos anos. 210 Referencia do que foi e do que deixou de ser (Cleusa de Castro, 2009, pág. 68)

Ilustração 56 - " Casa dos 24 vista a partir do Terreiro da Sé. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

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CASTRO, Cleusa de, Collage, Fernando Távora e a Casa dos 24 do Porto in ARQTEXTO, N.º 15, 2009

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No interior, a parte de vidro da fachada que dá acesso ao edifício revela uma escala de proximidade com os contrafortes da Sé e a galilé de Nicolau Nasoni211. Através deste plano envidraçado entra a luz matinal que permite iluminar o grande salão de entrada de duplo pé direito que dá forma ao piso superior, onde se destaca o teto dourado evocando o salão do teto dourado onde se reuniam os 24 representantes dos ofícios portuenses da Casa da Rolaçom212 (Cleusa de Castro, 2009, pág. 69). Caracteriza-se por se evocar ainda os forros em caixão das antigas edificações, moduladas quadricularmente em estrutura metálica onde, em cada nicho, se subdivide em quadrícula dourada. O piso é, tal como no piso superior, em madeira. Constitui-se por tábuas corridas que na ausência de rodapé, permite a continuidade das paredes sem interrupção e indo contra o que era tradicional, marcando assim a contemporaneidade do edifício. Os pisos são suportados por perfis metálicos, da mesma maneira que o eram por barrotes de madeira, alterando assim o material mas mantendo a técnica e ponte entre as duas épocas. Os pisos inferiores têm o seu acesso através de escadas simétricas junto dos planos maciços. No piso intermédio descobre-se no interior a ligação entre as paredes novas e a ruína. Há acesso a um balcão onde se pode olhar para a paisagem a céu aberto, apreciar a volumetria, a fachada envidraçada e aceder a uma ponte metálica suspensa, por finos perfis metálicos, que expande o piso para fora do edifício até quase tocar a ruína que fecha o lote. No piso inferior, no rés-do-chão, é predominante a memória da antiga Casa da Câmara, pois a ruína é visível quer nas paredes quer no pavimento. O interior abre-se ao exterior a partir de uma janela com arco ogival na parede lateral, visível da rua de São Sebastião. O lote demarca-se do resto da cidade pelas ruínas de muros que encerram dentro de si uma tipologia de casa pátio, já inexistente. Estes muros são vazados em dois vãos, um de verga reta e outro de verga em arco ogival, ambos fechados com gradeamento metálico preservando assim a segurança e permitindo a visualização da rua.

211

Nicolau Nasoni nasce a 2 de junho de 1691 em San Giovanni Valdarno e falece a 30 de agosto de 1773 no Porto. Arquiteto, decorador e artista desenvolve grande parte da sua carreira em Portugal, no Porto. Responsável entre outras obras pela Igreja dos Clérigos, pelo Paço Episcopal, pelo palácio do Freixo e a galilé da Sé do Porto. 212 CASTRO, Cleusa de, Collage, Fernando Távora e a Casa dos 24 do Porto in ARQTEXTO, N.º 15, 2009

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Ilustração 57 - "Casa dos 24 sobre ruína da Casa da Rolaçom. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

4.2.2 FUNDAMENTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO (RAZÕES E ATOS) A construção deste edifício, por situar-se num local histórico e de grande importância para a cidade do Porto tinha, segundo Cleusa de Castro, como propósito ser "força geratriz e evocar a reflexão sobre a legitimidade da existência de edificações tão junto ao então Terreiro da Sé" (2009, pág. 67)213 Toda a Casa dos 24 dialoga com a sua envolvente, tem como fundamento a memória do que aquele lugar foi e quer torná-lo um outro, onde é clara a diferença temporal mas também o respeito e importância da história. Tendo em conta o seu propósito, podemos considerar que Fernando Távora ao utilizar para revestimento materiais semelhantes aos que existem no edifício que pretende valorizar214 permite uma continuação clara da materialidade do conjunto, evitando assim rupturas no conjunto urbano, de modo a que a forma seja coerente com as pré-existências.

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Castro, Cleusa de, Collage, Fernando Távora e a Casa dos 24 do Porto in ARQTEXTO, N.º 15, 2009 NOTA DE AUTOR: Tanto a Sé do Porto como a memória da Casa da Rolaçom e o núcleo histórico são o objetivo de valorização de todo o projeto. Ele é, aliás, legitimado apenas para que a memória do segundo e a existência do primeiro não se percam, esqueçam e degradem. 214

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No projeto da Casa dos 24, Fernando Távora valoriza a integridade da cidade histórica. Pensa a regeneração urbana como sinal de confiança perante os vazios que resultam das dinâmicas de transformação da cidade. Reconhecem-se os valores de G. 215 Giovannoni : "Unidade espiritual capaz de gerar a capacidade de síntese; o valor da 216 tradição como diz Nietzsche , ‹‹mesmo o artista mais dotado não irá além de experiências estéreis››" O "novo" edifício da Casa dos 24 não se constitui como um fim em si mesmo. O objectivo não consiste em efetuar um restauro da ruína, mas evitar o vazio, enquanto estado de ruína do centro histórico do Porto. (Fernando Portugal e Gomes, 2008)

lustração 58 - "Casa dos 24, fachada de vidro e núcleo histórico. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

215

Gustavo Giovannoni foi um arquiteto e engenheiro italiano nascido a 1 de janeiro de 1873 em Roma e que faleceu a 15 de julho de 1947. Foi um seguidor de Camillo Boito que após se formar em engenharia civil em 1887 na Universidade de Roma, tornando-se a seguir assistente na Escola de Engenharia enquanto que simultaneamente inicia estudos sobre história e arte, particularmente sobre arquitetura. Em 1913 torna-se Professor de Arquitetura Geral na Regia Scuola di Applicazione per Ingegneri. Foi entre 1927 e 1935 que dirige a Escola de Arquitetura de Roma, e foi um dos principais promotores da primeira Faculdade Universitária de Arquitetura Italiana. Ajudou a fundar o Instituto de Estudos romanos e membro do Conselho Executivo da Sociedade de Filologia e Romana. Foi cofundador, em 1921 da revista Arquitetura e Artes Decorativas. 216 Friedrich Wilhelm Nietzsche nasce a 15 de outubro de 1844 em Rocken, na Alemanha e falece a 25 de agosto de 1900 em Weimar, na Alemanha. Inicia a sua formação académica em 1864 na Universidade de Bonn no curso de Filologia Clássica e Teologia Evangélica, no entanto não chega a finalizar os estudos nesta instituição pois transfere-se para a Universidade de Leipzig. Na Universidade de Basileia inicia o seu percurso como docente aos 24 anos. Foi como filosofo que a sua importância para o mundo foi mais relevante.

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Podemos assim considerar que a intenção e fundamentação da Casa dos 24, de Fernando Távora, é a manutenção e consolidação da cidade, através da recuperação tanto da memória do que esta foi, como do desenvolvimento contemporâneo da mesma. É através da construção de uma evocação de um elemento preponderante da antiga malha urbana que se inicia a renovação e reabilitação da atual. Como nos diz Francisco Portugal Gomes A abordagem projetual inicial da casa dos 24 centra-se na consciência da cidade total, na evolução histórica do sitio e na reinterpretação critica do contexto. Os primeiros croquis de Fernando Távora evidenciam a tentativa de uma reconstituição de elementos preponderantes desaparecidos da envolvente urbana da Sé Catedral. Para além de fazer reemergir o volume da Casa dos 24 Fernando Távora propõe mais dois volumes que condensam um momento de estrangulamento espacial que evoca a antiga Porta de Vandoma, acentuando a incidência diagonal do acesso em rampa da 217 aproximação à galilé da Sé. (2008)

Se considerarmos que a reabilitação do centro histórico tem sido um percurso difícil, e que as autoridades políticas responsáveis pela mesma têm tido uma ação que discutivelmente poderia ter sido mais eficiente, então os propósitos da Casa dos 24 demonstram já, de certa maneira, terem falhado. O que se sabe na opinião pública sobre o caminho a seguir: Que a intervenção se fará à dimensão do quarteirão e que a aposta vai, sobretudo, para o envolvimento dos privados (...). Sobre projetos, desenhos, critérios de urbanismo e arquitetura, salvaguarda patrimonial, balizas históricas e arqueológicas, parcerias politicas e sociais ao nível de Freguesias e Instituições, nada se sabe, e isso tem tanta importância como o que já é conhecido, ou mais quando for preciso avançar no terreno. (...) A decisão da Câmara, de venda de património municipal nesta zona, que custou a adquirir e deveria ter sido reabilitado neste mandato, mostra a falta de estratégia e a incompreensão 218 atrás referidas (...). (Gomes Fernandes, 2005, pág. 25)

A intenção que o edifício da Casa dos 24 pretendia ter, ser influência para o modo de reabilitar o centro histórico degradado da cidade do Porto, foi infelizmente mal sucedida por não ter sido seguida à escala que a cidade necessitava. O próprio edifício esteve fechado desde a sua finalização até 2005, estando cerca de três anos sem utilidade definida. Após a sua abertura tem funcionado como posto de turismo, uso algo limitado para um projeto com tão grandes intenções históricas e urbanas.

217

GOMES, Francisco Portugal (2008) - Restauro e Reabilitação na Obra de Fernando Távora, O Exemplo da Casa dos 24. Arquitextos número 95, 01 ano abril [Em linha]. [Consult. em 28 de maio 2012]. Disponível em WWW:<URL: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.095/147> 218 FERNANDES, Gomes (2005) - Que futuro para o Centro Histórico. Archinews, número 03, janeiro/fevereiro.

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Ainda assim, é preciso relembrar que a cidade tem progressivamente vindo a receber obras de reabilitação e está, de facto, a recuperar o seu centro histórico e baixa, mantendo assim a sua memória tal como o projeto de Fernando Távora pretendia. Por isso, de certa maneira pode-se considerar que foi parcialmente bem sucedido.

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4.3 ESTUDO DE CASO 3 - CASA DA MÚSICA DO PORTO 4.3.1 UTILIZAÇÃO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO A Casa da Música localiza-se na principal rotunda da cidade do Porto, a Praça Mouzinho de Albuquerque, sendo no entanto vulgarmente chamada de Rotunda da Boavista desde o século XIX. O lugar que é agora ocupado pelo projeto de Rem Koolhaas219 foi desde 1874 pertencente à Companhia Carris de Ferro do Porto, estando aqui localizadas a sede e as casas dos carros de tração animal, a vapor e elétricos. Após um grande incêndio em 1928, foi reconstruída a garagem e construíram-se também oficinas para a manutenção dos veículos.

Ilustração 59 - "Casa da Música e envolvente: edifícios do século XIX e Rotunda da Boavista, entrada do supermercado no piso térreo. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

219

Rem Koolhaas é um arquiteto holandês nascido em Roterdão em 1944 e formou-se como arquiteto na Architectural Association de Londres. Fundador e diretor do O.M.A. e A.M.O., Roterdão em 1975. Anterior à sua formação como arquiteto foi o seu trabalho como jornalista e guionista. É Professor na Universidade de Harvard onde conduz o programa de pesquisa "Project on the City", investigando condições urbanas em constante mutação em todo o mundo.

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No ano de 1988 as garagens foram movidas para Massarelos e na Rotunda da Boavista ficaram simplesmente as oficinas de manutenção. Talvez por ser um edifício que fora construído na mesma época que a maioria dos que rodeiam a rotunda, garantindo assim a identidade histórica do lugar, tantas criticas surgiram quando em 1999 é decidido demoli-lo para dar lugar a um novo edifício. Deste modo, a história da Casa da Música inicia-se nesse mesmo ano com um concurso internacional, do qual saiu vencedor o projeto de Rem Koolhaas/OMA220 tendo os trabalhos iniciais começado no mesmo ano. Previa-se que a duração da construção fosse relativamente rápida, pois a Casa da Música deveria ser um dos projetos essenciais da Porto Capital Europeia da Cultura 2001221, não tendo no entanto este objetivo sido possível, pois a construção revelou-se um ato complexo que resultou em diversos contratempos, adiamentos e uma gigantesca derrapagem financeira222. A casa da Música caracteriza-se por ser um objeto isolado da envolvente. Assenta numa praça que, em alguns momentos, é ondulada para conter funções secundárias ao edifício, tais como uma paragem de autocarros, um café e a entrada da garagem subterrânea, e onde a austeridade do betão é visível nas suas fachadas. O acesso faz-se por uma escadaria que apenas toca o chão no primeiro degrau, estando todos os outros elevados. A partir do momento em que se acaba de subir esta escadaria monumental, toda a simplicidade da forma exterior acaba. Daqui para a frente, o interior releva-se-nos de uma enorme complexidade. Strangely, the project started with a search for that most prosaic of human needs: closet space. Mr. Koolhaas says the design originated in a comission for a house he was designing in suburban Rotterdam several years ago. The client, whom he describes as "a typical Dutch Calvinist" ," was obsessed with order and demanded a pure uncluttered living area. The architect responded by creating a faceted concrete block with a void drilled out of its core. The void was intended as the family area, with the surrounding 220

Office for Metropolitan Architecture, escritório de arquitetura fundado por Rem Koolhaas, Madelon Vriesendorp, Zoe Zenghelis e Elia Zenghelis em 1975, Roterdão. Responsáveis por, entre outros edifícios relevantes, a Casa da Música no Porto e a sede da CCTV em Pequim. 221 NOTA DE AUTOR: A Porto Capital Europeia da Cultura 2001 ou Porto 2001, foi uma iniciativa cultural que ocorreu em 2001 na cidade nortenha de Portugal do Porto, onde durante aproximadamente um ano ocorreram diversas atividades culturais. Pretendia-se que fosse um ponto de partida para uma rotina de atividades culturais que, infelizmente, não se veio a concretizar. Foi um evento que ocorreu simultaneamente no Porto e Roterdão. 222 NOTA DE AUTOR: o edifício tinha um orçamento previsto de 33 milhões de euros e acabou por custar 111 milhões, quase quatro vezes mais. Tal acontecimento despoletou imensas criticas, tanto durante como após a construção do edifício.

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spaces absorbing the messiness of everyday life. But the client dropped the project just as Mr. Koolhaas was entering a design competition for the concert hall. Rather than abandon his design, he blew it up in scale and adapted it: the core became the main performance hall, with the foyers, rehearsal halls and offices packed into the leftover space around it. The extreme shift in scale transformed an expression of a single client's obsessions into a more dynamic communal experience. Even so, the central themes remain the same: a rationally ordered environment animated by the chaotic social and psychic forces whirling around 223 224 it. (Nicolai Ouroussoff , 2005, pág. 1)

Após entrar no edifício, é-se presenteado do lado esquerdo com uma escadaria que se vai tornando progressivamente menos larga, que dá acesso ao lobby, e em frente as bilheteiras e bengaleiros. Por cima da escadaria fica um enorme vazio atravessado por vigas diagonais que concedem ao espaço uma escala de enorme monumentalidade. Por baixo desta escadaria, aproximadamente a meio, existe um pequeno bar por debaixo da escadaria. Este, pela sua localização próxima de uma das portas que dão acesso ao auditório principal, pode ser utilizado durante espetáculos que ocorram dentro do mesmo.

Ilustração 60 - "Bar sob e lateral à escadaria principal, Casa da Música. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012) 223

Nicloai Ouroussoff nasceu a 3 de outubro de 1962 em Boston. A sua formação académica consiste em um Bacharelato em Russo pela Universidade de Georgetown e um Mestrado em Arquitetura pela Columbia University Graduate School of Architecture. Critico de arquitetura no Los Angeles Times, inicia em 2004 a mesma função no New York Times. 224 (OUROUSSOFF, Nicolai (2005) - Rem Koolhaas Learns Not to Overthink It. New York Times [Em linha]. (10 abril 2005). [Consult. em 30 de maio de 2012]. Disponível em WWW: < URL: http://www.nytimes.com/2005/04/10/arts/design/10ouro.html?_r=1&pagewanted=1 >) Estranhamente, o projeto começou com uma busca pela mais prosaica das necessidades humanas: espaço de arrumação. O Sr. Kolhaas diz que o desenho originou numa comissão para uma habitação que estava a projetar nos subúrbios de Roterdão alguns anos atrás. O cliente, que ele descreve como um "típico Calvinista Holandês", era obcecado com a ordem e exigia uma área de estar pura e arrumada. O arquiteto respondeu criando um bloco de betão facetado com um vazio escavado no meio. O vazio tinha a intenção de servir como a área da família, com os espaços circundantes a absorver a desarrumação do dia a dia. Mas o cliente deixou o projeto na mesma altura em que o Sr. Koolhaas estava a entrar num concurso para uma sala de concertos. Em vez de abandonar o seu projeto, ele explodiu a escala e adaptou-o: o vazio central passou a ser a sala de espetáculos principal, com os foyers, salas de ensaios e escritórios empacotados no espaço que sobra à sua volta. A extrema mudança na escala transformou a expressão das obsessões de um único cliente numa experiência comunal mais dinâmica. Ainda assim, o tema central mantêm-se: um ambiente racionalmente ordenado e animado pelas caóticas forças sociais e psiquicas girando à sua volta. (Tradução nossa)

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Ilustração 61 - "Entrada da Casa da Música, Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

O auditório principal: O dilema de qualquer sala de concertos moderna consiste em questões práticas e acústicas, a "caixa de sapatos" é a melhor forma. (...) Cheguei à conclusão que o túnel que tínhamos construído para a casa, tinha exatamente a forma de uma "caixa de sapatos"; podíamos fazer a sala de concertos não criando uma "caixa de sapatos", mas pelo contrário, extraindo a "caixa de sapatos" do estranho volume. (Rem Koolhaas, 225 2009, pág. 91)

Dentro dela, e contrariando a aparente desordem do resto do projeto, linhas de cadeiras perfeitamente alinhadas, repetidas até formarem 1200 lugares.

lustração 62 - "Sala Suggia o auditório principal da Casa da Música, Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

225

KOOLHAAS, Rem, OBRIST, Hans Ulrich (2009) - Rem Koolhaas conversas com Hans Ulrich Obrist. Editorial Gustavo Gili, Barelona.

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O revestimento das paredes é em painéis de madeira contraplacada, decoradas com um padrão de madeira cujo tamanho é aumentado várias vezes, distorcendo a escala. Tanto a parede por detrás do palco como a que está por detrás da plateia são de vidro ondulado, provocando assim a distorção das vistas para a cidade (Nicolai Ouroussoff, 2005, pág. 2)

226

.

Ilustração 63 - "Vidros ondulados que distorcem a percepção da cidade a partir do auditório principal da Casa da Música. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

Este principio de transparência e ligação visual do espaço de onde a música nasce para a cidade repercute-se no (...) Pequeno Auditório, com capacidade para 300 pessoas, que se abre, com um sistema semelhante, sobre as áreas circundantes, destacando-se pela sua grande versatilidade na adequação a espetáculos de natureza diversa. (ALMEIDA, Álvaro 227228 Duarte de, et al, 2007, pág. 353)

Ilustração 64 - "Um dos percursos interiores da Casa da Música e corredor das bilheteiras e bengaleiro. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012) 226

OUROUSSOFF, Nicolai (2005) - Rem Koolhaas Learns Not to Overthink It. New York Times [Em linha]. (10 abril 2005). [Consult. em 30 de maio de 2012]. Disponível em WWW: < URL: http://www.nytimes.com/2005/04/10/arts/design/10ouro.html?_r=1&pagewanted=1 > 227 ALMEIDA, Álvaro Duarte de, et al (2007) - Portugal Património. Circulo de Leitores 228 Álvaro Duarte de Almeida nasce em 1946 e licencia-se em Pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Foi professor do ensino secundário na área das artes visuais, e fez parte da equipa que planeou a reforma do ensino secundário de 1988-1991, sendo coautor dos programas de Geometria Descritiva e História de Arte. Desde o ano de 1989 que é formador de professores nestas duas áreas. É cofundador da Associação Projecto Património, que de 1993 a 1999 envolveu-se na defesa do vale do Côa.

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O interior labirinticamente complexo do edifício contrasta profundamente com o seu exterior formalmente claro. A partir da entrada pública da Casa da Música surgem dois percursos espiralados que dão acesso aos auditórios e demais espaços encastrados nas volumosas paredes, permitindo deste modo que "The loop creates the possibility to use the building for festivals with simultaneous performances (...)"229 (Koolhas, 2007, pág. 211)230

Ilustração 65 - "Percurso espiralado interior da casa da música e acesso ao auditório principal e bar. Porto, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

4.3.2 FUNDAMENTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO (RAZÕES E ATOS) Edifício cultural dedicado principalmente à arte musical, o projeto do edifício pretendia dotar a cidade de um espaço que tivesse a capacidade de alojar concertos e eventos musicais de média e grande escala. Planeado em 1999 para uma iniciativa cultural que iria ocorrer por toda a cidade no ano 2001 (Porto Capital da Cultura 2001), a sua abertura foi programada para a mesma altura, sendo a peça mais icónica a ser construída, pretendendo-se assim que fosse também ela um símbolo da cidade do Porto. Another relevant aspect of the building is the ambiguity of its size and its nature as an object. Being an almost mechanical expansion of a project for a single family dwelling, it does not outwardly display a size grading or the volumetric articulations that such a large building would normally have. Instead, it has an ambiguous size. Being a free standing object, set back from the square's curved alignment with a proportionally small

229

O circuito cria a possibilidade de utilizar o edifício para festivais com espetáculos simultâneos (...) (Tradução nossa) 230 KOOLHAAS, Rem (2007) - Casa da Música. El Croquis - AMO/OMA Rem Koolhaas 1996-2007. Vol. II, n.º 134/135. Madrid: El Croquis Editorial

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base set on its own floor-podium, the building seems to be rather a sculpture on the 231 232 233 scale of a major city landmark . (CORTÉS, Juan Antonio , 2006, pág. 41)

Infelizmente, devido a variados problemas e imprevistos, o edifício não foi completado a tempo, falhando assim um dos seus principais propósitos. Consequência deste infortúnio foi o aumento exponencial das criticas que se faziam ouvir, não só na cidade como pelo país inteiro acerca do edifício. Rem Koolhaas dá-nos um exemplo de algumas das contrariedades que o edifício passou até à sua construção: Desde o início que foi um projeto muito politizado. Durante o percurso do seu projeto e realização, passou por cinco governos: socialista, democratas, socialistas, democratas e agora é novamente socialista. Um projeto como este acarreta sempre uma grande exposição ao caos político e económico. Demonstra como na política moderna, a continuidade é quase impossível, e como cada novo corpo decisor se valida a si mesmo minando as decisões do mandato anterior. (...) Por esta razão a Casa da Música tornou-se muito simbólica em termos da política local. (Rem Koolhaas, 2009, 234 pág. 92)

No entanto, não apenas o autor do projeto nos documenta o percurso extremamente polémico que ultrapassou até à sua conclusão. Segundo Vasco Pinheiro Favorecida pelo espaço de tempo que demorou a sua construção, o avolumar da critica ao projeto de Rem Koolhaas tem resultado em considerações mais e menos violentas, transportando, muitas vezes consigo, a ideia de que se está a lidar com um objecto que não mais irá abandonar a sua condição de obra. Por esse motivo, quer o projeto quer o objecto, que a partir dele vai surgindo, afiguram-se, por enquanto, como alvos fáceis de uma crítica que dificilmente encontra resposta às posições e aos problemas que 235 levanta, (...) (Vasco Pinheiro, 2005, pág. 33)

Estas contrariedades não se resumem a questões politicas ou de ordem financeira (embora em muito tenham contribuído). A acesa critica que se criou em volta da sua construção prendia-se em grande parte pela enorme diferença entre as premissas 231

Outro aspecto relevante do edifício é a ambiguidade do seu tamanho e a sua natureza como um objeto. Sendo uma expansão quase mecânica de um projeto para uma habitação unifamiliar, ele não demonstra exteriormente as classificações de tamanho nem as articulações geométricas que um edifício tão grande normalmente possui. Em vez disso, tem um tamanho ambíguo. Sendo um objeto isolado, afastado do alinhamento curvo da praça com uma pequena base proporcionalmente colocada num pódio próprio, o edifício parece mais ser uma escultura à escala de um monumento de uma grande cidade. (Tradução nossa) 232 Juan Antonio Cortés é arquitecto e doutorado em arquitetura pela Universidade Politécnica de Madrid, e um MA em História da Arquitetura e Desenvolvimento Urbano pela Universidade de Cornell. Atualmente é Professor de Composição Arquitectónica na Escola de Arquitetura da Universidade de Valladolid. Para além de ter escrito variados artigos e livros, é membro do Comité Editorial das revistas Arquitectura e Anales de Arquitectura. 233 CORTÉS, Juan Antonio (206) - Delirious and More, II. Strategy Vs. Architecture. El Croquis, number 131/132, volume III/IV. El croquis editorial, Madrid. 234 KOOLHAAS, Rem, OBRIST, Hans Ulrich (2009) - Rem Koolhaas conversas com Hans Ulrich Obrist. Editorial Gustavo Gili, Barelona. 235 PINHEIRO, Vasco (2005) - Casa da Música 1999-2005. Archinews, número 03, janeiro/fevereiro.

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conceptuais, o modo de criar e desenvolver uma ideia de projeto e o modo como este se interligava com o resto do tecido urbano, que estavam subjacentes na Casa da Música e aquilo que se tinha vindo a fazer na arquitetura nacional por arquitetos portugueses. Enquanto que, tradicionalmente, a arquitetura portuguesa esforça-se por dialogar e integrar-se com as pré-existências, respeitando e recorrendo à história e contexto local para alicerçar os seus projetos, Rem Koolhaas pensa e cria esta sua obra de um modo oposto. Recorre à completa alienação do seu edifício em relação a tudo o que o rodeia, isola-o, torna-o um ícone. Faz valer a sua individualidade através da polémica diferença formal e conceptual. Dos novos equipamentos, o mais visível foi a Casa da Música, de Rem Koolhaas. Curiosamente, o edifício se insere numa perspectiva de estranhamento ao contexto urbano, exatamente na contramão da tradição recente da arquitetura portuguesa. (José 236 237 Simões de Belmont Pessôa , 2008, pág. 53)

À escala urbana, o projeto pretendia alterar a forma como a praça Mouzinho de Albuquerque238 era usada e apropriada pela população, indo assim as intenções espaciais do edifício para lá não só de si próprio, não só do seu lote, mas para a cidade em si. Devido a esta rotunda ser parte histórica da cidade e tendo esta cidade uma relação muito forte com a tradição arquitectónica239 nela presente, variadas criticas negativas depressa se fizeram notar. Vasco Pinheiro é bastante claro neste ponto ao afirmar Implantado na, talvez, mais conhecida rotunda do Porto, o edifício da Casa da Música vem assumir, não tanto pela função mas, fundamentalmente, pela forma, uma posição de confronto com a própria centralidade da praça, cuja geometria e consequente implicação no desenhar da envolvente urbana mais próxima condiciona a devida valorização e leitura da sua imagem poliédrica. Nesse sentido, apenas pela sua forma estranha, o edifício evidencia-se pela ruptura e pelo modo agressivo, para muitos, como expressa a sua vontade de se desligar da construção que o envolve. (2005, pág. 240 33)

236

José Simões de Belmont Pessôa é arquiteto pela UFRJ em 1982. Continuou o seu percurso académico ao tornar-se especialista em Conservação e Restauração de Monumentos e Sítios pela UFBA/UNESCO em 1984. Doutorou.se em 1992 em Planeamento Urbano e Regional pela IUAV em Itália. É, desde 2002, Professor adjunto na Universidade Federal Fluminense. 237 PESSÔA, José Simões de Belmont (2009) - Rua, Largo, Rossio, Muralha: Requalificação de espaços urbanos em Portugal in in ARQTEXTO, N.º 15 238 Praça Mouzinho de Albuqerque é o local vulgarmente conhecido por Rotunda da Boavista. É a maior Praça da cidade do Porto e existe desde pelo menos 1876, pois desde esse ano a feira de São Miguel foi para aí transferida. 239 KOOLHAAS, Rem, OBRIST, Hans Ulrich (2009) - Rem Koolhaas conversas com Hans Ulrich Obrist. Editorial Gustavo Gili, Barelona. 240 PINHEIRO, Vasco (2005) - Casa da Música 1999-2005. Archinews, número 03, janeiro/fevereiro.

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Este ponto de vista é profundamente coerente com a opinião de Rem Koolhaas sobre a cidade, onde o fato da Casa da Música se diferenciar completamente da sua envolvente não deveria ser fonte de grandes críticas, pois a própria metrópole em si não é uma entidade única. Segundo o próprio "the kind of coherence that the metropolis can achieve is not that of a homogeneous, planned composition; at most, it can be a system of fragments241" (2006, pág. 49)242. Necessariamente, entenderemos também que devido à sua forma e desenho tão claramente contemporâneos, inseridos numa zona da cidade cujos edifícios antigos e com identidade histórica definida (apesar de não serem raros os edifícios modernos e mais recentes que, estranhamente, não provocaram tanta polémica como a obra de Rem Koolhaas), contribuem para que o edificado partilhe um desenho semelhante, o projeto de Koolhaas entre em contradição e choque e corra o grande risco de poder ser considerada pouco mais do que uma situação em que (...) características puramente estruturais foram tratadas esteticamente, cada uma recebendo quase uma forma escultural. O arquiteto pode ficar tão interessado na formação de todas as partes estruturais de um edifício que perde de vista o fato de que a construção, afinal de contas, é apenas 243 um meio e não um fim em si. (Steen Eiler Rasmussen, 2002, pág. 46)

Por outras palavras: devido ao facto de que a casa da música tem como função ser uma casa de espetáculos musicais de média e grande escala, parece-nos algo contraditório que tal edifício, apesar de todo a atenção que a sua forma mereceu por parte do arquiteto, não tenha capacidade para comportar uma orquestra sinfónica com todos os seus elementos, falhando assim o seu principal propósito. Algo que também estranhamos é a tentativa do arquiteto que o desenhou querer justificar a sua perfeita integração na envolvente quando, na realidade, poderia localizar-se em qualquer lado do mundo pois a sua justificação conceptual para o mesmo assim serviria. Corre assim o risco de a critica poder ter razão quando considera que forma tão alienada da sua envolvente serviu um capricho do arquiteto e não a função que lhe foi programada. 241

o tipo de coerência que as metrópoles conseguem alcançar não é a de uma composição planeada e homogênea; na melhor das hipóteses, poderá ser um sistema de fragmentos (Tradução nossa) 242 CORTÉS, Juan Antonio (206) - Delirious and More, II. Strategy Vs. Architecture. El Croquis, number 131/132, volume III/IV. El croquis editorial, Madrid. 243 RASMUSSEN, Steen Eiler (2002) - Arquitetura vivenciada. Martins Fontes, São Paulo

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lustração 66 - "Casa da Música, edifícios contemporâneos. O objecto arquitectónico isolado da rotunda histórica. Lisboa, Portugal." (Ilustração nossa, 2012)

Em relação à envolvente, o edifício impõe-se no sítio, desafiando a rotunda e o monumento, competindo com eles e disputando-lhes o protagonismo do lugar. Tem força expressiva para vencer. Um século de distância legitima a arrogância... (Nuno 244 Teotónio Pereira, 2005, pág. 46)

No entanto, segundo Nicolai Ouroussoff, existiu consciência e atenção sobre o local onde a Casa da Música se insere. Mr. Koolhaas is inspired by a range of influences here, from Oporto's rich Modernist tradition to the generic shopping malls that have taken over the globe since the 70's. The exterior's restrained elegance nod to local architects like Álvaro Siza and Eduardo Souto de Moura, whose abstract compositions also tend to reveal themselves gradually as you move through them. But the concrete shell is also a mask - a near-blank container that conceals a richer imaginative experience inside. (Nicolai Ouroussoff, 245 2005, pág. 1)

A intenção deste projeto é por esta razão completamente contrária à da Casa dos 24. Enquanto que no edifício de Fernando Távora se pretende o diálogo com o préexistente e a continuação contemporânea do mesmo é a sua legitimação, no edifício de Rem Kolhaas a legitimação é feita através do confronto de duas épocas, a do préexistente e a da sua Casa da Música. Diz-nos Vasco Pinheiro que

244

PEREIRA, Nuno Teotónio (2005) - Casa da Música 1999-2005. Archinews, número 03, janeiro/feveireiro. 245 (OUROUSSOFF, Nicolai (2005) - Rem Koolhaas Learns Not to Overthink It. New York Times [Em linha]. (10 abril 2005). [Consult. em 30 de maio de 2012]. Disponível em WWW: < URL: http://www.nytimes.com/2005/04/10/arts/design/10ouro.html?_r=1&pagewanted=1 >) Sr. Koolhaas é inspirado por uma gama de influências aqui, da rica tradição Modernista do Porto ao centro comercial genérico que tomou conta do globo desde os anos 70. A contida elegância exterior acena aos arquitetos locais Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura, cujas composições abstratas tendem a revelar-se gradualmente à medida que andamos por elas. Mas a concha de betão é também uma máscara - um contentor quase em branco que contém uma rica experiência imaginativa no seu interior. (Tradução nossa)

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Evidenciador da actual contemporaneidade, o edifício da Casa da Música posiciona-se como peça de renovação, referencia de uma nova expressão da cultura urbana, que obriga ao redireccionamento das hierarquias estabelecidas, centralizando linhas de força e oferecendo novas maneiras de olhar, de ler e, de porventura, de usar a praça. 246 (2005), pág. 33)

Naturalmente, este facto contribuiu também para que a aceitação deste edifício entre a população local fosse mais difícil. Esta dificuldade de aceitar o edifício estende-se também a grande parte da critica de arquitetura nacional aquando da sua construção (mesmo que essa atitude pareça ter mudado um pouco à medida que o tempo vai passando), o que contrasta com a opinião de quem é exterior ao país e conhece a cultura nacional mais superficialmente, centrando a sua critica no edifício em si.

246

PINHEIRO, Vasco (2005) - Casa da Música 1999-2005. Archinews, número 03, janeiro/fevereiro.

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5 CAPITULO 5.1 PROJETO DE QUINTO ANO Durante o ano letivo de 2009/2010 foi proposto aos alunos que o local onde sita atualmente o Estacionamento do Mercado do Chão do Loureiro fosse utilizado para criar uma extensão à escola de artes circenses Chapitô, sendo exigido que a mesma contivesse uma residência para alunos e professores convidados e um espaço onde os alunos pudessem não só treinar mas também apresentar os seus espetáculos. Naturalmente, o programa era propositadamente vago e insuficiente para responder às necessidades não só da escola, como também da cidade onde o espaço a intervir se insere. Assim, deveria partir dos alunos a capacidade de criar um programa complementar que respondesse satisfatoriamente ao que se exigia. O modo como o edifício do Mercado do Chão do Loureiro seria utilizado ficava à escolha de cada aluno. Assim, podia-se propor a sua demolição, a sua reabilitação ou simplesmente manter-se a fachada. Para dar resposta a esta necessidade, considerámos ser mais correta a demolição e criação de um novo edifício no lugar do mercado. Nas próximas páginas expressaremos as razões que levaram à concepção do projeto, tanto no seu programa como na sua forma. A decisão de demolir o edifício pré-existente não se prende exclusivamente à necessidade volumétrica de responder ao programa considerado necessário. O facto de se tratar de um edifício modernista que se demarca da identidade histórica do local onde se insere pesou também na decisão. Consideramos que a arquitetura, apesar de localizada no tempo, deve integrar-se e comunicar com o lugar onde se insere; algo que não nos parece verificar-se completamente com o Mercado do Chão do Loureiro. Tal observação contribuiu para que o edifício a projetar tivesse necessariamente de respeitar e integrar-se com a encosta do Castelo e com os elementos que julgamos mais importantes no local e sua envolvente.

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5.2 FUNDAMENTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO (RAZÕES E ATOS) A extensão à escola de artes circenses Chapitô surgiu como uma oportunidade não só de complementar ou satisfazer necessidades mais imediatas da escola como também encontrar um modo de dotá-la de valências que lhe permitam não só a coexistência com a cidade mas ainda torná-la um ponto essencial na vida urbana e cultural da mesma. É certo que a escola já possui uma importância decisiva no panorama cultural de Lisboa. Não ignoramos este facto; pelo contrário, pretendemos utilizá-lo como um ponto de partida para assegurar o sucesso do projeto, começar do reconhecimento que a escola já possui para que esta possa utilizá-lo de modo a que esta importância aumente e, mais importante que isso, se torne um polo cultural reconhecido não só pelos habitantes da zona onde se insere, não só pelas pessoas que conhecem diretamente a escola, mas que também interesse e traga ao Chapitô e à cidade de Lisboa pessoas exteriores a esta. Para este intento pesquisaram-se os serviços, intenções, objetivos e necessidades da instituição para a qual estava a desenhar a extensão, de modo a poder complementar o programa o mais corretamente possível. Pareceu-nos também claro que se a sua intenção era chamar alunos e artistas de todo o mundo, e tornar o Chapitô uma escola de referência mundial, era necessário ter consciência de qual era a oferta formativa de escolas semelhantes à volta do mundo. Assim, investigou-se a Toronto School of Circus, a Circus Center of San Francisco e o Circus Space em Londres. Isto permitiu a construção de um programa que oferece o mesmo que todas as outras escolas, podendo tornar o Chapitô formativamente competitivo em relação às suas congéneres internacionais. Sendo o Chapitô uma instituição cujo objectivo é ser um local de formação para as artes do espetáculo e ao mesmo tempo ter um papel de solidariedade e integração social consideramos que a escola, para ser fiel aos seus objetivos sociais, tinha de ser aberta à sociedade civil. A população deveria poder fazer parte da mesma, vivê-la. Tornou-se claro que o projeto tinha de melhorar substancialmente a vida comunitária para que não só a cidade melhore com o projeto, como também para que o objetivo da escola possa ser cumprido.

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Assim, Escola e Cidade entrelaçam-se e coexistem sem se contrariarem uma à outra. A ligação entre as cotas inferior e a superior faz-se pelo interior e exterior do edifício, em torno de um grande vazio central, provocando miradouros para a cidade e para o interior do edifício, criando espaços de maior e menor intimidade onde diferentes tipos de socialização podem ocorrer, e os elementos da cidade mais pertinentes e característicos da zona (ruas, miradouros, escadarias e inclinações entre diferentes cotas) façam parte do projeto.

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5.3 UTILIZAÇÃO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO A solução proposta por nós para a extensão do Chapitô, caracteriza-se por um volume aparentemente sólido, cuja matéria foi retirada em certos pontos permitindo assim a sua interseção pela malha urbana. Integra em si as escalas das ruas, becos e miradouros característicos do sítio onde toma lugar, referenciando a história espacial da cidade antiga lisboeta. Integra também a memória do Castelo de São Jorge e das muralhas que ainda subsistem nas proximidades (em Alfama) através da semelhança material e volumétrica, cuja aparência sólida insinua o passado das muralhas sólidas dos perímetros defensivos da cidade. A pré-existência de uma escadaria na travessa do Chão do Loureiro as relações de intimidade através do espaço que, como no primeiro capítulo se veio a verificar através da relação Interior-Exterior no estudo do espaço social, é aprazível e desejável por muitos seres humanos em cidades onde a privacidade e intimidade são cada vez mais ausentes do quotidiano. A ligação urbana entre a travessa do Chão do Loureiro e a Costa do Castelo surge assim como uma extraordinária oportunidade de interligar as duas cotas por entre o edifício, tornando o espaço e o tempo entre as duas ruas um lugar de contemplação urbana e pessoal, um espaço urbano e da cidade mas subtilmente separado da mesma onde se permite a introspeção. A relação entre a comunidade que viverá este espaço e a cidade mantêm-se no espaço mais qualificado que o edifício do Mercado do Chão do Loureiro possuía: o miradouro no seu terraço. No estudo que aqui propomos este espaço mantém-se, embora com uma outra configuração que permite a quem o experiencia, a vista panorâmica do vale entre a colina do Castelo e a do Bairro Alto e o rio Tejo. A partir do piso térreo, na interseção entre a travessa do Chão do Loureiro e o Largo da Atafona, abre-se na volumetria do edifício uma escadaria que desemboca no Foyer da Sala de Espetáculos. Aqui, devido à sua altura, é possível a realização de espetáculos suspensos. Seguindo pela escadaria da Travessa do Chão do Loureiro entramos no espaço resguardado do edifício: a biblioteca à esquerda e posteriormente o miradouro no vazio central do projeto, situando-se diretamente sobre a sala de espetáculos. A biblioteca constitui-se como um amplo espaço retangular, com tecto de

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vidro sensivelmente ao centro como se de um rasgo entre os quartos suspensos e a rua suspensa se tratasse, permitindo iluminação zenital. Na ponta oposta à biblioteca, no triângulo que dá forma ao miradouro, situa-se a continuação do percurso urbano e a entrada das residências de estudantes e professores visitantes. A partir de esta entrada aos seus quartos os alunos e professores têm uma passagem exclusiva para a biblioteca e salas de trabalho da mesma. A ligação continua ao terem acesso direto para as salas de aulas que se situam por cima de alguns quartos. Aqui, os alunos têm à sua disposição salas de aulas teóricas, salas preparadas acusticamente para ensaios musicais e gravação e uma sala de informática. A cultura, o ensino e a vida dos alunos começa, deste modo, a articular-se. O acesso pelo exterior ao núcleo de aprendizagem faz-se pela finalização (ou início) do percurso que se iniciou na Travessa do Chão do Loureiro, fazendo um loop pelo meio do edifício e que acaba no miradouro para a cidade, onde alunos e cidadãos podem apreciar a cidade enquanto são servidos pelo bar e esplanada que também aqui se localiza. Mais do que responder ao programa, o estudo intenta ser mais um foco de interesse da cidade e do país. Como qualquer projeto, do planeado ao construído há uma ausência de realidade física que implica um desconhecimento do sucesso das suas intenções. No entanto, e de acordo com o estudado ao longo da pesquisa para o desenvolvimento desta dissertação, sentimo-nos confiantes de que o caminho apontado é o correto. Valoriza o lugar onde se insere, melhora a oferta cultural das populações residentes, melhora a oferta educacional existente no país, injeta habitantes novos e de passados distintos da maioria dos já existentes, permite a criação de economia no local, respeita e recorda a rica história do sítio, contribuindo ainda para o desenvolvimento sustentado de uma instituição tão importante a nível social e cultural como inquestionavelmente é o Chapitô.

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5.4 DESENHOS 5.4.1 RENDERS

Ilustração 67 - "Renderização do exterior do projeto" (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 68 - "Renderização do vazio central do projecto, a rua pelo seu interior e o miradouro interior." (lustração nossa, 2012)

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Ilustração 69 - "Renderização do miradouro interior." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 70 - "Renderização do edifício." (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 71 - "Renderização da entrada do espaço de espetáculos e o grande vazio central no qual está inserida." (Ilustração nossa, 2012)

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Imagens 72 - "Renderização da sala de espetáculos." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 73 - "Renderização do topo do edifício: miradouro para a cidade de Lisboa, as salas de aulas teóricas e o bar." (Ilustração nossa)

Ilustração 74 - "Renderização da biblioteca." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 75 - "Renderização da sala de estar de alunos e professores visitantes e acesso aos quartos." (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 76 - "Renderização de um quarto de alunos." (Ilustração nossa, 2012)

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5.4.2 DIAGRAMA FUNCIONAL

salas de aulas teóricas

bar e miradouro

acesso de alunos às áreas residenciais e biblioteca. Salas de trabalho

residências

percurso pedonal e miradouro interior

biblioteca

sala de espetáculos, suas dependências e oficinas.

estacionamento automático e sala de controlo de segurança.

Ilustração 77 - "Diagrama explicativo das diferentes áreas do projeto." (Ilustração nossa, 2012)

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5.4.3 PLANTAS

Ilustração 78 - "Planta cota 18m. Estacionamento automático." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 79 - "Planta cota 20.2m. Estacionamento automático." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 80 - "Planta cota 22.4m. Estacionamento automático." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 81 - "Planta cota 26m. Estacionamento automático, foyer, bilheteira, bengaleiro, instalações sanitárias, arrumos, oficinas e ginásio de fortalecimento muscular." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 82 - "Planta cota 30m. Estacionamento automático, ginásio de fortalecimento muscular e acessos." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 83 - "Planta cota 34m. Estacionamento automático, ginásio de fortalecimento muscular, balneários, camarins e guardaroupa." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 84 - "Planta cota 38m. Acesso ao estacionamento automático, controlo de segurança do edifício, ginásio de fortalecimento muscular, sala de mistura de som, sala de mistura de luz, sala de gravação de som, sala de controlo, Gabinete da direção, arquivos, lavandaria." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 85 - "Planta cota 41.5m. Biblioteca, instalações sanitárias, salas de trabalho/estudo, acesso às residências, miradouro público e acesso entre as diferentes cotas das ruas circundantes pelo vazio central do edifício." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 86 - "Planta cota 45.5m. Residências de estudantes, balneários e instalações sanitárias, espaço de estar e espaço de preparação de alimentos." (Ilustração nossa, 2012)

André Filipe Salsinha Cabrita Ilustração 87 - "Planta cota 48.5m. Residências de estudantes e professores convidados." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 88 - "Planta cota 54m. Bar e esplanada, miradouro público para a cidade de Lisboa, sala de controlo de segurança, sala de informática e instalações sanitárias." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 89 - "Planta cota 57.5m. Salas de aulas teóricas e sala de ensaios acústicos." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 90 - "Planta cota 62m. Planta de cobertura." (Ilustração nossa, 2012)

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5.4.4 CORTES

Ilustração 91 - "Corte 1." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 92 - "Corte 2." (Ilustração nossa, 2012)

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5.4.5 ALÇADOS

Ilustração 93 - "Alçado Nordeste." (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 94 - "Alçado Sul." (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 95 - "Alçado Oeste." (Ilustração nossa, 2012)

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6 CONCLUSÃO

Iniciámos esta dissertação tentando perceber como o ser humano era influenciado pela arquitetura, mais especificamente arquitetura contemporânea, em núcleos históricos. As pesquisas começaram pelo conceito de espaço social segundo o sociólogo António Teixeira Fernandes onde a totalidade da interação humana com o espaço começa a delimitar-se. A partir deste começo começamos a entender como o homem lidou e criou espaço nas suas comunidades profundamente religiosas, como entende o espaço segundo relações de centralidade e periferia, como diferencia entre espaço exterior e espaço interior, entre o que é privado e o que é público, entre o que é natural e o que é construído. Após termos esta consciência global da interação humana entre construído e ele próprio, compreendemos ser necessário estudar o quão eficiente era a utilidade destes conhecimentos para a consciente manipulação comportamental e social do homem através do que construía para esse efeito. A altura da história da Humanidade em que tal feito foi mais ativamente tentado e, simultaneamente, mais credivelmente documentado foram os regimes autocráticos do século XX e, como resposta a essas modulagens comportamentais, os regimes democráticos do mesmo período. Consideramos portanto pertinente estudar a arquitetura nazi, a arquitetura soviética, a arquitetura do New Deal, e a construção de duas cidades que simbolizavam o fulgor democrático de dois países distintos, Brasília no Brasil e Chandigarh na Índia. Cada uma se serviu de formas e espaços diferentes para atingir os seus objectivos. Curiosamente, apesar da disparidade de soluções seguidas por cada um dos regimes, todas elas partilharam um destino algo semelhante: um fracasso apenas parcialmente bem sucedido. Tal facto é mais verificável nos regimes autoritários onde, após a caída do regime que lhe dava sustento ideológico, a arquitetura se tornou completamente ineficiente para o propósito que fora construída, situação contrastante com a que lhe antecedera. Após sabermos como consciente e inconscientemente o ser humano é manipulado e manipula o espaço que o rodeia, especificamente o construído, avançámos da generalidade para a especificidade do tema que nos interessa aqui desenvolver e, assim, partimos para a análise da Encosta do Castelo, núcleo histórico da cidade de

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Lisboa onde se irá implementar o nosso projeto final de quinto ano. Para compreendermos o presente e prevermos o futuro temos necessariamente de estar familiarizados com o passado. Pesquisámos por isso a história da Encosta do Castelo. Após este conhecimento estamos capacitados a interpretar a relação entre edifícios históricos neste núcleo urbano histórico da cidade de Lisboa e as pessoas que nele circulam e habitam. Para o efeito vamos estudar dois monumentos relevantes, o Castelo de São Jorge e a Sé de Lisboa. Deparamo-nos com uma população envelhecida que pouco ou nada interage com estes monumentos, sendo o contacto com eles reduzido a festas populares ou eventos religiosos anuais. Porém isto não significa que não ocorram ligações entre população e este edificado, esta cinge-se é a quase na sua totalidade ser por turistas, verificando-se algo semelhante à cidade de Veneza; assistimos a um museu a céu aberto, cristalizado no tempo para gáudio de quem aqui não permanece. Uma vez que o objeto de estudo aqui em causa é arquitetura contemporânea, teremos de, simultaneamente ao estudo dos dois monumentos da cidade de Lisboa que efetuamos anteriormente, investigar também dois edifícios contemporâneos inseridos neste núcleo histórico. São eles o Estacionamento das Portas do Sol e o Mercado do Chão do Loureiro. A conclusão a retirar destes dois exemplos é, sucintamente, que quando se compreende as necessidades das pessoas que utilizam estes espaços e as mesmas são respeitadas o edifício é acarinhado e utilizado pela população, quando se ignora o que pré-existia o mesmo não acontece. Todo este estudo centra-se em centros históricos, e portanto cremos ser necessário conhecer como se deve proceder à reabilitação urbana destes, visto que a maioria das intervenções nestes lugares são desta natureza. Compreendemos assim que, sucintamente, cada caso é um caso. No entanto, na generalidade, devemos manter e reabilitar quando o edifício em causa ainda responde às necessidades de quem o utilizará. Caso contrário, necessita de ser adaptado, evitando práticas de conservacionismo cego que, ao isolar as obras da sua sustentabilidade financeira, condena-as ao abandono e progressiva (mas rápida) detioração. Como consideramos ser necessário investigar mais profundamente a relação entre arquitetura contemporânea e núcleos históricos, pois é o cerne do interesse deste trabalho, observámos três estudos de casos, nomeadamente o Mercado do Chão do Loureiro, a Casa dos 24 e a Casa da Música. Destes casos pode-se afirmar que a

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Casa da Música e o Mercado do Chão do Loureiro (a primeira por ser parte fundamental da vida cultural da cidade, por ser um marco da mesma e por ter dado novo significado a um dos pontos mais importantes da cidade apesar dos seus problemas e alienação do lugar onde se insere, e a segunda por respeitar as necessidades e desejos dos habitantes, o que resolveu problemas de sustentação e fixação de pessoas num bairro histórico e aumentou a qualidade de vida das mesmas, enquanto simultaneamente permite atividade económica) são projetos bem sucedidos. A Casa dos 24 apesar de ser um edifício interessante, respeitar tanto a história do local como a sua envolvente, sofre do facto de ter estado fechado muito tempo após a sua conclusão e apenas recentemente ter tido uma função especifica, o que o ostracizou de certo modo da vida da cidade. Assim, mesmo sendo um edifício que acrescenta muito à relação que a população tem com o sitio onde se insere, esta ignora-o, podendo por isso ser considerado um bom exemplo de arquitetura contemporânea em núcleos históricos de qualidade que apesar de, mais por culpa da sua função do que pela qualidade do edifício em si, não funciona tão bem como podia. Por fim, o nosso projeto de quinto ano apresenta-se como uma estratégia de requalificação do lugar enquanto transformação em polo cultural e educativo, espaços onde a população da cidade e quem dela não faz parte possa usufruir da mesma. Como resposta às necessidades e desejos da população decidimos dotar o projeto de estacionamento automatizado e, no seu topo, um bar. A forma do projeto segue o sistema que forma a malha urbana do local: ruas e ruelas aqui e ali interceptadas por miradouros. Ao assegurar um fluxo constantemente renovado de novos habitantes (tanto alunos como professores convidados) também se contribui para resolver parcialmente o problema de uma população envelhecida. Como as palavras são necessariamente insuficientes para descrever uma ideia na sua totalidade, neste capitulo apresentamos também alguns renders e os desenhos técnicos para que o projeto possa ser um pouco mais claro, na sua forma e intenções, ao leitor.

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