Os sete - andre vianco

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— Onde estão os outros ? — perguntou ao soldado no comando do pelotão. O soldado tremia assustadoramente. Seus olhos não conseguiam se fixar o tenente, girando desnorteados. A boca abria, mas palavra alguma saía. — Onde estão os outros? Alguém pode me dizer? — bradou o tenente. Um soldado mirrado estendeu o braço, chamando a atenção do tenente. Brites caminhou curvado, pois o teto forrado da parte traseira do caminhão era relativamente baixo, e aproximou-se do soldado. Brites percebeu que o homem balbuciava palavras curtas, mas sem se fazer ouvir. Precisou abaixar-se e aproximar seu ouvido da boca do homem, pois somente assim compreenderia o que o agonizante soldado murmurava. — Elesss... não consegui... ram. Não conseguiram. O soldado tremia muito, e agora parecia tremer ainda mais em razão de um nervosismo interno feroz do que pelo próprio frio. Seus murmúrios revelavam um homem desesperado e choroso, transformando-se em gritos tristes que penetravam nos ouvidos dos soldados que ainda podiam ouvir. — Eles não conseguiram, se... senhor. Eles morreram... eles estão con... congelados. O santo Deus... eles mo... morreram. O tenente abraçou-o, tentando amenizar o frio em volta de seu corpo, tentando tranqüilizar seu soldado. Assim que o homem parou de tremelicar e gritar, o tenente o deixou. Pelo rádio pediu que a base enviasse outro caminhão. Ele iria para as docas; jamais abandonaria aqueles homens lá. Certamente ainda haveria soldados vivos. Brites desceu do caminhão. O vento havia reduzido de intensidade, mas a neve ainda caía, suave e harmoniosa. Não fosse o horrendo desfecho daquela operação Brites acharia aquele momento único em sua vida. A neve caindo sobre o Rio Grande do Sul, cobrindo Amarração com aquela capa branca e compacta. Nunca estivera tão frio em Amarração. O único gelo que costumava precipitar do céu eram as ferozes pedras de granizo durante tempestades esporádicas. Mas hoje ele não poderia achar nada daquilo belo e harmonioso. Bateu para o chão a neve que se acumulara sobre seus ombros. Chamou mais dois soldados para acompanhá-lo. Trocou as baterias de seu rádio apenas por precaução. A base avisou que o outro caminhão já se encontrava a caminho. — É isso aí, rapazes. Vocês agüentam o frio? Os dois soldados apenas menearam a cabeça positivamente, já que ambos estavam com os braços fechados e cruzados, repousando as mãos enluvadas nos ombros, protegendo-se do frio intenso. Não fossem soldados militares o tenente teria pena de levá-los pela estrada congelada. O caminhão começou a mover-se lentamente, cauteloso com a neve sobre o asfalto. Antes dos três começarem a marcha até as docas, o tenente consultou um artefato preso ao pulso, semelhante a um relógio digital. — Estamos com dezoito graus negativos. Sobreviveremos.


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