Brasília Médica Nº49

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Paulo Mendelssonh • Cirurgia segura

levando o ato anestésico a bom termo. É compreensível que, no momento da operação, a questão eletrolítica esteja em plano secundário. Entretanto, findo o ato cirúrgico e o período pós-operatório imediato, é absolutamente necessário que se procure estabelecer o equilíbrio hidroeletrolítico adequado. Observa-se com frequência, em algumas unidades de terapia intensiva, que toda infusão de líquidos tem composição parecida à solução fisiológica. Ora, se forem repostos os 2.500 mL de água que um adulto (sem perdas extraordinárias) necessita diariamente com solução fisiológica, estão-se ministrando 375 mEq de sódio, quando a necessidade do paciente é de 75 mEq. Em paciente que habitualmente recebe grande quantidade de eletrólitos na sala de operação e sua reação ao trauma tende a reter sódio, se continuamos a administrar grandes quantidades nos dias pós-operatórios seguintes, teremos uma expansão isotônica grave que causa edema digno de nota, sobretudo nos locais em que houve manuseio cirúrgico. Esse edema causa dificuldade mecânica da cicatrização, dificuldade de irrigação sanguínea e, principalmente, hipoxia local, que pode comprometer seriamente o resultado pós-operatório. Deiscência de anastomoses, eventrações e outras complicações graves e mortais podem decorrer dessa conduta equivocada no manuseio pós-operatório. O segundo problema refere-se ao choque pós-operatório. Em paciente operado, com instabilidade hemodinâmica e sinais de choque, o diagnóstico, até prova em contrário, é choque hemorrágico. É comum pacientes idosos apresentarem choque na fase pós-operatória imediata com abdome flácido, indolor e sem distensão. O cirurgião experiente sabe que o exame clínico não é confiável para o diagnóstico de hemoperitôneo. Às vezes ocorre perda de dois a três litros de sangue em abdome aparentemente sem dor, sem distensão e sem sinais de irritação peritoneal. O tratamento de qualquer outra causa de choque só deve ser iniciado após exclusão de hemoperitônio por meio de ecografia ou de lavado peritoneal realizados na unidade de terapia intensiva. O terceiro evento, que reclama a presença do cirurgião, é a dificuldade do diagnóstico de deiscências de anastomoses em operações do trato digestivo.

Mesmo em mãos experientes, esse diagnóstico em sua fase inicial é difícil. É uma complicação catastrófica e há sempre dificuldade em considerá-la no início do quadro. Em paciente com quadro evolutivo normal, a presença após o quarto dia de sinais de síndrome da resposta inflamatória sistêmica (febre, taquicardia, taquipneia e outros) impõe o diagnóstico de deiscência de anastomose e implica necessidade absoluta de esclarecimento, pois o prognóstico do caso dependerá do seu diagnóstico precoce. Finalizando-se, é fato sobremaneira evidente haver grande frequência de ações civis e penais que requerem a intervenção do Poder Judiciário na atividade médica, às vezes justificadamente e muitas vezes injustificadamente. Em consequência dessa crescente atitude por parte da população, julga o autor ser da maior importância que o cirurgião jamais execute procedimentos cirúrgicos sem o devido termo de consentimento livre e esclarecido do doente e que reflita sobre a necessidade de se proteger com um seguro, conduta já adotada por médicos de vários países.

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