Brasília Médica Nº49

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Fernanda Godoy Falcão e col. • Percepção a estímulos no coma

DISCUSSÃO O ano com mais publicações foi 2008 (quatro no total) no período de 2000 a 2010, e o país com mais publicações foi a Bélgica. Porém, o Coma Science Group, um grupo belga, forneceu a maior parte dos artigos, o que pode constituir viés. Os tipos de publicação foram sete revisões, cinco estudos clínicos e um relato de caso. Acredita-se que há mais revisões sobre o tema do que estudos clínicos devido à dificuldade em realizar pesquisas com sujeitos em coma por seus aspectos éticos, como dor infringida e consentimento livre e esclarecido. As revistas em que os artigos foram publicados foram variadas, não houve enfoque em uma área específica. As revisões versaram sobre conceitos relacionados a distúrbios da consciência e suas manifestações (total de cinco). Em duas delas, avaliaram-se três e dez ensaios clínicos respectivamente, os quais foram considerados de baixa qualidade, com número baixo de sujeitos, e concluiu-se serem necessários mais estudos clínicos, randomizados, multicêntricos, com mais sujeitos. Dos quatro ensaios clínicos avaliados, três apresentaram número baixo de sujeitos e dois tinham os grupos de controle e experimental não equiparáveis. Só houve um estudo controlado, randomizado e unicego para o pesquisador. Quanto a estímulos utilizados, forma de avaliação e principais resultados, observou-se que, nos três estudos que visaram a avaliar percepção dos enfermos em coma sobre o meio externo e sobre si mesmos, foi encontrada percepção positiva, fisiológica e emocional aos estímulos. Dessa forma, foram identificadas: 1) atividade eletrodérmica – parcialmente preservados os sistema cognitivo e autonômico e a rede de processos semânticos; 2) mudanças em sinais vitais e expressão facial – encontraram-se alterações estatisticamente significativas nas variáveis: saturação de oxigênio, frequência respiratória e expressão facial; a mensagem de membros familiares produziu mais efeitos que a música; 3) resposta cortical aos estímulos auditivos, visuais e táteis verificada por meio de ressonância magnética – os pesquisadores consideraram que os dados de ativação cerebral

presentes dão evidência de processamento cognitivo e emocional da fala na paciente, fatores não revelados em investigações convencionais ou em exames clínicos. Nos dois estudos que visaram a avaliar mudanças no prognóstico baseadas em estímulos sensoriais, foram identificados os seguintes resultados: 1) crianças com estímulos multissensoriais feitos várias vezes por dia tiveram seu período de coma diminuído ou tiveram nota na escala de coma de Glasgow aumentada em relação ao grupo-controle; além disso, quanto mais cedo se iniciaram os estímulos, melhor foi o prognóstico; 2) pacientes com resposta ao potencial evocado apresentaram melhor prognóstico. Uma contradição importante foi identificada na literatura investigada. Nos artigos de revisão, há definições de coma bem específicas, como estado em que a pessoa não tem consciência de si mesma e do ambiente em que se encontra. Todos os estudos clínicos avaliados mostraram haver, porém, percepção do meio e de si mesmos por parte dos pacientes em coma. Diante desse fato, temos duas possibilidades interpretativas: ou os pacientes avaliados estavam erroneamente classificados como comatosos ou estamos chegando a uma fronteira do conhecimento que coloca em xeque a definição de coma e da palavra consciência. Outro ponto importante é que os três estudos – aqueles que avaliaram modelos preditivos de prognóstico e o estudo clínico que demonstrou o grupo experimental com estímulos sensoriais ter retomada de consciência mais rápida que o grupo-controle – entram não só no âmbito do cuidado, mas também no financeiro. Pacientes que se recuperam mais rapidamente do estado de coma ficam menos tempo dependentes de medicamentos e materiais, que são caros. Dessa forma, pesquisas nessas áreas devem ser estimuladas, pensando-se no aspecto financeiro, já que, se for comprovado que os estímulos sensoriais auxiliam na retomada de consciência, essa prática poderá ser usada no intuito não só de tratamento, mas também de redução de gastos durante a

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