AGIR pelos direitos humanos

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EDITORIAL

Amigos/as, s imagens de manifestações e abusos policiais da Turquia ou Brasil ocupam parte importante dos noticiários, tal como acontece na Síria, ou ocorreu nos países da chamada primavera árabe. Há outros países em que enormes brutalidades não incomodam, os media as ignoram e poucos as ©Privado testemunham ou denunciam. No fim da II Grande Guerra, quando foram reveladas imagens do genocídio nazi, muitos disseram que não agiram porque “não sabiam” de nada. Sean McBride, que viria a ser um presidente histórico da AI, sublinhou então que fazia falta criar uma organização de “sentinelas” que denunciasse o mal, para que mais ninguém pudesse alegar desconhecimento. Aqueles que o fazem correm riscos – são os Defensores de Direitos Humanos (DDH), pessoas que, agindo em defesa dos direitos de outros, por solidariedade e expressão pacífica, se ocupam em denunciar, documentar e trazer à luz aquilo que os violadores de direitos humanos procuram esconder. Muitos acabam por ser, eles próprios, vítimas de perseguição, tortura, acusações de traição, pesadas penas, execuções arbitrárias. Os violadores, ou abusadores, nem sempre são agentes estatais – podem ser milícias privadas, grupos de oposição, máfias criminosas, líderes religiosos ou comunitários, empresas privadas. Em alguns casos, os Defensores de Direitos Humanos podem até ser visados por quem antes protegeram e por cujos direitos lutaram que, após mudanças políticas, de perseguidos passaram a perseguidores. Há Defensores de Direitos Humanos de todo o tipo: muitos são activistas de direitos humanos, outros actuam por motivação humanitária, ambiental, educativa, de desenvolvimento, ou razão profissional. Podem ocupar-se de liberdades públicas, direitos das mulheres ou de pessoas LGBTI, direitos ambientais, ou de comunidades indígenas. Podem acompanhar situações de guerras ou de conflitos, ou denunciar consequências da globalização nos direitos humanos, ou limitações ao exercício dos direitos económicos, sociais e culturais num contexto de crise. Uns são personalidades conhecidas, outros não. Uns limitam-se a denunciar situações, outros também fazem lóbi, ou apresentam sugestões para melhorar a governação e combater a impunidade. O Prémio Martin Ennals (em homenagem a um antigo Secretário-Geral da Amnistia Internacional) é atribuído anualmente pelas principais organizações mundiais de direitos humanos a quem mais se destacou como DDH e a selecção do júri deste ano reflecte bem a diversidade dos actuais combates pelos direitos humanos. Em Outubro saberemos se o vencedor é um advogado haitiano que luta contra o esquecimento e a impunidade da ditadura de Duvalier; ou um grupo de investigação de violações de direitos humanos na Chechénia; ou uma egípcia que desencadeou uma iniciativa contra o julgamento de civis por tribunais militares. Muitos outros Defensores e causas poderiam ser referidos e esta revista ocupa-se deles. Mas o que verdadeiramente importa é que a sua intervenção tenha consequências na mobilização contra as violações, o esquecimento e a impunidade. Contamos convosco! Por Victor Nogueira Presidente da Direção Este artigo foi escrito com a antiga ortografia.

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EM FOCO

Tratado de Comércio de Armas: Conseguimos!

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moção e alegria inundaram a Amnistia Internacional quando a 2 de abril as Nações Unidas aprovaram o Tratado de Comércio de Armas (com 154 votos a favor, 3 contra e 23 abstenções). Brian Wood, diretor da campanha e um dos impulsionadores do documento (há mais de 20 anos) disse: “Há muito tempo que o mundo esperava este tratado histórico”. A 3 de junho o documento abriu a assinatura e 67 estados comprometeram-se num só dia (no fecho desta revista eram já 74) com o texto e a ‘regra de ouro’ exigida pelos ativistas da Amnistia e das organizações parceiras: os estados não podem transferir armas para países onde estas possam ser usadas para cometer genocídio, crimes contra a humanidade ou crimes de guerra. Pôs-se assim fim a um mercado (lucrativo) totalmente desregulado. Obrigado! Juntos conseguimos. Mais em  www.amnistia-internacional.pt (O que fazemos/ As Nossas Campanhas/ Controlar as Armas)

© Mira66

Violência policial contra manifestantes pacíficos

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© RUETERS/Osman Orsal

fotografia de uma mulher de vestido vermelho e mala branca ao ombro frente a um polícia que lhe atira lacrimogéneo diretamente para o rosto marcou os protestos na Turquia, que começaram no final de maio. A secção da Amnistia Internacional no país ofereceu o escritório para permitir que os manifestantes recebessem assistência médica e o investigador esteve no local desde o primeiro minuto, criticando a violência policial e exigindo o fim das detenções arbitrárias em regime de incomunicabilidade. Depois da Turquia, seguiu-se o Brasil, onde as forças policiais adotaram a mesma atitude frente a manifestantes pacíficos. A Amnistia no país entregou às autoridades um guia de boas práticas para o policiamento de manifestações. No momento de fecho desta edição, viviam-se momentos de tensão no Egito. A Amnistia pediu contenção às forças de segurança. Acompanhe estas situações em  www.facebook.com/aiportugal

Detidos de Guantánamo em greve de fome

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prisão norte-americana na baía de Guantánamo, em Cuba, voltou a ser notícia com o aumento do número de detidos em greve de fome: em abril as autoridades militares confirmaram 100 presos nessas condições (dos 166 que continuam em detenção). A Administração Obama já veio prometer renovar os esforços para encerrar a prisão de alta segurança, mas a falta de capacidade para resolver o problema em tempo razoável valeu-lhe nos últimos tempos críticas por parte do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, do Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária, de três Relatores Especiais das Nações Unidas e da Comissão Interamericana para os Direitos Humanos. A Amnistia Internacional lançou em maio um relatório sobre o assunto. Mais em  http://bit.ly/RelatorioGuantanamo 04

© US DoD


EM FOCO

Discriminação de comunidades ciganas condenada

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s autoridades do município de Cluj-Napoca, na Roménia, foram multadas por desalojar à força 76 famílias, a maioria de comunidades ciganas, em 2010 (40 foram realojadas em habitações sem condições e 36 ficaram sem alternativa). A decisão foi do Conselho Nacional para o Combate à Discriminação. Também a Grécia foi multada por discriminar comunidades ciganas, neste caso crianças. A condenação surge pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que considerou que 23 menores foram segregados ao serem colocados numa escola quase restringida a alunos ciganos. Croácia, Hungria e República Checa foram também condenados pela instituição europeia, pela mesma atitude. Em junho a Amnistia Internacional entregou à Comissão Europeia 93.164 assinaturas pedindo aos estados europeus que adotem medidas para pôr fim à discriminação das comunidades ciganas. Obrigado a todos os que assinaram!

© Mugur Varzariu

Direitos das comunidades homossexuais

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© Amnistia Internacional (Jerome Yau)

Amnistia Internacional Portugal congratulou-se com a aprovação no Parlamento português, a 17 de maio, do projeto de lei que permite a homossexuais coadotarem os filhos (biológicos ou adotivos) da pessoa com que estão casados ou em união de facto. Em fevereiro o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tinha condenado a Áustria por discriminar uma mulher com base na sua orientação sexual, ao recusar que adotasse o filho biológico da sua mulher. Boas notícias surgiram também do Uruguai, que em abril aprovou o casamento e a adoção entre pessoas do mesmo sexo. Em contrapartida, o Brasil passou um projeto de lei que autoriza a oferta de “cura” para a homossexualidade (a ser discutida no Congresso), a Rússia tornou ilegal o ativismo de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexuais e na África Subsaariana a Amnistia registou o aumento preocupante da homofobia. Mais em  www.amnistia-internacional.pt

Refugiados e migrantes em condições deploráveis

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a Líbia pós-Kadhafi os refugiados, requerentes de asilo e migrantes continuam a ser detidos arbitrariamente e mantidos presos em centros de detenção em condições deploráveis, denunciou a Amnistia Internacional no Dia Mundial do Refugiado (20 de junho). O país continua a considerar os imigrantes uma ameaça à segurança nacional, detendo-os sem proteção legal e por tempo indeterminado. A Amnistia visitou sete “centros de retenção” e detetou sinais de maus-tratos, por vezes de tortura, e a falta de acesso a cuidados médicos. No fecho desta edição da revista, um novo relatório da Amnistia Internacional referia ainda o tratamento desumano de refugiados e requerentes de asilo pela Grécia, uma das maiores portas de entrada na Europa para quem procura refúgio e uma vida melhor. Mais em  http://bit.ly/RefugiadosLibia

© Amnistia Internacional (Kusha Bahrami)

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DOSSIÊ

O MUNDO CHAMA POR SI


Š Amnistia Internacional


DOSSIÊ

Quem disse que VOCÊ não pode (ajudar a) mudar o mundo?

Por Katya Delimbeuf

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oi a vontade de mudar o mundo que deu início à Amnistia Internacional, em 1961 – que, meio século mais tarde, conta com mais de 3 milhões de ativistas. A mesma indignação perante a injustiça e a vontade de mudar o que está errado deu origem à primeira “Ação Urgente” lançada pelo movimento, em 1973. Algo que hoje é usual na Amnistia, mas que na altura nunca tinha sido tentado – o gérmen dos movimentos cívicos internacionais. Quando a 19 de março de 1973 o brasileiro Luiz Basilio Rossi, professor de Economia na Universidade de S. Paulo e líder sindical, foi preso sem qualquer explicação, uma investigadora da Amnistia, Tracy Ultveit-Moe, decidiu inundar as autoridades brasileiras com cartas a pedir explicações. A pressão internacional criada foi tão forte que o professor Rossi foi libertado a 24 de outubro desse ano. A visibilidade que conquistou salvou-lhe a vida. A importância da intervenção dos Defensores de Direitos Humanos tem sido reconhecida por inúmeras instituições internacionais – das Nações Unidas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, à Comissão Africana, à União Europeia ou ao Conselho da Europa*. É esse poder do colectivo que é preciso não esquecer, e a luta contra a indiferença é talvez a maior batalha que travamos nos dias de hoje. Fazer a diferença pode passar por algo tão simples como assinar uma petição ou dedicar umas horas por mês a trabalhar numa organização não governamental. É também essa a história que lhe trazemos neste número, de quatro defensores de direitos humanos dos quatro cantos do mundo. Se cada um de nós fizer a sua parte, podemos de facto mudar o mundo. Não deixe de fazer a sua! © Susanne Keller

* Nações Unidas: Declaração dos Defensores de Direitos Humanos (resolução 53/144 da Assembleia Geral das Nações Unidas, 9.12.98) e um Relator Especial nomeado para acompanhar a sua situação (2000); Comissão Interamericana de Direitos Humanos; nomeado um Relator para Defensores de Direitos Humanos (2001); Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos: estabeleceu o mandato de um Relator Especial (2004), a União Europeia aprovou um Guia sobre Defensores de Direitos Humanos (2004). Em 1997 a Federação Internacional para os Direitos Humanos e a Organização Mundial Contra a Tortura criaram o Observatório para a Proteção dos Defensores de Direitos Humanos. 08


DOSSIÊ

O advogado das causas João Nhampossa, Moçambique © Liga Moçambicana dos Direitos Humanos

Estas são as pontas mais visíveis do icebergue das violações aos direitos humanos em Moçambique, mas existem muitas outras, segundo o advogado. Como ”as detenções arbitrárias, levadas a cabo pela polícia, até sobre manifestantes pacíficos”. Dá exemplos: o presidente do Fórum dos Desmobilizados de Guerra de Moçambique, Hermínio dos Santos, ”já foi detido 5 ou 6 vezes”, sempre sem acusação formada. E lembra o ”baleamento fatal, em setembro de 2010, de 13 pessoas que se manifestavam contra o aumento do custo de vida, incluindo uma criança de 11 anos que vinha da escola“.

João Nhampossa (à direita) e um colega entrevistam uma vítima de violações dos direitos humanos.

os 32 anos, João Nhampossa é advogado em Moçambique há 7. Apaixonado pela causa dos Direitos Humanos, tem um mestrado nessa área. Despertou para o tema na Universidade, ”por aquilo que a assistiu na sociedade moçambicana“. ”Lá na Faculdade, havia uma Liga dos Direitos Humanos que mais parecia um banco de socorro“, conta. João tomou o gosto à ”sensação de que tinha feito a minha parte quando deitava a cabeça no travesseiro“. E ficou. Nem o facto desta ser ”assumidamente uma área perigosa em Moçambique“ o fez vacilar. Denuncia os inúmeros atropelos aos direitos humanos que acontecem no seu país enquanto advogado da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos. ”É um dado adquirido que os advogados são sempre ameaçados na esquadra“, denuncia, mas bem pior são os assassinatos que ficam sem punição. ”Como o homicídio do jornalista Carlos Cardoso, em 2001, quando os autores morais não chegaram a ser julgados ou o do administrador do Banco Austral, António Sibassiba, quando nem chegou a haver julgamento”.

O Estado tem na polícia o seu principal “braço armado”. ”É sabido que a polícia é corrupta, mas ninguém faz nada“, acusa Nhampossa. ”O presidente da República, Armando Guebuza, não exonerou o comandante, Jorge Khalau, antes pelo contrário, reconduziu-o, e em conferências de imprensa diz que as autoridades têm um comportamento exemplar“. Conta outro episódio de atuação “excessiva e brutal da polícia”: “Em 2007, houve um advogado, o Dr. Aquinaldo Mandlate, que foi espancado numa esquadra

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DOSSIÊ e ficou com a cara desfeita... Um dos agentes teve uma condenação muito leve", denuncia. “A polícia sai sempre impune”. Para João Nhampossa, uma das situações mais graves que está a acontecer em Moçambique é ao nível dos ”reassentamentos das populações, desde que se iniciou a exploração dos recursos naturais, como o carvão“ – por exemplo, no Cateme. ”Cerca de 1.400 famílias foram realojadas em terras que não são boas para a agricultura, quando sempre viveram desta atividade, em casas com muitas deficiências e pouco acesso a água potável. E sempre que se tentaram manifestar foram reprimidas e torturadas“. Há também um ”problema sério em termos de tráfico de órgãos humanos“, considera. As prisões moçambicanas são outro foco de abuso de direitos humanos no país. No relatório para a Amnistia Internacional em que participou (Aprisionando os meus direitos: Prisão e detenção arbitrária e tratamento dos reclusos em Moçambique), João testemunhou uma série de atropelos em vários cárceres: ”Na cadeia civil

de Maputo, encontrámos 29 casos de prisão preventiva para além do prazo legal e um menor de 15 anos preso. Na cadeia B.O (Brigada Operativa), havia um jovem detido há 12 anos a aguardar julgamento. Foi posto em liberdade em 2012, depois da denúncia conjunta da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos e da Amnistia Internacional, mas o jovem nunca mais foi visto”, denuncia. ”Há também um problema grave de sobrelotação. Mais de 16.000 reclusos estão amontoados em estabelecimentos prisionais com capacidade para pouco mais de 6.000 pessoas”. Mas mesmo com todos estes atropelos, João Nhampossa consegue sentir-se otimista quanto ao futuro do seu país. ”Tenho visto progressos acontecerem em Moçambique desde 2008. Temos uma boa constituição, uma Comissão Nacional dos Direitos Humanos desde 2012, um Provedor de Justiça. A Ordem dos Advogados também abriu um Departamento para os Direitos Humanos...” Como desejo para o futuro, o advogado gostaria que ”daqui a 5 anos a população moçambicana pudesse não ter medo da polícia, mas visse nela um agente de proteção. Para que pudéssemos concentrar-nos em combater a pobreza”. Apaixonado pela defesa dos cidadãos, pela nobreza e o prestígio da atividade, vê-se a trabalhar na área dos Direitos Humanos ”por muitos anos“. Moçambique agradece.

ATIVISTA DESDE O BERÇO Maria Sereda, Rússia

aria Sereda – “Masha” para os amigos – cresceu no meio do ativismo. Os pais, russos, envolveram-se em causas ecológicas no fim dos anos 80 e foram-se voltando lentamente para os direitos humanos. Criaram uma associação não governamental, a Memorial, e depois um jornal, que foi mais tarde declarado ilegal. Aos 11 anos, o primeiro “trabalho” de Masha era selar os jornais para mandar aos assinantes. Hoje, com 29, esta russa trabalha na Amnistia Internacional do seu país e assegura: ”Na altura (anos 90), havia mais liberdade do que agora“. Isto porque, diz, ”a transição caótica que se deu para a democracia“ foi acompanhada por ”muito caos, crime e pobreza“. Mas a era do presidente Putin veio agravar o clima pouco democrático no antigo império soviético, e o caso das Pussy Riot, as jovens artistas presas e que incorrem em penas graves, é apenas uma das facetas mais visíveis internacionalmente. Outra é ”os media, que estão completamente controlados“, aponta Maria. ”Houve 10

canais televisivos que desapareceram; e enquanto nos anos 90 as ONG [organizações não governamentais] eram absolutamente livres e os ativistas deixados em paz, hoje estas estão a ser fechadas e os ativistas postos na prisão”.

Ir parar a um calabouço é hoje na Rússia algo relativamente fácil. Basta, por exemplo, manifestar-se contra o governo. ”Fui presa, em janeiro de 2012, após a reeleição de Putin“, conta. ”Eu e mais 6 pessoas. Acusaram-me de ‘injúria à polícia’, por ter um cartaz que dizia: “’Brainslugs’ ["parasitas espaciais", personagens de uma série de animação], eu não votei em vocês!” O cartaz desapareceu misteriosamente, antes de eu ir a julgamento, no dia seguinte. Fui multada em 500 rublos


© Maria Sereda

DOSSIÊ [cerca de 11 euros], uma multa relativamente pequena. E passei uma noite na prisão. Mas outros passaram lá uma semana...” ”Desde novembro de 2011 [data da reeleição de Putin], as pessoas das grandes cidades andam muito preocupadas“, considera. ”A 6 de maio de 2012 houve uma manifestação massiva em Moscovo, que terminou muito mal. Muita gente foi presa e 10, 15 pessoas foram a julgamento. Houve força excessiva por parte da polícia“, defende. ”Nas manifestações, há sempre um homem a filmar todas as caras (FSB, ex-KGB), e há homens vestidos de negro que se aproximam das pessoas e lhes pedem os passaportes. A polícia é muito impopular. Ninguém confia nela“, continua. ”Muitos ativistas tiveram de fugir da Rússia. A associação dos meus pais está a ser alvo de tentativas de encerramento, o que pode forçá-los a emigrar, e muitas ONG correm sérios riscos de fechar, por pretextos ridículos“. [Atue! Envie o postal que encontra no interior desta revista dirigido à Rússia.]

A defensora de direitos humanos que cresceu no meio do ativismo.

”Todos os telefones da Amnistia Internacional e dos ativistas estão sob escuta, e na televisão estatal emitem notícias negativas sobre nós. A Procuradoria já fez várias rusgas ao escritório da Amnistia, para tentar apanhar-nos em falso, pedindo todo o tipo de documentos desnecessários”. Maria não esconde o desânimo que se apodera dela de tempos a tempos. ”Quando me sinto mais otimista, acredito que tudo pode acontecer. Quando estou pessimista, acho que nada vai mudar. É muito imprevisível“, resume. ”Podemos transformar-nos noutra China. Ou pode haver outra revolução“. O futuro o dirá.

Psst!

ENVOLVA-SE!

Não tenho tempo? Se quer fazer mais, mas está sempre a correr da casa para o trabalho e do trabalho para casa, tem uma solução que não lhe ocupa mais de 5 minutos: assinar as petições que encontra em amnistia-internacional.pt ou que recebe no seu email (se for apoiante da Amnistia ou tiver dado o nome em amnistia-internacional.pt/daoteunome). Se tiver mais alguns minutos, faça parte da Rede de Ações Urgentes e escreva apelos em nome de pessoas em risco todas as semanas, quinzenal ou mensalmente. Envolva-se em http://bit.ly/ativista

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DOSSIÊ

Pelos direitos das minorias © Amnistia Internacional

Gábor Halmai, Hungria

O ativista em Lisboa, junto a um cartaz da Marcha LGBT, que não poderia fazer no seu país.

ábor Halmai tem 31 anos, é húngaro, e vive há 3 meses em Portugal. ‘Gay’ assumido, trocou o seu país natal por uma paixão lusitana, mas também porque na Hungria o ambiente se tornou cada vez mais homofóbico e hostil às minorias. A ele, nunca lhe aconteceu ser espancado ou preso, mas conhece ”muitas pessoas que, em 2007 e 2008, foram espancadas por membros da extrema-direita, por serem homossexuais, e algumas até despedidas por essa razão – embora tivessem colocado processos em tribunal“. Oriundo de uma família de classe média baixa, filho de pais médicos - uma profissão mal remunerada na Hungria –, Gábor cresceu num meio conservador. Os seus parentes eram todos de Direita, mas ele sempre se sentiu de Esquerda, diz, com sotaque de português do Brasil, que ganhou no trabalho de campo para a sua tese em Porto Alegre. ”Fui sempre a ovelha negra da família. E sempre lutei pelas minorias”, resume. Apaixonado por Antropologia, licenciou-se em Ciências Sociais, fez o mestrado em Sociologia e Antropologia e o primeiro ano do doutoramento, comparando ”a reação dos nacionalistas húngaros e dos Sem-Terra, no Brasil, enquanto reações opostas – uma de Esquerda, e outra de Direita – mas com a mesma lógica“. Parou a meio porque percebeu que a sua experiência de vida estava a tornar-se exclusivamente académica. 12

”Não sou o ativista tradicional“, explica, ele que participou em inúmeras manifestações na Hungria. ”Sempre gostei de ver os direitos humanos no terreno“, diz, explicando que prefere estudar os movimentos na rua do que nos livros. Em 2008 assumiu-se como ‘gay’ perante a família e os amigos. Um ano depois, aderiu ao partido “Os Verdes”, trabalhou com a comunidade cigana do Leste Europeu e numa ONG internacional para doentes mentais. Nunca se escondeu diante da luta pela comunidade LGBTI (lésbica, gay, bissexual, transgénero e intersexual), embora esta tenha ”muito pouca visibilidade na Hungria“. ”É uma sociedade muito homofóbica, onde a extrema-direita é muito forte, como na Holanda e na Áustria. Em 2007, começou a haver demonstrações de violência“, conta. ”Numa manifestação de extrema-direita a que estava a assistir por motivos de trabalho, com centenas de pessoas, começaram a insultar-me, gritando ’Paneleiro sujo!’ A polícia teve de me tirar de lá porque a coisa estava a ficar feia, mas eu é que acabei a ser identificado na esquadra da polícia...”, desabafa.

Psst!

ENVOLVA-SE!

Até tenho uma manhã/tarde livre? Se quer fazer mais e até pode dispor de parte do seu dia, mesmo que apenas uma vez por semana ou ocasionalmente, porque não se torna voluntário na nossa sede ou participa em ações de rua? Envolva-se em http://bit.ly/ativista


DOSSIÊ

Psst!

ENVOLVA-SE! Mas há outros sinais de mudança, para além do avanço da Direita, que são preocupantes, explica Gábor. ”Em 2011, passaram a criminalizar coisas impensáveis, como a pobreza. Um sem-abrigo primeiro é multado, com uma multa altíssima, de 600 euros, e como depois não tem dinheiro para a pagar, vai preso. Estas mudanças na Constituição foram tomadas em nome de uma suposta ’limpeza das cidades‘. Mas as alterações não se ficaram por aí: este ano, sob forte contestação popular e preocupação da União Europeia, novas mudanças foram aprovadas pelo governo de Viktor Orbán: os poderes do Tribunal Constitucional foram limitados, o comunismo proibido, a homossexualidade condenada oficialmente. Este retrocesso das liberdades individuais nada tem de democrático e a União Europeia já manifestou a sua discordância. Gábor acredita que a evolução ou não desta discriminação assumida de todas as minorias (sejam elas

DEFENSORA DAS MULHERES Sara García, El Salvador

Só se for perto de casa? Se quer fazer mais e gosta de conhecer pessoas (igualmente) inspiradoras, porque não tornar-se um ativista na sua localidade e ajudar a divulgar as petições e campanhas da Amnistia Internacional perto de casa? Junte-se aos grupos locais já existentes ou crie um de raíz. Torne-se um verdadeiro “promotor dos direitos humanos”. Envolva-se em http://bit.ly/GruposLocais

"ciganos, judeus ou homossexuais"), vai depender muito da atitude da Europa face à Hungria. É seu desejo que ”não se confunda o governo húngaro com a população. Isto deve ser visto como uma fase“, defende ”não como um estado permanente“. No entretanto, Gábor imagina-se bem a trabalhar na área dos direitos humanos em Portugal. Talvez aqui consiga fazer a diferença.

© Sara García

A ativista com o cartaz do “Fórum sobre direitos sexuais e reprodutivos na região do México e da América Central”, quando foi feito um balanço da situação da mulher na região.

m El Salvador, ser mulher e sofrer um aborto espontâneo pode levá-la à prisão. Não, não é piada. É mesmo a sério. O caso recente de uma mulher de 22 anos, Beatriz, grávida de um bebé anencéfalo (sem parte do cérebro, o que não lhe permitiria que sobrevivesse), que tinha a sua saúde em risco e a quem lhe era proibida a opção do aborto, chamou a atenção da comunidade internacional. É uma oportunidade de ouro para tentar alterar a lei deste pequeno país da América Central, explica Sara García, 27 anos, estudante de psicologia e ativista desde os 23, que esteve à cabeceira de Beatriz durante as semanas angustiantes que levou a fazer efeito a pressão internacional de milhares de ativistas e a conseguir-se 13


DOSSIÊ autorização do governo para a cesariana que salvou a vida da mãe. Apesar de saber que ”é difícil uma alteração legislativa a pouco mais de um ano das eleições“, Sara e a associação de que faz parte (a Agrupación Ciudadana por la Despenalización del Aborto Terapéutico, Ético e Eugenésico, que trabalhou com a Amnistia Internacional no caso de Beatriz) esperam aprovar uma adenda ao Código Penal que permita a prática de aborto ”em caso de perigo para a saúde da mulher ou do feto“.

A lei que instaurou a ”penalização absoluta do aborto“ em El Salvador foi aprovada em 1998. Foram ”pressões de grupos fundamentalistas e lóbis com forte poder económico e político“ que estiveram na origem disso, aponta. ”Assim como a Igreja Católica e a Episcopal, que têm muita influência“. Constituição e Código Penal foram alterados, e a interrupção – voluntária e involuntária – da gravidez passou a ser penalizada com pesadíssimas penas de prisão. À figura legal de "tentativa de interrupção involuntária da gravidez" corresponde uma pena de 2 a 8 anos, mas a acusação progride rapidamente para ’tentativa de homicídio‘, punida com 30 a 50 anos de prisão“. Pessoal médico e assistentes de saúde são igualmente abrangidos. Não há, naturalmente, números oficiais para a quantidade de mulheres que morrem em abortos clandestinos. Sabe-se apenas que esta é ”a primeira causa de suicídio na adolescência“. De 1998 a esta data, ”pelo menos 126 mulheres foram acusadas de tentativa de homicídio e presas“. A organização de Sara orgulha-se de já ter resgatado 7 mulheres da prisão, mas

tem consciência da imensa tarefa que tem pela frente. Há casos arrepiantes, como o de Teresa Rivera, de 29 anos, que ”sofreu um aborto espontâneo e foi condenada a uma pena de 40 anos“. ”Ela nem sabia que estava grávida“, defende Sara, que presta apoio psicológico a estas mulheres. Teresa não tinha qualquer sintoma de gravidez e sofreu um aborto espontâneo em casa. Quando acordou, a polícia estava ao seu lado. Foi levada para o hospital, onde os médicos deduziram que tinha provocado a interrupção da gravidez, mas não recolheram qualquer tipo de prova (como perceber que o cordão umbilical não tinha sido cortado). Arrastada para a esquadra ainda sem tratamento médico completo, lá passou 4 dias, febril, deitada no chão. Dali foi para o Centro de Reabilitação para Mulheres de Llopango, onde “convive” com 2.000 reclusas, a maioria a cumprir penas por extorsão ou atividades marginais em gangs.

Teresa e Beatriz são dois nomes que saíram do anonimato para o palco mediático internacional, mas muitos outros não chegam a ser conhecidos. Em 2002, Karina Clímaco, uma jovem de 31 anos encontrada inconsciente junto da sua bebé recém-nascida foi considerada culpada pela morte desta e condenada a 30 anos de cadeia. Sete anos de pena mais tarde, o tribunal reconheceu o erro e inocentou-a. Este é um dos mais graves problemas de El Salvador, que afeta a saúde de toda a população feminina, com especial incidência na mais pobre... Mas existem outros. ”Como a impunidade, infeliz herança da guerra“ (que terminou em 1992), ou ”a violência sistemática dos homens sobre as mulheres“, denuncia Sara. ”Isto só se muda através de políticas públicas que castiguem a impunidade“, acredita. Ela lá estará para fazer a diferença.

Psst!

ENVOLVA-SE!

Não gosto de Internet? Se quer fazer mais, mas não é dado às novas tecnologias, já viu os postais que se encontram no meio desta revista? Só tem de os destacar, dirigir-se aos Correios e enviá-los para as moradas referidas... São apelos que estão a ser enviados de todo o mundo, por isso o efeito pode ser o que encontra na rubrica ‘Boas Notícias’!

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BOAS NOTÍCIAS A sua assinatura tem mais força do que imagina Todos os dias milhares de pessoas veem os seus direitos humanos serem violados. Em cada edição da revista a Amnistia Internacional Portugal dá voz a algumas delas – nas páginas centrais –, pedindo a quem lê as suas histórias que não fique indiferente e envie os postais em seu nome. O mesmo está a ser feito em muitos outros países do mundo e este envio massivo de apelos tem o efeito que aqui mostramos.

O escritor do Uzbequistão passou 14 anos na prisão em condições cruéis, desumanas e degradantes. Foi acusado de atentar contra a Constituição, por criar organizações públicas e

Beatriz : Impedida de abortar e em perigo de vida ara quem não acredita SALVA que assinar um apelo pode salvar uma vida, é fundamental conhecer a história de Beatriz – se não se cruzou com ela nas redes sociais nos últimos meses. Aos 22 anos, mãe de uma criança, a jovem de El Salvador saltou do anonimato para as bocas do mundo quando estava grávida do seu segundo filho. Começou a sofrer de lúpus e de problemas de rins e aos cinco meses de gravidez estava no hospital, em risco de vida. Os médicos sabiam que Beatriz podia morrer se prosseguisse com a gravidez. A solução era o aborto, proibido em El Salvador em toda e qualquer © Amnistia Internacional circunstância. Acrescente-se que o feto não iria nunca sobreviver, uma vez que era anencéfalo (ausência de parte do cérebro e do crânio). Os médicos pediram autorização ao governo para interromper a gravidez. Não tiveram resposta. Recorreram ao Supremo Tribunal do país e o mesmo silêncio. A Amnistia juntou-se à campanha em abril, pedindo aos seus ativistas que enviassem apelos por Beatriz. A 3 de junho o governo de El Salvador permitiu que fosse feita a cesariana que salvou a vida da jovem mãe. Obrigado a todos os que não ficaram indiferentes! (Podem ler mais histórias de mulheres de El Salvador no ‘Dossiê’ desta revista)

religiosas proibidas. Foi libertado a 19 de abril, por razões médicas. Os ativistas acreditam que foi a pressão internacional a causa da libertação.

Em janeiro, o ativista – diretor da organização não governamental Al-Haq, que defende os direitos humanos dos palestinianos – pôde viajar para a Europa, onde falou com a Amnistia e agradeceu os apelos enviados em seu nome. O motivo por que tinha sido proibido de viajar, desde 2006, continua desconhecido, tendo na sua base “provas secretas”.

Editora adjunta do jornal independente Umurabyo, no Ruanda, foi presa em 2010 por ter publicado artigos de opinião onde criticava políticas governamentais e afirmava ter havido corrupção na corrida às eleições presidenciais desse ano. Foi libertada a 25 de junho, depois de muitos apelos enviados em seu nome, que fez questão de agradecer. continua na página 18 

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APELOS MUNDIAIS

EUA: CONDENADO A PRISÃO PERPÉTUA COM JULGAMENTO DUVIDOSO Leonard Peltier, hoje com 69 anos, liderava o Movimento Indígena Americano. A 26 de junho de 1975 estava presente quando dois agentes do FBI (sigla de Escritório Federal de Informações) foram mortos numa reserva em Dakota do Sul, durante um confronto que envolveu membros do movimento. Condenado a duas penas de prisão perpétua, já passou 36 anos na prisão por um crime que pode não ter cometido. Leonard garante não ter praticado os assassinatos. Para a Amnistia Internacional os processos que levaram à sua condenação são pouco claros. Myrtle Poor Bear, © Cortesia de Jeffry Scott uma indígena que vivia na reserva de Pine Ridge, onde ocorreu o incidente, afirmou na altura ter visto Leonard cometer o crime, mas em 2000 declarou publicamente que tinha sido forçada a “confessar” após meses de ameaças e assédio por parte de agentes do FBI. Outros documentos que podiam ajudar o caso de Leonard foram tornados públicos em 1980, mas, apesar das novas provas, o Tribunal recusou novo julgamento. O mais recente pedido de liberdade condicional para Leonard Peltier foi negado em 2009 e só poderá ser novamente feito em 2024. Vamos mostrar a nossa preocupação relativamente à transparência dos processos que levaram à condenação de Leonard Peltier. Assine o postal destacado nesta revista e envie-o ao Presidente dos Estados Unidos.

LAOS: PRESOS POR DEFENDEREM A DEMOCRACIA NO SEU PAÍS Seng-Aloun Phengphanh e Thongpaseuth Keuakoun, hoje com 41 e 52 anos, respetivamente, passaram os últimos 14 anos na prisão, em Laos. Os antigos estudantes e ativistas foram presos em 1999, com outros membros de um movimento estudantil para a democracia, por tentarem afixar cartazes que apelavam a uma mudança política, social e económica no país. Inicialmente, Seng-Aloun e Thongpaseuth, o fundador do movimento estudantil pró democracia no Laos, foram condenados a 10 anos de prisão por “traição”. Em 2010, quando deviam ser libertados, as autoridades afirmaram que a sentença seria, afinal, de 20 anos.

© Privado

© Privado

Em Samkhe, o maior centro de detenção do país, as condições são severas, os maus-tratos aos prisioneiros são comuns e há acesso limitado a alimentação e a tratamento médico. Khamphouvieng Sisaath, outro jovem preso em 1999, morreu em setembro de 2001 devido a exaustão, pelo calor a que foi exposto durante várias horas. Vamos apelar ao Comité Nacional para os Direitos Humanos do Laos, recentemente criado para promover os esforços do governo na proteção dos direitos humanos, para que tenha atenção ao caso de Seng-Aloun Phengphanh e de Thongpaseuth Keuakoun e exija às autoridades a libertação imediata dos dois ativistas. Assine o postal destacado nesta revista e envie-o ao presidente do Comité.

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APELOS MUNDIAIS

SÍRIA: CIDADÃO-REPÓRTER DESAPARECIDO HÁ UM ANO Ali Mahmoud Othman era comerciante em Homs, cidade síria. Em março de 2011 o conflito que emergiu no país levou-o a tornar-se um cidadão-repórter, transmitindo ao exterior a realidade quando as autoridades restringiam o trabalho de jornalistas nacionais e estrangeiros.

© Baba Amro News

Em março de 2012, Ali Mahmoud terá sido atraído para uma reunião com as forças governamentais e aí terá sido detido. O ativista era conhecido por ajudar jornalistas estrangeiros a entrarem e saírem de Homs e fazia parte do grupo que geria as instalações improvisadas para a comunicação social na cidade.

Semanas depois da alegada detenção, a televisão estatal emitiu uma entrevista com Ali Mahmoud, na qual era questionado sobre as suas atividades jornalísticas. Ativistas próximos do detido acreditam que as respostas terão sido ditadas. Desde então, o cidadão-repórter nunca mais foi visto e a família desconhece o seu paradeiro. A Amnistia Internacional acredita que foi vítima de desaparecimento forçado. Vamos apelar para que a localização de Ali Mahmoud seja revelada, que este seja protegido contra tortura e outros maus-tratos, tenha acesso a advogado e a cuidados médicos. As autoridades sírias devem clarificar a sua situação legal, libertando-o ou acusando-o formalmente de uma ofensa legítima. Assine o postal destacado nesta revista e envie-o ao Representante da Síria nas Nações Unidas.

TURQUIA: ATIVISTA EM RISCO POR EXERCER LIBERDADE DE EXPRESSÃO Sultani Acıbuca tem 64 anos, é mãe e avó. Luta pelo fim do conflito entre o exército turco e o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (conhecido pela sigla PKK), um grupo banido que reivindica há 30 anos a autodeterminação do povo curdo na Turquia. Membro da associação Peace Mothers, um grupo de mulheres cujos filhos morreram ou foram capturados por ambos os lados do conflito, Sultani pode ser condenada a 6 anos e três meses de prisão. © Privado

A condenação tem por base seis manifestações pacíficas em que participou entre 2006 e 2008 e um discurso que proferiu numa delas, apelando à união entre mães curdas e turcas e ao fim do conflito entre o exército e o PKK. O tribunal considerou que Sultani pertencia a uma associação terrorista por fazer parte da Peace Mothers. Apesar das manifestações terem sido noticiadas na Roj TV, um canal com sede no estrangeiro que alegadamente está ligado ao PKK, a relação entre a associação e o partido nunca foi provada pela acusação. Sultani não se encontra detida, mas o seu caso aguarda julgamento no Supremo Tribunal de Recursos. Vamos apelar para que a sua condenação seja revogada e para que se reveja o Código Penal e as leis antiterrorismo na Turquia, de forma a evitar violações do direito à liberdade de expressão. Assine o postal destacado nesta revista e envie-o ao Ministro da Justiça turco.

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BOAS NOTÍCIAS continuação da página 15

Calixto Arias : Preso sem qualquer acusação oi finalmente libertado, a 9 de abril, o jornalista Calixto Ramón Martínez Arias. O cubano esteve sete meses preso sem qualquer acusação. A Amnistia Internacional considerou-o um prisioneiro de consciência, detido pelo trabalho © Hablemos Press jornalístico que fazia para a agência noticiosa (não oficial) Hablemos Press. Calixto estava a investigar acusações de que os medicamentos que tinham sido enviados pela Organização Mundial de Saúde, para combater o surto de cólera que assolou o país desde 2012, estavam a ser mantidos no aeroporto e não distribuídos. Em liberdade, agradeceu e disse acreditar que foi a pressão internacional que o libertou.

Jigme Gyatso : Preso por querer o Tibete independente epois de 17 anos de prisão, o ex-monge tibetano Jigme Gyatso foi libertado, a 30 de março. Em detenção, foi consecutivamente torturado. Tudo isto porque sempre apoiou a independência do Tibete, tendo criado o grupo Associação do Movimento pela Liberdade do Tibete, distribuído panfletos e posters pró© Privado independência e liderado uma manifestação. Acusado de “organizar e liderar um grupo contrarrevolucionário”, Jigme foi condenado a 15 anos de prisão. Pena que em 2004 foi aumentada em mais três anos, porque o prisioneiro gritou slogans pró-Dalai Lama. A libertação surge um ano antes do previsto.

Juiz de profissão, na Venezuela, esteve mais de um ano presa e dois anos em detenção domiciliária por, em final de 2009, ter dado liberdade condicional ao banqueiro Eligio Cedeño (acusado de fraude financeira e há mais de dois anos preso sem julgamento). Foi acusada de corrupção, abuso de poder, ajuda à fuga e associação criminosa. Em junho recebeu liberdade condicional.

Os dois ativistas, do Qatar, estavam detidos sem qualquer acusação desde 22 de março, mas as autoridades policiais afirmavam não ter feito as detenções. Foram libertados a 18 de abril, depois de terem sido alvo de uma Ação Urgente da Amnistia Internacional.

O clérigo islâmico foi libertado a 10 de maio, após mais de cinco meses desaparecido, na Gâmbia. Foi detido

Olga Salanueva: Impedida de visitar o marido esde 1998 que a cubana Olga Salanueva não via o marido, René González, preso nos Estados Unidos da América acusado de ser um “agente não registado de um governo estrangeiro”. No início de maio, René pediu autorização às autoridades norte-americanas para regressar a Cuba para ir ao funeral © Privado do seu pai. Já no país pediu para cumprir a restante sentença, de três anos, em Cuba, com liberdade supervisionada. O pedido foi concedido e a família pôde reunir-se (na imagem René com a mulher, as duas filhas e o genro). O caso de René e de Olga constou na revista da Amnistia Internacional Portugal número 3, de 2009. Obrigado a todos os que enviaram o postal! 18

por ter criticado publicamente a execução de nove pessoas que estavam no corredor da morte, em agosto de 2012. O país não aplicava a pena capital há quase 30 anos (ver ‘Em Ação’ desta revista).

A libertação de pai e filho, da Jordânia, deu-se a 8 de janeiro, sob fiança, depois de quase dois meses presos. Foram detidos na sua quinta, tal como centenas de outras pessoas, no seguimento dos protestos contra os planos do governo para cortar nos subsídios ao combustível


Este verão, leve-nos consigo para todo O lado! Mochila pequena

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Júlio Pomar Esta serigrafia foi produzida há 20 anos (1993), para angariação de fundos, no âmbito de uma campanha por Timor. Júlio Pomar, um grande pintor, também solidário com os valores da Liberdade e dos Direitos Humanos, ofereceu generosamente este belo desenho para reprodução, de que foram feitas 200 serigrafias por António Inverno, também graciosamente. Esta é uma peça histórica, de que já restam muito poucos exemplares. Medidas: 75 x 55 cm PVP: 375 Euros

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EM AÇÃO

ATUANDO pelos

direitos humanos


Š Amnistia Internacional


EM AÇÃO

O mundo está cada vez mais perigoso para refugiados e migrantes

Por Irene Rodrigues

Américas Os povos indígenas conseguiram ganhar processos em tribunal relativos ao direito à terra. A violência contra mulheres e raparigas continuou a ser uma séria preocupação. Mantiveram-se os ataques a jornalistas e a defensores dos direitos humanos. Tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes são comuns, em especial, por parte da polícia, ao deter suspeitos, mas também nas prisões e em centros de detenção.

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África Os conflitos armados aumentaram em todo o continente. A Amnistia registou abusos de direitos humanos por grupos islâmicos armados, violência sobre pessoas deslocadas internamente, o uso de crianças-soldado, discriminação com base na orientação sexual ou na identidade e brutalidade policial. Também se verificaram ataques à liberdade de expressão. A pena de morte continuou a ser aplicada em vários países.


EM AÇÃO

portugal Em Portugal, verificou-se o uso excessivo da força por parte da polícia sobre manifestantes pacíficos durante protestos contra as medidas de austeridade em março e novembro e sobre pessoas de etnia cigana. A violência doméstica continuou a ser motivo de grave preocupação. Os efeitos das políticas de austeridade sobre os direitos humanos, sobretudo de grupos vulneráveis, começaram a estar sob escrutínio.

Europa e Ásia Central Registaram-se ataques à liberdade de expressão, reunião e associação em vários países da antiga União Soviética. Políticas e práticas de controlo restrito à imigração em países da União Europeia sujeitaram migrantes e imigrantes a detenções e reenvio para os países onde corriam risco de vida. Em toda a Europa continuou a discriminação de minorias étnicas, como os Roma (ciganos) e minorias sexuais. O Parlamento Europeu deu um sinal positivo ao adotar um relatório que prevê responsabilização pelas violações de direitos humanos no contexto do programa de rendições norte-americano.

Ásia Pacífico Registou-se repressão à liberdade de expressão – tanto nas ruas, como online. Pessoas foram perseguidas, atacadas, presas e assassinadas por desafiarem as autoridades. Milhões de refugiados, deslocados e migrantes – em resultado de conflitos, catástrofes naturais ou por motivos económicos – sofreram perseguição. Os direitos fundamentais são negados a mulheres e raparigas e a pena de morte continuou a ser aplicada.

Mais em http://bit.ly/RelatorioAnual2013 Em 2012, a Amnistia Internacional registou e investigou abusos de direitos humanos em

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países e territórios em todo o mundo. Verificou-se tortura em Médio Oriente e Norte de África O conflito na Síria, que já matou mais de 70 mil pessoas, marcou os desenvolvimentos de direitos humanos na região durante o ano. Registou-se a prática de ataques à liberdade de expressão e reunião, tortura e outros maus tratos. Também os migrantes, refugiados e requerentes de asilo foram vítimas de perseguição. Os direitos humanos das mulheres continuaram a ser violados. Vários países na região continuaram a aplicar a pena de morte.

112 países.

Repressão da liberdade de expressão em

101 países.

Houve julgamentos injustos em

80 países.

Registaram-se execuções em

21

países.

Houve desaparecimentos forçados em

31 países. 23


EM AÇÃO

Avanços e recuos na aplicação

da pena de morte

Retrocessos chocantes na aplicação da pena capital marcaram o ano de 2012. Foi o caso da Gâmbia, que executou nove pessoas num só dia depois de quase 30 anos sem aplicar a pena de morte. “Eles não faziam a mínima ideia que iam ser executados”, conta Amadou Janneh, a propósito do lançamento de mais um Relatório da Pena de Morte da Amnistia Internacional, no passado mês de abril. Porém, o mundo está cada vez mais livre deste castigo cruel e desumano. Por Cátia Silva

ui preso em junho de 2011 e condenado por traição e perturbação da ordem pública, porque imprimi 100 t-shirts com mensagens ‘Fim à Ditadura Já’ e ‘Liberdade’. Fui condenado a prisão perpétua (…) e levado para a prisão onde estão os condenados à morte”, conta Amadou Janneh, ativista e antigo Ministro das Informações na Gâmbia. “Em meados de agosto de 2012 o Presidente da Gâmbia anunciou que iria executar todos os presos no corredor da morte. Ficámos alarmados. (…) Às 21 horas de 23 de agosto, uma quinta-feira, um grande número de seguranças entraram no pátio da prisão e levaram 8 homens e 1 mulher e, simplesmente, executaram-nos. Ninguém percebeu porque foram escolhidos entre os 48 no corredor da morte. Não foram notificados. Não faziam a mínima ideia que iam ser executados”. As 9 execuções puseram fim a quase 30 anos sem aplicação da pena capital no país. O mesmo aconteceu na Índia, que em 2012 enforcou um condenado depois de 8 anos sem execuções. O Paquistão voltou a aplicar a pena capital depois de 4 anos sem o fazer, o Japão executou 7 pessoas em 2012 depois de 20 meses de interregno e o Bostwana não executava há 1 ano quando foi ordenada a morte de 2 pessoas. Apesar destes retrocessos chocantes, os números gerais não deixam margem para dúvidas: o mundo está cada vez mais livre da pena de morte! 97 países aboliram já esta forma de punição para todos os crimes (a Letónia ajudou a engrossar o número em 2012), 8 fizeram-no para os crimes comuns e 35 aboliram na prática (ainda não na lei). Outra boa notícia veio dos Estados Unidos da América, onde o Connecticut se tornou o 17ª estado abolicionista. Também positivo foi o facto de menos países terem ditado sentenças de morte: de 63 emitidas em 2011 passaram para 58 no ano passado. Sinais de mudança podem estar a vir de outros países, como o Bahrein e o Vietname, que em 2012 não realizaram execuções; a Serra Leoa, que não tem ninguém condenado à morte e Singapura, onde as execuções foram suspensas até nova legislação. Passo a passo, caminhamos para um mundo livre da forma mais cruel, desumana e degradante de punição! 24

Os Estados que mais executaram em 2012 (por ordem):

China (matou mais pessoas do que o resto do mundo todo junto)

Irão (duplicou o número de execuções em relação a 2011)

Iraque Arábia Saudita EUA Números da pena capital 2012

682

foi o número de execuções

confirmadas

21

países realizaram execuções (o mesmo número que em 2011)

5 “crimes”

podem dar condenação à morte em alguns países do mundo: relações sexuais consensuais fora do casamento, tráfico de drogas, crimes de colarinho branco, oposição ao governo e ofender ou abandonar a religião. Mais em http://bit.ly/PenadeMorte2012


EM AÇÃO

CLARIFICANDO OS NOSSOS DIREITOS

“As queixas aumentaram substancialmente por causa da crise”

© Nuno Fevereiro

Por Cátia Silva

Amnistia Internacional (AI): Apresentar uma queixa ao Provedor poderá ser um primeiro recurso para quem vê os seus direitos humanos serem violados? Provedor de Justiça (PJ): É uma instância que muitas vezes previne ações em tribunal, embora os processos em tribunal e os seus prazos sejam autónomos. Podem funcionar em paralelo.

AI: Esclareça-se que a forma de atuar do Provedor é através do diálogo, das negociações, correto? PJ: Sim. Não é um tribunal. Quando entendemos que o queixoso tem direito, pedimos à administração que atue em conformidade. Se esta se convence, age em conformidade, se não, resta ao cidadão queixoso o tribunal. Aconteceu já a administração manter a sua posição e o simples facto de ter havido uma recomendação do gabinete do Provedor de Justiça servir para o queixoso poder utilizar em Tribunal. AI: O facto de Portugal ter ratificado o PFPIDESC poderá ter algum peso nessas negociações? Significa que as pessoas ainda podem recorrer às Nações Unidas, que há mais um recurso... PJ: Vai funcionar como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. São mecanismos muito idênticos, que exigem esgotar as instâncias nacionais. AI: AI: Mas é bom os portugueses terem mais essa alternativa. Até porque segundo o seu Relatório de Atividades, o número de queixas aumentou em 21%. Será que se deve só ao facto das pessoas estarem mais informadas ou há agora mais razões para apresentar queixas?

PJ: As queixas aumentaram substancialmente por causa da crise, porque são justamente na área dos direitos sociais, com todos os cortes de subsídios, o desemprego... E também na área fiscal, com cada vez mais queixas referentes a impostos. AI: Por um lado há direitos humanos, invioláveis, por outro uma situação económica difícil. Diria que a crise pode justificar algumas medidas? PJ: É um problema do equilíbrio entre os direitos e a capacidade financeira do Estado para satisfazer esses direitos. É um jogo de equilíbrio, de tensão, a que estamos a assistir todos os dias. É evidente que quando há a eliminação total de um direito, aí claramente já poderá ser preciso atuar. Agora, por exemplo, o regime de subsídio de desemprego ser mais condicionado ou cortado porque a crise faz com que o volume de dinheiro público para satisfazer os subsídios de desemprego seja restrito… Aí são opções políticas, nas quais o Provedor de Justiça não se mete. Para haver um direito é preciso que alguém o satisfaça. Muitas vezes o conceito de direito é muito amplo e ambíguo.

Como apresentar queixa ao Provedor? As queixas, referentes a entidades públicas, podem ser apresentadas por carta, telefonema, fax ou via eletrónica. Para esclarecimentos, há Linhas de Apoio à Criança, ao Cidadão Idoso e ao Cidadão com Deficiência. Contactos em: www.provedor-jus.pt ou pela Linha Azul 808 200 084.

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EM AÇÃO

Prémio Amnistia Internacional no Festival IndieLisboa 2013: THE ACT OF KILLING

Por José Bernardino, júri do Prémio e membro da Direção da AI Portugal

© The Act of Killing Joshua Oppenheimer

he Act of Killing dá-nos a conhecer, de forma documentalmente inédita, a perspetiva dos carrascos dos massacres cometidos na Indonésia entre 1965 e 1966, no processo de derrube do Presidente Sukarno, quando gângsters e pequenos bandidos, como é o caso do protagonista central, Anwar Congo, se viram subitamente promovidos pelo regime a protetores da paz, sendo incentivados a “caçar” adversários políticos que iam apelidando de comunistas de acordo com os seus interesses. A sua estrutura reafirma o potencial transformador do género do documentário e alarga mesmo a sua linguagem, ao oferecer um espaço de reflexão para os protagonistas dos eventos. Isto na medida em que estes redramatizam, em cenários de filme, as circunstâncias em que tiraram a vida às suas vítimas, ora como carrascos, ora emulando as próprias vítimas, numa bizarra e surreal jornada em que são confrontados com as situações de extremo terror que provocaram nas populações. É o retrato atual de uma Indonésia em que reina uma cultura de impunidade e medo com raízes num passado dramático e ainda demasiado vivo.

Amnistia Internacional (AI): Como foi a sua experiência de filmar na Indonésia? O que é que o levou a este lugar e a estes temas? Joshua Oppenheimer (JO): Vi-me envolvido quando fui pela primeira vez à Indonésia em 2001, para fazer um filme sobre uma comunidade de trabalhadores de plantações que lutavam para organizar um sindicato. E depois da ditadura militar indonésia os sindicatos talvez pudessem legalizar-se. Fui lá para documentar a sua luta coletiva e não sabia nada sobre a Indonésia. [...] Descobri que o 26

maior obstáculo na região das plantações para as pessoas que tentavam organizar um sindicato era o medo. Isto porque tinha havido um grande sindicato de plantações até 1965 e as pessoas com que eu estava a viver e trabalhar para fazer este filme – os seus pais, avós, tias, tios – tinham feito parte desse sindicato e tinham sido acusados de serem de esquerda e colocados em campos de concentração e muitos deles foram mortos. As pessoas tinham medo de que isso pudesse acontecer novamente. Portanto, para contar a história da sua luta para organizar um sindicato, foi necessário mostrar porque é que eles


EM AÇÃO

tinham medo e falar sobre como o passado ainda estava vivo no presente. [...] Eu estava num lugar onde ocorrera um holocausto, onde os perpetradores tinham ganhado e falavam abertamente sobre o que acontecera. Isso inspirava medo nos sobreviventes e nos familiares das vítimas. Parecia uma situação histórica muito importante, inimaginavelmente terrível e que exigia algum tipo de resposta. Senti que era minha obrigação expô-la de alguma forma.

AI: Um tema que atravessa o documentário é o imenso impacto transformador do cinema na vida das pessoas, tanto como entretenimento, como propaganda, e até mesmo na redramatização dos massacres que os protagonistas do documentário fazem, baseando-se em cenas de filmes que viam quando eram jovens. É uma deliberada desconstrução da linguagem do cinema? Eles foram espectadores que passaram a atores? JO: Sim, é. É claro que é deliberada, mas também foi orgânico. [...] Acima de tudo, eu sou um cineasta, o cinema é o meu meio para contar histórias e eu acho que o filme é sobre como nós usamos histórias para criar a nossa realidade. Como justificamos, como seres humanos, as coisas que fazemos. Como usamos histórias para criar o nosso mundo e para escapar das nossas verdades mais malignas. É um papel paradoxal de contar histórias como justificação e como fuga. Acho que o filme é para os espetadores que se conseguem rever, pelo menos por um minuto, em Anwar Congo. Uma história que contamos constantemente a nós próprios, e onde todas as nossas histórias são baseadas, cai por terra para os que se reveem em Anwar Congo. E que história é essa? É a história de que o mundo está dividido entre bons e maus. [...] Devemos reconhecer que isto não é apenas sobre um regime longínquo onde tudo correu mal. Na verdade, tudo o que toca os nossos corpos, os computadores através dos quais estamos a falar, a caneca de onde bebo água, as máquinas que me trazem a água que eu bebo, tudo isto é assombrado pelo sofrimento das pessoas que fazem isso por nós. [...] As fábricas exploradoras estão sempre localizadas em países onde há histórias de massacres, de violência política, em que os perpetradores ganharam e usam a sua vitória para criar organizações para manter as pessoas com medo. Assim, os trabalhadores que fazem tudo o que compramos têm tanto medo que não podem assumir o controlo do seu destino, nem incluir o custo humano da produção no preço que pagamos [pelos bens que consumimos]. A realidade que vemos na Indonésia não é uma realidade separada. É o reverso da nossa própria realidade. Nós dependemos da realidade que vemos lá para a nossa sobrevivência diária. Somos convidados

© The Act of Killing Anwar Congo, ao centro, promovido a herói nacional. Nos anos 60 matou um milhão de pessoas.

na festa canibal de Anwar Congo e dos seus amigos. E sabemos disso.

AI: Como está a decorrer a distribuição do filme na Indonésia? JO: O filme não pode ser distribuído publicamente na Indonésia, porque primeiro era preciso que passasse pelo Conselho de Censura. [...] Então percebemos que uma forma de contornar isto era conseguir que os principais jornalistas, editores, cineastas, historiadores, educadores, escritores, artistas e sobreviventes indonésios vissem o filme. Realizámos exibições ao longo do passado outono nos escritórios da Comissão Nacional de Direitos Humanos, em Jacarta. A 1 de novembro disse-lhes que viessem a uma grande exibição em Jacarta e que convidassem os seus amigos. As pessoas adoraram o filme. Disse-lhes para que usassem as suas redes de contatos e realizassem as suas próprias exibições, começando no Dia Internacional dos Direitos Humanos do ano passado, 10 de dezembro. […] Perdemos a conta por volta das 500 sessões em 95 cidades, mas o filme é exibido várias vezes por dia. Está a provocar muito debate público, mas até agora os responsáveis políticos não reagiram ao filme.

O Prémio Amnistia Internacional no Festival IndieLisboa, no valor de 1.250 euros, tem o patrocínio da Fundação Serra Henriques.

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EM AÇÃO

Nova sede da

AI Portugal,

"um espaço para todos" Por Victor Nogueira, Presidente da Direção

Amnistia Internacional Portugal mudou-se em Abril para uma nova sede, na Rua dos Remolares, n.º 7, bem no centro do Cais-do-Sodré, em Lisboa. Apesar de ainda haver problemas a resolver, como o da acessibilidade para pessoas com deficiências motoras, é um espaço amplo, funcional, agradável e bem localizado, com melhores condições de trabalho, encontro e reunião para funcionários, membros e activistas. Nem sempre foi assim. Como membro de direcções em vários períodos do passado, até 1996, recordo-me de todas as sedes e dos processos de mudança. Quando fui pela primeira vez eleito para uma direcção (em 1982), nem sequer tínhamos uma sede “nossa”, apenas um endereço postal, na Rua Marquês da Fronteira, onde o primeiro Presidente da Assembleia Geral, o advogado Alfredo Gaspar, nos cedia uma sala no seu escritório, para reunirmos uma noite por semana. Aí, a direcção ocupava-se de todo o expediente, até abrir e classificar a correspondência, responder às cartas, preparar os envios para os membros, pôr selos nos envelopes. Em 1983, contratámos a primeira funcionária e alugámos um espaço na rua Martens Ferrão. A nossa primeira sede situava-se num andar partilhado com um escritório de vendas e uma senhora que se ocupava com questões de invejas, desgostos de amor e mau-olhado. Tínhamos acesso a uma sala de reuniões e apenas duas salas, numa das quais as primeiras funcionárias faziam basicamente trabalho administrativo, utilizando máquinas de escrever, telex para a imprensa (só mais tarde o fax) e um fotocopiador em permanente actividade porque quase toda a documentação essencial era directa e permanentemente alimentada por via postal – ainda não havia Internet, nem correio electrónico. A sede tinha buracos no soalho, era feia e insegura, mas era o que podíamos pagar – e aí estivemos quase 10 anos. Tal como outras associações com poucos recursos, tentámos sensibilizar o Município para a cedência de um espaço, mas na época nada se conseguiu. Não desistimos. Em 1992, mudámos para um espaço melhor, 28

um primeiro andar na Rua de Campolide. O processo não foi fácil, porque muitos consideravam arriscado pagarmos uma renda que quase quadruplicava o valor de então, tendo alguns associados assumido, pessoalmente, o pagamento da renda, se fosse necessário. Não foi: a secção investiu fortemente em campanhas que lhe deram maior crescimento, visibilidade pública e também alguma estabilidade financeira. Algum tempo depois, mudámos novamente, para melhor, quando o José António Pinto Ribeiro, com quem colaborara no lançamento do Fórum Justiça e Liberdades, nos desafiou a arrendarmos em comum um espaço interessante e bem situado, na Rua Fialho de Almeida. Pagávamos mais, mas a localização era boa e o espaço mais amplo. Mais tarde (2007), sendo presidente Simões Monteiro, a sede mudou para a Avenida Infante Santo, novamente num acordo de partilha de espaço com o Fórum Justiça e Liberdades. Era um espaço ainda melhor, capaz de acolher o regular aumento do pessoal que novos projectos internacionais de angariação de fundos, como o Face to Face, permitiram sustentar. Com o crescimento da secção e novas exigências, em que já tínhamos 11 funcionários, a secção negociou com o Fórum, ficando com todo o espaço, durante o mandato de Lucília-José Justino (2008). Mesmo assim, as instalações da Infante Santo revelaram-se insuficientes perante crescentes exigências que se foram colocando, tendo a actual Direcção decidido apostar na procura de um espaço mais adequado, em dimensão física e centralidade, que possa dar maior visibilidade à Amnistia Internacional e aos direitos humanos. Fizemos a sua inauguração simbólica acolhendo a Assembleia Geral Ordinária, a que se seguiu o recente Encontro de Estruturas e outras iniciativas estão previstas para o local. O espaço é vosso, para os membros, activistas e apoiantes da Amnistia. Apareçam.

Este artigo foi escrito com a antiga ortografia.


ASSEMBLEIA GERAL 2013 6 DE ABRIL

uitos foram os membros da Amnistia Internacional Portugal que encheram a nova sede para, juntos, traçarmos o futuro do movimento. Foram aprovados: as linhas estratégias para 2013- -2015, o plano operacional e o orçamento para este ano. Dado o contexto nacional e a estratégia internacional do movimento, nos próximos anos vamos focar-nos no impacto da crise económica nos direitos humanos, com especial enfoque para os direitos económicos, sociais e culturais. Um tema incontornável, como foi explicado por Esteban Beltrán, Diretor Executivo da secção espanhola da Amnistia Internacional, que teve a amabilidade de se juntar a nós neste encontro. Não esquecemos, no entanto, a questão da discriminação, designadamente das comunidades ciganas, e o trabalho com os Indivíduos em Risco que nos caracteriza. Planos e relatórios disponíveis em http://bit.ly/DocumentosAssembleia Mais uma reunião inspiradora!

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AGENDA Chegaram os Festivais de Verão! 25, 26 e 27 de julho, Festival Músicas do Mundo (Sines)

13 a 17 de agosto, Festival Paredes de Coura

Outros dias Importantes 17 DE JULHO Dia Mundial da Justiça Internacional

30 DE AGOSTO Dia Internacional dos Desaparecidos

7 DE OUTUBRO Dia Mundial do Habitat

Q

10 DE OUTUBRO Dia Mundial contra a Pena de Morte

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CARTOON

uando milhares de pessoas rumam aos Festivais de Verão, é já tradição a Amnistia Internacional Portugal acompanhá-las. Este ano não é exceção e lá estaremos à sua espera no Festival Músicas do Mundo, em Sines, nos dias 25, 26 e 27 de julho, e depois de 13 a 17 de agosto no Festival de Paredes de Coura (a Amnistia agradece à organização dos dois festivais pela oportunidade de estarmos presentes). Procure por nós… Vai valer a pena tirar uns minutinhos e dedicar-se aos direitos humanos!

Paint Your Way Out, por Luís Cardoso

Cartoon realizado para a Exposição Internacional de Cartoons, promovida em 2011 pela Amnistia Internacional Portugal e pela FecoPortugal -Associação de Cartoonistas, sob o tema “Direitos Humanos”. Mais sobre o artista em: www.luis-cardoso.com e www.facebook.com/luiscardoso300

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