Diagnóstico Sócio Comunitário

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FICHA TÉCNICA

Textos e conteúdos dos diagnósticos nos territórios Complexo do Alemão: Raízes em Movimento Daniele Marques de Mesquita e Maycom Brum Manguinhos: Laboratório de Direitos Humanos da RedeCCAP Fernando Luis Monteiro Soares, Rachel Barros de Oliveira, Daniele Oliveira, Leonardo Sobral de Jesus, Nathália Marcelino Custódio, Larissa Lina Pinheiro e André Luiz Teodoro Vila Aliança: Centro Cultural A História Que Eu Conto Jeferson Alves da Silva, Grasiela Araújo de Oliveira, Débora Helena Guerra Targino e Thiago dos Santos Borges Coordenação do Projeto Acesso à Justiça por Grupos Juvenis de Favelas do Rio de Janeiro: Equipe do Núcleo de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais da FASE: - Melisanda Trentin Capa e Projeto Gráfico: - Victor Ribeiro Impressão: - Arquimedes Edições FASE – Rua das Palmeiras, 90, Botafogo, Rio de Janeiro, Brasil www.fase.org.br


SUMÁRIO

6 Diagnóstico Sócio-Comunitário: Complexo do Alemão,

Manguinhos e Vila Aliança - Elementos metodológcos

12 Diagnóstico Sócio-Comunitário do Complexo do Alemão 20 Diagnóstico Sócio-Comunitário de Vila Aliança 30 Diagnóstico Sócio-Comunitário de Manguinhos

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Agradecimentos

O Diagnóstico Sócio-comunitário é um trabalho feito a muitas mãos. Queremos aqui agradecer o apoio da União Européia, que possibilitou seu desenvolvimento e publicação. Queremos também agradecer a cada um e cada uma que, de várias formas, se envolveram e contribuíram com sua realização: Alan B. Pinheiro, Edson Gomes, David da Silva das Graças, Mário Band”s, Sadraque Santos de Souza, George Cleber dos Santos (Binho), Samuca, Alexandre Pessoa, Leonardo de Jesus, Gleide Guimarães Alentejo, Elizabeth Campos, Michelle S. de Oliveira, Leonardo Brasil Bueno, Rachel Barros de Oliveira, Maycom Brum, Fernando Luis Monteiro Soares, Jeferson Alves da Silva, Nathália Marcelino Custódio, Daniele de Oliveira, André Luiz Deodoro da Conceição, Débora Helena Guerra Targino, Grasiela Araújo de Oliveira, Daniele Marques de Mesquita, Robson de Oliveira, Flávia Santana da Silva, Fagner Quaresma Santos, Alexandre Brum Santos, Leandro Silva dos Santos, Jonata Pereira Carvalho, Andressa Gonçalves de Souza, Thiago dos Santos Borges, Teodósia Whitney Mateus Manuel, Bianca Elisa Barreto da Silva, Sara Barbosa, Carmem dos Santos Camerino, Lílian Pereira Meireles dos Santos Lopes, Alexandre do S. Pereira, Aline de Barros Santiago, Perla C. Soares, Luan O. da Silva, Washington S. dos Santos, Gabriel N. Carvalho, Jair Brito Ribeiro, Alana de Oliveira da Silva, Mariana A. de Oliveira, Willian A. Vieira, Paula Raíza Correa R. de Oliveira, Lúcia Helena da Silva, Fabrício Ribeiro de Oliveira, Ana Carolina Andrade, Marianna de Jesus Martins, Daiana da Silva Salomão, Flávia de F. Ramos, Mário Augusto Marquês Galvão, Camila Barbosa de Lima, Willy Cavalcanti, Consuelo Nascimento, Rilvan Fernandes Trugino, August Leopoldo Meneses, Sara Pinheiro de Campos, Hellen Pinheiro de Campos, Renato Oliveira Lima, Larissa Fina Pinheiro Pacheco, Jane Maria da Silva Camilo, João Batista Araújo- Babá, Simon

Morfit, Aline C. Abreu, Luciane Nascimento, Adriana F. Pereira, Carla Lima, Rogério Lima, Marcelo Radar, Paulo Roberto de Abreu, Ana Lucia Pontes, Camila F. Borges, Cláudia Trindade, Adão Ferreira, Carolina S. Motta, Renata Pella, Caroline Martins, Monique Alves Padilha, Swhellen de Paula Vieira, Antônio Carlos de Lima, Juliana Gago Lima, Breno P. Câmara, Orlando Ferreira Leal, Luiza da Silva, Carine Batista, Geisa Cristina, Carol Andrade, Carlos Roberto, Thaísa Goiaba, Weslles da S. Moreira, Mariana J. Martins, Yan Brito, Ricardo Castanho Lessa, Jailton Marques Farias, José Guilherme dos Santos, Marisa do Nascimento, Luiz Carlos Matos, Cláudia de Araújo, Fabio da Silva, Paulo César Avelino, Ricardo Moura, Roberto F. Júnior, Michelle F. de Melo, Amanda Avanci, Larissa Viana, Ariane Araújo, Viviane S. de Araújo, Carla Fagundes, Leiliane Reis, Yonne Santos, Juliana Coutinho, Livian Monteiro, Wesley Silva, Danielle das Graças, Andressa, Daniel Soares, Cleber da Silva, Renato Oliveira Lima, Severina Avelino de Araújo, Manoel Fernando Rocha, Monica Barbosa, Maria de Fátima Lourenço, Ana Lúcia da Silva, Espedita, Djanira Paula Souza, Sílvia Gabriela da Silva, Maria José de Andrade, Marlene Carneiro de Oliveira, Carla Moura Lima, Elenice Barbosa, Nivalda Maria, Thiago Batista Guimarães, Thamires da Silva Ribeiro, Willian A. Vieira, Mariana Alves de Oliveira, Gabriela Ribeiro Neto, Wendel da Silva, Wilkison Rodrigues, Adão de Souza, Igor da Silva Ribeiro, Fernanda Larissa da Silva, Ilanna Rangel, Cristiano Moura, Joel Pereira, Vanessa Coelho Moreira, Dinayara Honorato, Paula Raíza Correa, Wesley Vinícios da Costa, Rafael Oliveira da Silva, Elizabete Cesário, Daniele Vieira, Monique Maciel Costa, Edson Cardoso Silva, Kamila Gomes, Adrielly T. Santos, Ana Maria Cardoso Vianna, Daniel de Carvalho Soares, Solange Alves da Silva, Gustavo Anacleto Paixão, Douglas P. Rêgo, Pedro Ananias Ramos, Otávio de Oliveira, Marcos Vinícios de Araújo, Edmar de Farias Alves, Maria Auxiliadora Lino Freire, Felipe de Oliveira Dutel, Gelzio Ribeiro Neto, Rodrigo da Silva Vidal, Adriana Brum Pinheiro, Mario Jorge da Silva, Kelli Rosali da Silva, Cleber Daltro da Silva, Maríllia Custodio de Oliveira, Rodrigo Pereira dos Santos, João Pedro Lopes, Sarah Guimarães Alentejo, Elaine Rosa Ribeiro, Carla Cristina de Souza, Andréia Rosa Ribeiro, Noelle Coelho Resende, Maria Elena Rodriguez, Rulian Emmerick, Leonardo Paulistano, Ana Carolina Ferraz Correa, Neftali G. Copello, Ana Paula de Oliveira Sciammarella e Diego Striano.

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Complexo do Alemão, Manguinhos e Vila Aliança

O projeto Acesso à Justiça e Cultura de Direitos, financiado pela União Européia, resulta do esforço para fomentar uma cultura de direitos e fortalecer ações propostas pela juventude nas favelas do Rio de Janeiro. As principais metas do projeto são: reconhecer a situação de acesso à justiça nesses territórios favelizados e promover formas efetivas de defesa dos direitos humanos, através do fortalecimento da ação de organizações juvenis. Fortalecer a atuação de grupos juvenis nos territórios possibilitou a identificação de seus problemas mais emergenciais de maneira qualificada e, dessa forma, construir ações de exigibilidade de direitos efetivas. A promoção de uma cultura de direitos fortalece estas ações, na medida em que contribui para a organização da luta dos movimentos populares e instituições da sociedade civil no combate as desigualdades, a pobreza e a discriminação. O projeto trabalhou com três organizações locais: Raízes em Movimento, do Complexo do Alemão; Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos / RedeCCAP, de Manguinhos e Centro Cultural A História Que Eu Conto: CCHC, de Vila Aliança. Dentre suas atividades, a construção de metodologias que promovem a defesa de direitos e a incidência em políticas públicas nos três territórios é central. Os eixos de desenvolvimento do projeto são: 01. Formação de jovens promotores populares de direitos; 02. Estruturação e fortalecimento de organizações juvenis de favelas; 03. Construção de Diagnóstico Sócio-comunitário; 04. Desenvolvimento de Plano de Ação de Exigibilidade de Direitos; e 05. Promoção de cultura de direitos humanos (sensibilização, multiplicação e mobilização). Estes eixos foram desenvolvidos em conjunto, de forma integrada e não-linear, objetivando a construção de uma meta específica: a exigibilidade de direitos nestas localidades.

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Reconhecer a situação em que se vive é fundamental para começar a reivindicar seus direitos. A esse processo de (re) conhecimento a partir do território, damos o nome de diagnóstico sócio-comunitário e entendemos que a construção de um diagnóstico como esse deve ser pensada como um instrumento de ação política. Pode-se comparar o diagnóstico a uma fotografia que retrata as características, recursos, necessidades e potencialidades locais. Por meio desse diagnóstico podemos visualizar como cada direito está sendo ou não garantido e estabelecer prioridades de incidência. O diagnóstico sócio-comunitário, como ação política, é um instrumento de transformação social local, que possibilita o compartilhamento de visões sobre a realidade cotidiana e a produção de consensos a partir da reflexão coletiva. Assim, o diagnóstico sócio-comunitário é um importante instrumento de autoaprendizado e de transformação da realidade, a partir de uma posição construtiva e propositiva. Essa ferramenta possibilita a análise dos problemas locais, tendo como questões norteadoras causas estruturais e suas relações com a macropolítica. O diagnóstico sócio-comunitário, elaborado de maneira participativa, nos possibilita construir relações sociais e recriar ou potencializar redes. Para se elaborar esse diagnóstico sócio-comunitário, foi fundamental planejar a sua construção. Como se trata de uma produção coletiva, tivemos especial atenção ao momento de pactuação sobre o que interessa saber sobre o território, qual o foco e o objetivo da pesquisa. Foi o momento de decidir quais os dados e informações seriam relevantes, as formas de coleta, análise e sistematização, os prazos e os responsáveis pela pesquisa. Elaborar um diagnóstico, no entanto, é uma tarefa complexa e que se estende no tempo, portanto, houve determinadas situações em que esse planejamento teve que ser revisto. No caso do projeto Acesso à Justiça e Cultura de Direitos, o foco do diagnóstico foi identificar a presença de políticas públicas no local, ou seja, verificar em que medida e de que forma os direitos estavam (ou não) sendo garantidos pelo Estado em cada uma das favelas em que o projeto se desenvolveu. Definidos os critérios da pesquisa, o passo seguinte foi o levantamento de informações e estatísticas. Essa pesquisa foi feita nas bases públicas de dados, como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e Instituto Pereira Passos (Prefeitura do Rio de Janeiro), que possuem levantamentos específicos sobre favelas.


Também coletamos informações através de entrevistas com representantes de organismos públicos em distintos níveis (bairros, município e estado), a fim de se traçar um quadro ou perfil inicial dos territórios. Para além da caracterização socioeconômica, o levantamento teve a finalidade de conhecer em profundidade as políticas públicas existentes no local, o desenvolvimento e a execução dos programas e das estratégias de intervenção, analisar suas forças e debilidades, modalidades de abordagem, níveis de gestão associados ao Estado e à sociedade civil. Por outro lado, a apropriação dessas informações nos permitiu fortalecer ou gerar alianças com atores chave na proteção e defesa dos direitos. O diagnóstico sócio-comunitário agrega não somente dados estatísticos, mas, principalmente, as percepções dos próprios moradores das favelas. Essas impressões subjetivas e outras informações não constantes dos cadastros oficiais foram coletadas por meio de grupos focais ou grupos de debate. Esses grupos são encontros informais de diálogo com os moradores em geral, com o objetivo de levantar dados e informações que complementam a construção do diagnóstico. Também foram realizadas entrevistas, mas dessa vez com atores-chave locais que puderam ajudar a reconstruir a história dos territórios a partir de suas próprias experiências e memórias. É importante lembrar que, além dos dados oficiais e das percepções dos moradores, nos utilizamos também, de outras fontes de informações. As notícias de jornais, revistas ou de sites especializados são uma boa fonte complementar de informações, especialmente por sua atualização constante. Estamos nos referindo aqui tanto aos jornais de grande circulação, quanto, e especialmente, aos meios de comunicação comunitários, que são uma fonte privilegiada. Reunida essa grande diversidade de informações e dados, foi necessário sistematizá-los e analisá-los. Nessa etapa, confrontamos as informações pesquisadas nas bases de dados oficiais com as coletadas a partir das percepções dos moradores, e organizamos todos os dados levantados segundo critérios temáticos e cronológicos. Foi um verdadeiro esforço de compreensão da história a partir de fragmentos de dados, notícias, imagens, e demais fontes. Essa análise foi fundamental para que as informações ganhassem um sentido a partir dos conhecimentos e da cultura do local. Todos os passos para a elaboração do diagnóstico foram importantes, mas a análise das informações foi espe-

A produção deste diagnóstico focalizou a consciência dos jovens para um olhar apurado sobre as violações de direitos, o contexto no qual as mesmas são produzidas, e as formas de acesso à justiça nos territórios.

cialmente significativa, pois foi o momento em que a pesquisa se converteu em um instrumento político de ação. A leitura crítica e a reflexão sobre esses dados nos apontou caminhos para as ações de exigibilidade de direito. A elaboração e redação de um diagnóstico pelos próprios moradores do Complexo do Alemão, Manguinhos e Vila Aliança está centrada na idéia da produção de informações a partir de um processo crítico, emancipatório e capaz de retratar com fidelidade os problemas e as potencialidades de cada território. Isto significa que o conhecimento sobre a realidade se constrói coletivamente pelas pessoas que ali habitam. Assim, no final do processo, temos a descrição da realidade contada por aqueles que a vivem, sofrem, desfrutam e a transformam. Com o diagnóstico procuramos ir além da simples coleta de informações pontuais para passar ao questionamento do contexto de maneira coletiva, entender os problemas que a realidade apresenta e, sobretudo, transformá-la. Este movimento produz o seu sentido político. Longe de ser uma ferramenta passiva de descrição da realidade de cada território, concebemos o diagnóstico como uma ação política que leva à mudança, a partir do reconhecimento dos temas e questões que precisam ser debatidos e problematizados, e da produção, pelos atores locais, de práticas transformadoras no próprio território. A produção deste diagnóstico focalizou a consciência dos jovens para um olhar apurado sobre as violações de direitos, o contexto no qual as mesmas são produzidas, e as formas de acesso à justiça nos territórios. Objetivou-se a instrumentalização das organizações juvenis para a criação de canais de diálogo e acesso às instituições públicas competentes, enfatizando-se o resgate do olhar dos jovens como sujeitos de mudança.

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Neste sentido, a publicação deste Diagnóstico Sóciocomunitário é a concretização de um trabalho de pesquisa, de produção compartilhada de conhecimentos e de elaboração de ações estratégicas para resolução dos problemas e promoção das potencialidades encontradas em cada território. A juventude está entre os grupos que mais sofrem violações sistemáticas de direitos. Quando discutimos sobre violência, os jovens estão no topo das estatísticas de morte violenta; quando falamos em educação, são eles que encontram maiores dificuldades para dar continuidade a sua formação escolar. São também aqueles que mais possuem dificuldades para ingressar no mercado de trabalho. Se juntarmos a este quadro as determinações espaciais, concluímos que os jovens moradores de favelas são os que estão preferencialmente sujeitos a violações de direitos. Por este motivo, ampliar o acesso desse segmento à esfera pública torna-se estratégico dentro da perspectiva de promoção de direitos.

Alguns Dados: - 81 mil adolescentes brasileiros de 15 a 19 anos foram assassinados entre 1998 e 2008, de acordo com relatório da Unicef. Segundo o texto, o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de homicídios de jovens. - Dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad) para o ano de 2009 mostram que cerca de 05 milhões de jovens com idade entre 15 e 17 anos não está matriculada para cursar o ensino médio (etapa da escolarização que corresponde a esta faixa etária). - Ainda de acordo com a Pnad de 2009, a taxa de desemprego no Brasil entre os jovens de 16 a 24 anos chegou a 42,2%. Segundo o relatório “Crise de Trabalho para Jovens”, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a taxa de desemprego juvenil atingiu seu maior nível desde 2007: dos 620 milhões de jovens entre 15 e 24 anos, 81 milhões estavam desempregados no final de 2009.

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Elementos metodológicos No diagnóstico sócio-comunitário, diferente do enfoque tradicional, quem dirige o desenvolvimento da pesquisação é a comunidade e não um grupo de especialistas. São os moradores que orientam o processo de transformação social, a partir de suas percepções e das informações recolhidas. O diagnóstico sócio-comunitário não é um simples formulário de registro das problemáticas e potencialidades da comunidade, mas a construção coletiva de conhecimento, a partir do e no território. Esse processo exige conhecer a história, os grupos e os atores locais – seus interesses e visões - e a realidade nacional na qual esta está inserida, considerando suas diversas contradições e conjunturas. O diagnóstico sócio-comunitário, muito além de apresentar e analisar dados locais, tem o objetivo primordial de propor formas de transformação social. Produzido em permanente diálogo entre os atores locais, deve promover a identificação e o compromisso com as questões e o contexto em que está inserido. Deve ser, muito mais que um diagnóstico tradicional, um processo em movimento, deve convidar, permanentemente à mobilização e à ação. Assim, o diagnóstico sócio-comunitário além de permitir conhecer as questões locais e os recursos disponibilizados para as políticas sociais, deve ser parte de um processo de transformação do território. Esta transformação pode se dar a partir da simples revisão e contestação de um censo demográfico, até a discussão e participação na elaboração de propostas concretas de exigibilidade de direitos. Portanto, considerando o diagnóstico sócio-comunitário como um instrumento político de transformação local, a metodologia adotada para sua construção partiu do princípio da produção compartilhada e participativa de saberes. Além dos grupos de jovens, objetivou-se o envolvimento do maior número de pessoas nas discussões, na coleta de histórias, percepções, problemas e conflitos. Assim o diagnóstico, através da aplicação de distintas ferramentas e formas de coleta de informações, reflete um processo dialógico de permanente construção e reflexão coletiva. Na etapa inicial, foi construído um roteiro que norteou a identificação das diferentes políticas públicas presentes nos territórios e a problematização sobre a efetividade dessas políticas. A segunda atividade desenvolvida compreendeu o le-


vantamento e a coleta de dados e informações já produzidas sobre as localidades em outras pesquisas, estudos acadêmicos, materiais institucionais, formativos e informativos, das mais variadas fontes. A terceira etapa, que constituiu a formulação do diagnóstico, foi a realização de grupos focais ou grupos de debate com os principais segmentos e grupos de cada localidade, para produção de dados qualitativos de pesquisa. O objetivo foi recolher a impressão dos próprios moradores como atores centrais para a construção da pesquisa e fonte de informação na elaboração do diagnóstico. A partir do reconhecimento dos moradores como construtores dos dados, o processo de debate dos grupos focais foi desdobrado em duas formas de ação: (1) a reapresentação à comunidade, e a reflexão crítica sobre os principais resultados dos grupos focais e do levantamento de dados oficiais. Com esse intuito foram realizados círculos de leitura crítica, onde se reuniam periodicamente as equipes de jovens e técnicos de cada localidade; (2) Este processo funcionou como caminho para a eleição de temas-geradores a serem priorizados nas ações de exigibilidade de direitos. Em cada reunião, a partir da vivência comunitária, eram discutidas as possibilidades de ação e de construção de estratégias de intervenção para o enfrentamento da situação diagnosticada. Dessa forma, com a ampliação da metodologia da pesquisa, considerando o processo de pesquisação e a participação contínua dos atores locais, foram discutidos os planos de ação de exigibilidade junto aos grupos e movimentos sociais. Esse processo contínuo de participação promoveu, também, a reflexão sobre a atuação dos grupos juvenis na permanente construção e promoção de uma cultura de direitos nos territórios. Por fim, a metodologia proposta utilizou fotos e notícias de jornais como fonte de dados importantes. A partir das diretrizes metodológicas comuns que orientaram o projeto, em cada um dos locais onde foi desenvolvido, considerando suas particularidades e especificidades, a produção do diagnóstico sócio-comunitário gerou um processo diferenciado de atividades de pesquisa, análise e mobilização. Este dado é importante, pois mostra a pluralidade de ações que podem ser desenvolvidas como estratégias para exigibilidade e direitos. No Complexo do Alemão, a produção do diagnóstico instrumentalizou a luta do movimento social local. O Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia (CDLSM) , organismo formado por instituições da sociedade civil e ci-

dadãos do Complexo do Alemão, como espaço de diálogo e articulação com as esferas governamentais, de fomento de ações, projetos e pesquisas, se apropriou e utilizou os dados produzidos no âmbito do projeto para propor ações de exigibilidade junto ao poder público e debater o processo de luta por direitos com a população local. Podemos citar algumas ações concretas de exigibilidade que resultaram da produção do diagnóstico: processo de gestão compartilhada de conflitos ligados ao direito à moradia e relacionados com as obras do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC-Alemão; mobilização e discussão em torno do direito ao meio ambiente, concretizada em nota pública das instituições comunitárias atuantes no bairro do Complexo do Alemão. A nota, produzida durante o processo de ocupação militar em dezembro de 2010, destacou que, para além de uma política de segurança pública repressiva, existe a necessidade de implantar uma agenda que agregue as diversas áreas relacionadas aos direitos sociais, com ênfase nas agendas sócio-ambiental e cultural. Em Manguinhos, a construção do diagnóstico promoveu a realização de consulta pública para o Programa Estadual de Educação Ambiental do Rio de Janeiro; a construção participativa da proposta de Educação Profissionalizante de Jovens e Adultos (Proeja) para a formação de Técnico de Meio Ambiente e de especialização (pós-ensino médio) em gestão social territorializada (junto a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/ Fiocruz); a participação em audiências públicas; e a realização de conferências livres (segurança pública – 2009; saúde ambiental – 2009; cultura - 2008). Em Vila Aliança, elaborar o diagnóstico foi um importante momento para os jovens conhecerem a sua história, as dificuldades e as principais bandeiras de luta de seu local de moradia. Todas as experiências do projeto demonstraram que a elaboração de um diagnóstico pode gerar processos de formação e ativismo extremamente frutíferos e diversificados. Por este motivo, consideramos que o diagnóstico sócio-comunitário, onde a informação é gerada e construída através da reflexão coletiva, é um importante instrumento de autoaprendizado e de empoderamento dos sujeitos nas lutas comunitárias. É um instrumento dinâmico e, por isso, em permanente construção. Constitui-se em um processo de produção de conhecimento nas favelas, considerando sempre e de forma central, seus problemas e potencialidades específicos. A sistematização do diagnóstico pretendia, inicialmente, seguir os mesmos indicadores de conteúdo,

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permitindo a realização de comparações qualitativas entre as localiades. Este objetivo, no entanto, nem sempre foi alcançado, devido às diferenças e particularidades das informações coletadas e das dinâmicas específicas dos jovens encarregados de impulsionar esta atividade. O mais importante e significativo foi o processo iniciado, a ampla articulação, mobilização e participação comunitária e o desafio lançado para todos: é necessário nos conhecermos para pensarmos formas de transformação da realidade. O Núcleo de Direitos Humanos da FASE acumula experiência de educação popular e formação em conteúdos e ferramentas de direitos humanos, por meio de organização de oficinas, produção de materiais educativos, participação em redes de organizações não-governamentais de direitos humanos e articulação com instâncias governamentais nacionais e internacionais, tanto para a cooperação quanto para a apresentação de demandas de realização de direitos humanos. O Núcleo de Direitos Humanos trabalhou desde a sua criação com a perspectiva emancipatória inerentes aos Direitos Humanos, por entender que a promoção de uma cultura de nova luta pelos direitos deve emergir como condição de aprofundamento e ampliação da democracia, modelo que se contrapõe ao processo vigente de reprodução das desigualdades. Vivemos um período em que tendências regressivas se combinam com outras que potencializam sujeitos sociais de transformação e criam formas de luta inovadoras. Nesse contexto, os Direitos Humanos devem ser afirmados como causas coletivas, causas políticas, bens comuns, justamente porque anunciam formas novas e melhores de convivência e responsabilidade recíproca. Considerando que o segmento juvenil é o principal responsável pelo desenvolvimento de novas linguagens e significações, bem como pela construção de propostas alternativas e de uma perspectiva de futuro não discriminatória, o trabalho do Núcleo de Direitos Humanos se focou, durante boa parte de sua existência, neste grupo prioritário. Entendemos que a Juventude é grupo historicamente colocado à margem dos processos de transformação social, e que, apesar de seu imenso potencial inovador, não vem sendo priorizada nas políticas públicas desenvolvidas pelos governos.

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Instituto Raízes em Movimento Equipe local de elaboração: Daniele Marques de Mesquita e Maycom Brum

Complexo do Alemão: passado e presente O Complexo do Alemão é atualmente um bairro localizado na zona norte do Rio de Janeiro, com popu-

lação estimada entre 150.000 e 200.000 pessoas, como designa a 29ª Região administrativa e faz parte da área de planejamento – AP 3 da Cidade do Rio de Janeiro (Lei Complementar 2.055/93 - criação e delimitação de RA e bairros), composto por doze favelas distintas. São elas: 1. Adeus, 2. Esperança, 3. Mineiros-Matinha, 4. Grota, 5. Itararé, 6. Nova Brasília, 7. Fazendinha, 8. Palmeiras, 9. Alemão, 10. Baiana, 11. Casinhas, 12. Reservatório de Ramos. O Complexo do Alemão se encontra na Serra da Misericórdia, parte central da região da Leopoldina, abrangendo uma área compreendida por cinco bairros: Inhaúma, Bonsucesso, Ramos, Olaria e Penha. Existem 27 bairros no entorno da serra da misericórdia e 5 complexos de favelas. A Serra da Misericórdia vai do extremo Leste do Morro do Adeus até o extremo Oeste do Morro do sapê, em Rocha Miranda. Território de aldeamento de índios Tamoios, a ocupação dessa região começou no início do século XVII, quando aí se estabeleceram padres Jesuítas que deram origem à Fazenda de Inhaúma, explorando o uso agrícola em seu solo, principalmente através do plantio de cana-de-açúcar, resultando no surgimento de engenhos. Ainda no século XVII, a região ganhou importância por ser um caminho para chegada de mercadorias de origem agrícola que, desembarcadas na Baía de Guanabara, eram transportadas pelos rios Pavuna e Meriti. Com a expulsão dos Jesuítas em 1760, as terras de Inhaúma foram desmembradas, originando diversas fazendas que viriam a se tornar os bairros hoje existentes, em grande parte adotando o nome

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de seus representantes como é o caso de Ramos e Bonsucesso. A ocupação da serra da Misericórdia remonta ao início do século XIX, tendo como proprietário o Sr. Francisco José Ferreira Rego. A partir da segunda metade do século XIX, com a passagem da Estrada de Ferro da Central do Brasil, inaugurada em 1858, abriram-se novas perspectivas de desenvolvimento para a região, levando alguns proprietários de terra a realizar loteamentos em suas propriedades. A estrada de ferro assumia, em toda a zona norte da cidade, papel principal de indutor de ocupação. Nessa ocasião, enquanto as classes de maior poder aquisitivo se transferiam para a zona sul, a região suburbana da cidade passou a ser loteada em suas áreas agrícolas, incentivados pelo poder público, visando atrair moradores de baixa renda, favorecidos pela facilidade do transporte ferroviário. O custo diário das passagens impedia, no entanto, a transferência dos grupos de mais baixa renda para os subúrbios, levando ao surgimento de favelas nos morros mais próximos ao centro. Um grande lote dessa área era de propriedade do Sr. Leonard Kacsmarkiewiez, polonês fugido da Primeira Guerra Mundial. Conhecido como uma pessoa simples, porém brava, Leonard era forte, bastante alvo, com sotaque carregado. Ficou conhecido pelo apelido de Alemão, batizando, assim o morro que lhe pertencia. No final da década de 1920, as baixadas no entorno da Baía de Guanabara foram objetos de trabalhos de saneamento, particularmente as enseadas de Manguinhos e Inhaúma, cujos mangues foram aterrados e os rios, retificados. A melhoria das condições habitacionais e urbanas na região resultaria em uma importante ocupação da atual área da AP-03. Foi nessa época que se registrou o início da ocupação do Morro do Alemão, na área atual da comunidade onde fica a Rua Joaquim de Queiroz – principal acesso à favela da Grota. Em 1928, o Sr. Leonard promoveu o primeiro loteamento em parte de suas terras que eram dedicadas à pastagem. Até 1957, a ocupação permanecia dispersa e seus moradores pagavam aluguel ao proprietário. Na década de 1940, outras áreas do Complexo do Alemão passaram a ser ocupadas, sobretudo por população chegadas do Nordeste: em 1942, iniciou-se a ocupação das áreas baixas da atual comunidade de Nova Brasília; em 1946, foi ocupada a área às margens da entrada do Itararé, no Morro do Itararé; em 1951, foram ocupadas as áreas nos morros do Alemão, Esperança, dos Mineiros e Relicário. A ocupação se intensificou


por volta de 1955, quando parte dos moradores da Favela do Esqueleto, no Maracanã, derrubada para a construção da UERJ, foi transferida para a região. Em 1960, Ramos, Bonsucesso e Olaria já se configuravam como bairros, com considerável população e razoável infra-estrutura urbana. Esse também é o momento do adensamento do Complexo do Alemão. Em 1961, deu-se início à ocupação do Morro da Baiana. Nova Brasília, já com esse nome, possuía cerca de nove mil habitantes em 1958. A partir do final dos anos 1970, completou-se a ocupação das áreas do Complexo do Alemão: em 1977, a fazenda Palmeiras; em 1979, o Reservatório de Ramos e, em 1982, o Parque Alvorada. Em 1986, o Complexo do Alemão foi transformado em Região Administrativa por decreto da Prefeitura, juntamente com as favelas da Rocinha, Jacarezinho e Maré. As crises econômicas dos anos 1980, o surgimento de plantas industriais derivadas de novas tecnologias de produção e a abertura de novas áreas industriais (como a região da baixada de Jacarepaguá) foram responsáveis diretos pelo esvaziamento econômico da região. O declínio industrial fica evidente quando se circula no entorno das comunidades, revelando um cenário de prédios e galpões fechados, retratos de uma época de prosperidade que se foi. Além disso, nesse período dois processos observados para algumas áreas do Rio de Janeiro foram decisivos para transformar a dinâmica e as representações sociais do Complexo do Alemão. Em primeiro lugar, a ocupação desordenada e precária do solo; em segundo, a guinada do comércio ilegal de drogas no Rio de Janeiro com entrada definitiva da cocaína no mercado. Esses elementos combinados resultaram na construção de uma área favelizada, em decadência econômica e palco de conflitos constante pelo domínio da venda de drogas no local. Dessa forma, no final da década de 1980, a região começou a sofrer um processo de esvaziamento econômico forte que atravessou os anos de 1990, representado, principalmente, pelo fechamento de várias fábricas localizadas ao longo das Avenidas Brasil, Itaóca e Ademar Bebiano (Antiga Estrada Velha da Pavuna). Nos anos 90, com a abertura das linhas Vermelha e Amarela, o Complexo do Alemão passou a se conectar com os principais eixos rodoviários de acesso ao Rio. Mas a região já estava transformada em uma área degradada e com intensa atividade do tráfico de drogas e de armas. As favelas do Estado do Rio de Janeiro tornaram-se lo-

cais de cidadania de “segunda classe”, desprovidas de atenção de políticas públicas voltadas ao bem-estar dos cidadãos e cidadãs. Abandonadas pelo Estado à sua própria sorte, seus moradores e moradoras – grande parte negros - sofrem um cotidiano de violações, por um lado praticadas pelos narcotraficantes, pelas incursões policiais; e por outro da precariedade física do local, pois muitas comunidades não contam com saneamento básico ou têm a possibilidade de acessar serviços de saúde e educação, entre outros. O ano de 2007 foi bastante intenso para os moradores do Complexo do Alemão. Uma mega-operação realizada no Complexo do Alemão em junho, envolvendo 1.350 policiais civis e militares membros da Força Nacional resultou na morte de dezenas de pessoas. A polícia matou pelo menos 19 suspeitos de crimes, um deles com 13 anos de idade e dezenas de transeuntes foram feridos. Foram apreendidas 13 armas. Ninguém foi preso. A população enfrentou o fechamento de escolas e de postos de saúde, além de cortes no fornecimento de água e energia elétrica. Houve denúncias de execuções extrajudiciais, espancamentos, vandalismo e roubos cometidos por policiais. O “caveirão” (espécie de blindado da polícia) foi utilizado como unidade móvel, onde policiais aplicavam choques elétricos e praticavam espancamentos. A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil OAB/RJ e a Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal declararam que as investigações independentes apontaram fortes indícios de execuções sumárias. O relator oficial da ONU sobre execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais que visitou o Rio de Janeiro em novembro daquele ano criticou a falta de investigações oficiais sobre os assassinatos e concluiu que a operação teve motivações políticas. Os jornais noticiaram que os conflitos entre traficantes e policiais deixaram 71 mortos em 2007 no Complexo do Alemão. Após quase um ano de permanência do aparato da Força Nacional na região, o tráfico continuava operando normalmente. Lançado no início de 2007 e considerado a “principal marca do segundo mandato do Presidente Lula”, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é uma iniciativa do governo federal que visa aumentar investimentos em infra-estrutura, nas áreas de transporte, energia, saneamento, habitação e recursos hídricos. O objetivo é - com a participação do investidor privado - expandir os investimentos em infra-estrutura de forma a possibilitar o aumento na oferta de emprego e a melhoria das condições de vida da população brasileira.

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Em abril de 2008, com o PAC Urbanização de Favelas, o governo passou a investir 827 milhões de reais no território. A principal obra do projeto é um sistema teleférico. O projeto inclui ainda a recuperação de ruas, instalação de redes de saneamento e iluminação pública, além da construção de equipamentos sociais e moradias. É importante esclarecer que o projeto não é nenhuma novidade, faz parte de um arsenal de intervenções urbanas previstas para regiões ocupadas militarmente no mundo a partir de tecnologias, programas e políticas norte-americanas que vão do Iraque à Palestina. No caso do Complexo do Alemão, o projeto de Medellín, na Colômbia foi o paradigma. Vale comentar que a avaliação desse projeto hoje, em termos de ocorrências violentas, já é um rumoroso fracasso . Para a construção do teleférico foram afetadas cerca de 1.800 famílias. Os moradores denunciaram o despreparo para lidar com as pessoas que foram removidas de suas casas para abrir caminho para os tratores do Consórcio Rio Melhor, compostos pelas empresas Odebrecht, OAS e Delta. As obras geraram especulação imobiliária, principalmente com casas próximas às maiores intervenções. O valor das casas passou de 18 mil reais, em média, para 60 mil reais um ano após o início das obras. Em 2010, o valor dos imóveis já era de 100 a 150 mil reais. Além da especulação imobiliária, os custos de “legalização das condições de vida” no território também são altos (água, energia elétrica, serviço de gás). A economia local está submetida a grandes empresas articuladas ao governo. Segundo as estimativas do governo, as obras do PAC geraram 130 mil empregos diretos no Rio de Janeiro (Complexo do Alemão, Rocinha, Manguinhos e Morro do Proventório, em Niterói). Nas obras do Complexo do Alemão foram gerados em torno de 3.500 empregos na construção civil, não só para a construção do teleférico, mas para a construção e urbanização do Complexo. Desse total, 60% foi mão de obra proveniente do território. O que isso significa para um total de 150 a 200 mil moradores? Qual é o impacto real em termos de geração de emprego e renda? Qual é a expectativa de manutenção desses empregos após o fim das obras? Em novembro de 2010 mais de 2.600 homens, apoiados pelo exército e pela marinha, efetuaram uma operação de grandes proporções no Complexo do Alemão. Após essa operação, alardeada pela mídia como a “retomada do território”, a favela permaneceu sob controle do exército. O projeto teve uma rápida adesão subjetiva da opinião

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pública e da sociedade civil apoiada fortemente pelos meios de comunicação hegemônicos. Como se passássemos a aceitar ter a vida regulada por um estado de polícia, em detrimento do estado de direito. Organizações locais e de defesa de direitos humanos denunciaram os abusos policiais, invasões e saques às casas dos moradores e os relatos sobre a existência de corpos na mata e a polícia impedindo o acesso ao local. O Complexo do Alemão faz parte de um projeto de cidade global que está colocado para o Rio de Janeiro no horizonte dos megaeventos esportivos. As violências cotidianas da cidade estão atravessadas pelos grandes movimentos do capital mundial que incidem sobre a memória e a história do território. A cidade mais uma vez passa por um processo de faxina étnica e social, de reordenamento truculento onde policiar e urbanizar são partes da mesma engrenagem.

Educação A Secretaria Estadual de Educação trabalha com uma estimativa da população do Complexo do Alemão em torno de 72 mil pessoas, número inferior às estimativas de outros órgãos públicos que apontam que a área teria no mínimo 100 mil habitantes, podendo chegar até 150 ou 180 mil. Partindo dessa referência subestimada, verificamos no quadro a seguir os números informados pela Secretaria, referentes às pessoas do Complexo do Alemão com idade até 17 anos, com e sem atendimento escolar:

O Complexo do Alemão faz parte de um projeto de cidade global que está colocado para o Rio de Janeiro no horizonte dos megaeventos esportivos. As violências cotidianas da cidade estão atravessadas pelos grandes movimentos do capital mundial que incidem sobre a memória e a história do território.


Pesquisa realizada pela organização não-governamental Centro de Promoção da Saúde (Cedaps) no Complexo do Alemão, com apoio do Unicef, revelou que a comunidade avalia a escola pública como oferecendo um ensino de baixa qualidade. Faltam professores, não existem atividades extracurriculares e de lazer, e o aprendizado é deficiente. A violência faz com que os pais, os estudantes e os educadores tenham que se submeter à dor e ao medo, e conviver com o risco à integridade física e de problemas ligados à saúde mental, com a perda dos dias letivos, a quebra na rotina educacional, a desconcentração, a dificuldade de acesso às unidades escolares e de moradia, o que resulta em prejuízos à aprendizagem. A área possui atendimento da rede municipal e da rede estadual de ensino. A Secretaria Municipal de Educação afirma ser responsável por oito escolas no Complexo do Alemão. Uma dessas escolas possui atendimento em horário integral, há seis outras unidades funcionando em dois turnos e uma última que, além de atender ao ensino fundamental em dois turnos, funciona das 18h às 22h com o Programa de Educação de Jovens e Adultos (Peja). Nessas oito unidades encontram-se matriculados 5.750 alunos e alunas. Em 2007, a Prefeitura adquiriu o prédio onde funcionava uma fábrica da Coca-Cola para amplia a oferta de matrícula na região. Existem, pelas pesquisas efetuadas na comunidade, três escolas dentro do Complexo do Alemão, a Escola Municipal Mourão Filho, o Ciep Theóphilo de Souza Pinto e a escola Municipal Henrique Foresis, que atende até a quarta série. Se tomarmos em conta o número de habitantes do Complexo podemos ver que estas escolas são de longe insuficientes para atender as demandas das comunidades. As demais escolas que poderiam atender ao Complexo se situam fora de seus limites e são a Escola Municipal Walt Disney, Escola Municipal Padre Manuel da Nóbrega, Escola Municipal João Barbalho, que à noite se transforma em Escola Estadual Taciel Cileno, Colégio Cardeal Leme (particular) que à noite se transforma em Escola Estadual Zélia Gonzáles, Escola Municipal Chile, Colégio Pinheiro (particular), Instituto Relvas (particular) e Escola Estadual Carneiro Ribeiro. Apesar desse número de escolas, não é raro ainda encontrar criança sem matrícula, mesmo porque, devido ao grande número de moradores, essas escolas não suprem toda a demanda do Complexo. Existe também um sistema de creches bastante utilizado pelas famílias da comunidade. São creches educati-

vas e, a maioria delas, é financiada pela prefeitura. No Morro da Baiana existe a Creche Eliane Saturnino Braga; no Morro do Adeus, a Creche São Pedro Nolasco e a Escola Comunitária Pedro Vileli; no Morro do Alemão, a Creche pré-escolar João Ferreira; no Morro do Itararé, a Creche Escola e a Creche Cemasi José Vieira da Silva; em Nova Brasília, o Jardim Escola Novo Mundo, o Centro Educacional Estrela da Manhã, o Ciep Theóphilo de Souza Pinto, a Creche Cemasi Nova Vida e a Creche Mundo Feliz. Em todas as creches, as crianças estudam, se alimentam na hora certa e brincam. Contudo, de novo as vagas não são suficientes para atender toda a população, por isso não é raro encontrar crianças perambulando à toa pelas vielas das favelas e em situação de abandono. Segundo pesquisa de 2003 do Centro de Promoção da Saúde (CEDAPS), existem sete creches mantidas pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social no Complexo do Alemão. Estas teriam uma capacidade de atender apenas 14% de sua população de referência. O Complexo do Alemão tem sido contemplado, ultimamente, com alguns projetos sociais de cunho educacional que vem facilitando e melhorando a qualidade de vida de algumas pessoas da comunidade. Temos, por exemplo, os projetos Vida Nova, pré-vestibular comunitário, entre outros. Mas como a comunidade possui uma extensão territorial muito grande e cerca de 180 mil moradores, esses projetos não atingem a todos, beneficiando uma porcentagem pequena das pessoas. Não existe Faculdade dentro do território do Complexo do Alemão, somente no entorno. São universidades particulares: Unisuam, Universidade Silva e Souza. Com a implementação do PAC Alemão está prevista a construção de uma Biblioteca Pública com capacidade para atender 600 pessoas por dia. O projeto de instalação da biblioteca, composta por dois pavimentos com salas direcionadas para desenvolvimento de artes (música e teatro), sala de informática e videoteca, previsto para 2010, foi adiado para 2011, mas ainda não se concretizou até o final desse ano. Além disso, foram instalados o Centro de Referência da Juventude, em outubro de 2010 e a Escola de Ensino Médio de Referência (EEMR) para atendimento de cerca de 1.440 alunos.

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Cultura Dentro da favela não existem centros culturais, todos eles estão fora dos seus limites. São pouco frequentados pelos moradores dos morros e favelas pelo fato de não atenderem às expectativas da grande massa dos jovens. Apesar de ter uma grande extensão territorial, o Complexo do Alemão não dispõe de nenhum cinema ou teatro. Os mais próximos se encontram nos shoppings localizados nas redondezas, não atendendo a grande maioria da população, devido ao valor dos ingressos que estão além das possibilidades dos moradores. As bibliotecas existentes atendem a uma minoria dos moradores, pois se localizam na sede da Região Administrativa e no SESC de Ramos, fora dos morros e favelas. As organizações sociais são as principais promotoras da cultura na favela. O Evento Circulando – Diálogo e Comunicação na Favela, promovido pelo Raízes em Movimento, em parceria com outras organizações e grupos acontece há 10 anos, com o objetivo de visibilizar as demandas locais por direitos, articulando a expressões culturais como shows musicais, sobretudo de hip hop, capoeira, grafitti, dança.

Lazer As grandes festas populares que acontecem aqui são os bailes funk, realizados frequentemente nas praças e quadras da comunidade, uma das pouquíssimas formas de lazer da população da favela. Se não fossem os bailes e os pagodes, não existiria quase nada voltado para o lazer dos moradores. Eles são organizados pelas associações de moradores em parceria com equipes de som. Também existem alguns forrós, que acontecem na sexta e no sábado, frequentados, na maior parte das vezes, pelos moradores de origem nordestina residente e por poucos jovens. A Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense também se situa a poucos metros do Morro do Alemão, mas, como cobra ingresso, só é mais frequentada pelas pessoas da comunidade quando há entrada franca ou próximo ao carnaval.

Esporte Existem cinco campos de futebol espalhados pelas comunidades onde acontecem campeonatos anuais e

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algumas “peladas organizadas”. Os campeonatos são organizados pelos times da comunidade mesmo, que fazem tudo: comunicam-se entre eles, organizam os horários etc. A Vila Olímpica é a opção para práticas de esporte, pois tem uma quadra poliesportiva, piscina, campo de grama sintética, rampa de skate e salas para oficinas. Além da Vila Olímpica tem instituições que atendem a comunidade com projetos de esporte, arte e cultura.

Religião Existem muitas igrejas no Complexo do Alemão sendo em sua maioria as evangélicas que pela quantidade são imensuráveis, e católicas existem aproximadamente 8 em todo o território, e também centros espíritas e casas e terreiros de umbanda – minoria no Complexo, não contabilizados. Muitas vezes, as instituições religiosas ajudam as pessoas mais necessitadas com mantimentos, roupas, calçados e, também, são os encarregados de implementar o programa “cheque cidadão” do governo do Estado, a fim de melhorar a alimentação dos moradores das favelas. O “cheque cidadão” funciona através de um cadastramento de famílias de baixa renda que é feito nas igrejas que fazem reuniões periódicas com as pessoas cadastradas e distribuem os cheques vindos de Brasília.

Saúde Os moradores relatam que os serviços de saúde acessados são os postos de saúde de Ramos, Del Castilho e Engenho da Rainha. Entretanto, existem hoje cinco unidades do Programa de Saúde da Família (PSF), atualmente conhecido com Estratégia de Saúde da Família, por não se tratar mais somente de um programa pontual, em diferentes comunidades do Complexo, nos morros do Alemão, Esperança, Baiana, Adeus e Nova Brasília. O PSF faz parte do Sistema único de Saúde – SUS e conta com médicos, dentistas e enfermeiros. Os hospitais de emergência mais próximos são nos bairros da Penha (Hospital Getulio (Vargas), Bonsucesso (Hospital de Bonsucesso) e Méier – bastante distante inclusive (Hospital Salgado Filho). O Centro de Atenção Pisicossocial - CAPS mais próximo fica no entorno e quando necessário o atendimento o morador tem que pegar uma condução para chegar. Foi inaugurada a Unidade de Pronto Atendimento – UPA


que atendera a população do Complexo do Alemão em atendimentos de emergência e urgência para crianças e adultos, na Rua Engenheiro Manoel Segurado s/nº. Na sua inauguração não tinha equipe médica completa, mas que tinha previsão de realizar nove mil atendimentos por mês, considerando uma população atendida de 150 mil moradores. Além disso, foi prevista a construção do Centro Integrado de Atenção a Saúde (CIAS), com capacidade para atender 1.200 pessoas por dia (odontologia, centro cirúrgico ambulatorial e policlínica). Em 2007, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) inaugurou na Fazendinha, no centro do Complexo do Alemão, a Unidade de Emergência de MSF. Na clínica, equipes de MSF ofereciam atendimento de emergência, cuidados de saúde mental, transferência em ambulância para hospitais da região e orientação sobre a rede pública de saúde do município. A Unidade de Emergência MSF funcionou até o final de 2009, quando as atividades na clínica foram encerradas. No período em que funcionou, a equipe de MSF atendeu na maioria pacientes com problemas de saúde primária, tendo realizado mais de 19 mil consultas médicas. Além disso, prestou também atendimento emergencial e ofereceu cuidados de saúde mental a 2 mil pacientes. Quase metade dos pacientes foram mulheres adultas com depressão ou ansiedade e cerca de 40% crianças e adolescentes com problemas de aprendizagem e agressividade. A unidade de saúde do Complexo do Alemão, a exemplo de outras favelas do Rio de Janeiro, deveria ser retomada pela Prefeitura, segundo acordo assinado em 2008. Com o descumprimento do acordo por parte da Prefeitura, as atividades foram encerradas em 2009.

Saúde ambiental Quanto à infra-estrutura, temos fornecimento de luz elétrica em todo o Complexo mas, devido a algumas instalações precárias, a luz se torna fraca e, ás vezes, falta. No verão, o mesmo acontece com a água encanada que chega à maioria das casas, mas ainda há moradores que se abastecem de poços artesianos e algumas nascentes de água que somam doze no total. No que diz respeito à rede de esgotos, se constata uma certa precariedade em alguns pontos onde se encontram valas negras a céu aberto com a população despejando o esgoto direto nos corpos hídricos, que, em alguns casos, passam em frente às moradias. Por isso, algumas crianças que brincam ao redor dessas valas, assim

como o restante dos moradores, correm risco de serem contaminados com algum tipo de doença. Outro fator que contribui para que isso aconteça são os lixões que, apesar de serem poucos, ainda existem na região. Esses lixões não se tornam maiores graças ao serviço de “garis comunitários”, implementado pela prefeitura através da Comlurb, empresa responsável pela coleta de lixo. O bairro foi construído sobre a serra da Misericórdia, uma formação geológica de morros e nascentes naturais, quase toda destruída pela construção do Complexo. Restam poucas áreas verdes na região, apesar dos esforços de preservação empreendidos por determinadas organizações atualmente. Ainda há poucas áreas de mata e alguns pontos de nascentes de rios que são usados como fonte de água pela população. Todavia, logo após a nascente, os rios já se tornam valões de esgoto. Boa parte da serra foi destruída devido às pedreiras, muito comuns na segunda metade do século XX. Hoje em dia tal empreendimento é proibido na região, considerada Área de Proteção Ambiental, embora subsistem algumas ilegalmente.

Moradia/habitação No Alemão, são 26.634 imóveis domiciliares, sendo 94,4% compostos de casas e 3,4% de apartamentos. O material predominante na construção do imóvel é alvenaria (93,3%), enquanto 1,4% é feito de madeira. A grande maioria dos imóveis é própria (81,4%), enquanto 12,4% alugados. Em relação à documentação dos imóveis próprios, 38,6% foram emitidos pela associação de moradores. Apenas 13,1% têm escritura, e 31,2% não possuem qualquer documento. Somente 29, 9% disseram que o acesso a sua casa pode ser feito por rua onde passam carros. O acesso através de rua de pedestres é feito por 25,7%, escadaria, 22,9% e beco, 16,9%. Segundo dados do Censo domiciliar 2009 realizado pelo PAC existem hoje no Complexo do Alemão 22.605 residências, sendo casa partilhada parede e /ou laje com outra 13.335, casa isolada 7825, apartamento 940, cômodo (em cortiço) 65 e outras respostas 34.

Economia, trabalho e renda

Segundo dados do IBGE do ano de 2000, o Complexo possui IDH de 0,709 e está em último lugar no ranking do IDH das 32 Regiões Administrativas do município do Rio de Janeiro. Enquanto a média da renda per capita

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na Gávea é de R$ 2.139,56 e na Lagoa é de R$ 2.228,78, no Complexo do Alemão é de apenas R$ 177,31, superior apenas à renda de Acari e Costa Barros. De acordo com relatórios do trabalho social do PAC – a média da renda per capita no Complexo é de R$ 257,00, 3 vezes menor que a média do município (R$ 858,00). Outro dado que explicita a precariedade da região mostra que 29% dos habitantes do Complexo vivem com renda inferior a ½ salário mínimo, ou seja, abaixo da linha da pobreza. Entre os bairros do Rio de Janeiro, o Complexo do Alemão tem o maior percentual de pobres (29,2%) e com o coeficiente de Gini de 0,463, isto é, não há uma grande desigualdade interna. No Complexo, 11,13% do total da renda é proveniente de transferências governamentais (aposentadorias, pensões, programas sociais) e 67,18% vem do trabalho. É, portanto, um bairro dependente da situação ocupacional dos seus moradores, pois apenas 8% dos moradores têm mais de 50% da sua renda proveniente de transferências governamentais, um dos percentuais mais baixos encontrados nos bairros do Rio de Janeiro - o mais baixo é a Rocinha, seguida pelo Vidigal, Jacaré, Recreio dos Bandeirantes, Maré e Gardênia Azul. A Fundação de Apoio à Escola Técnica - FAETEC atende o complexo com cursos profissionalizantes, a procura é muito grande. A FAETEC está gerindo há 1 ano o Centro de Educação Tecnológica e Profissionalizante no Complexo do Alemão.

Telecomunicações Os serviços de telecomunicações fornecidos no Complexo do Alemão correspondem à telefonia fixa, TV a cabo, internet e rádio comunitária. Os serviços de telecomunicações do Complexo do Alemão são fornecidos geralmente de maneira informal. Os serviços de TV por assinatura não chegam, e quando chegam, vem cobram altas taxas, inviabilizando o seu uso pelos moradores do complexo, que ganham baixos salários. Criase, portanto, o acesso ilegal a esses serviços. No caso da TV por assinatura, existem no Complexo do Alemão três empresas informais que prestam este serviço. Elas que compram um sinal de TV clandestinamente e redistribuem dentro da comunidade. São normalmente conhecidas como “TV a gato”, deixando claro na fala dos moradores a relação com a ilegalidade. Da mesma forma, a distribuição de pontos de internet é conhecida no Complexo como “Gato Net”, que fun-

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ciona do mesmo modo que o sistema de TV informal, distribuindo sinais de internet banda larga (Velox) a preços bem inferiores ao valor de mercado. O acesso a internet se tornou algo tão importante que hoje existem muitas pessoas que distribuem internet dentro do Complexo do Alemão, contra apenas três que distribuem TV. A existência de inúmeras lan-houses dentro no Complexo acaba atendendo informalmente a demanda pelo acesso, já que a única empresa formal prestadora desses serviços no Complexo do Alemão é a Velox e esta não atende a todos os moradores, já que exige que o usuário tenha telefone fixo, nem todos os moradores têm acesso a esse serviço. No ano de 2006 a empresa concessionária de telefonia do Rio de Janeiro, Telemar Norte Leste S.A, deixou de prestar atendimentos no Complexo do Alemão. Sobre as Rádios comunitárias, existiam duas na comunidade da Fazendinha e outra na comunidade Brasília, que continua a funcionar pela internet de maneira precária, pois tem baixo índice de acessos. Todas utilizavam antena para a distribuição do sinal em FM. A manutenção das rádios comunitárias do complexo tornou-se algo extremamente difícil pela falta de investimentos financeiros, de divulgação e de uso pela população local.

Transportes Em relação ao transporte público, existem oito empresas de ônibus que cobrem a região e que só funcionam até meia-noite. Depois, quem deseja se dirigir a outros pontos da cidade só tem como opção as kombis de lotação que, antes, nesses horários, cobravam tarifas acima do preço normal, fato que mudou depois da diminuição dos fregueses. Cabe lembrar que esses meios de transporte estão, na maioria das vezes, em situação irregular, mas, apesar disso, são de extrema importância para a população local, pois, além de atenderem suas necessidades de locomoção, que não são plenamente supridas pelas empresas de ônibus, fazem parte também do sistema de economia informal, oferecendo vagas de emprego para certo número de pessoas da comunidade. Temos também os serviços de “moto táxi” que levam os usuários a qualquer parte da favela. Os moradores que não utilizam esses serviços são obrigados a andar longas distâncias até suas casas, às vezes, tendo que subir ladeiras muito íngremes. O sistema ferroviário, com quatro estações (Olaria, Ramos, Bonsucesso e Penha) que ligam a comunidade à


Central do Brasil, também é bastante utilizado. Existe também o transporte metroviário que liga a Baixada ao Centro e abrange parte do bairro de Inhaúma, sendo utilizado por uma pequena parte dos moradores do Complexo. É importante informar que tanto o sistema ferroviário, quanto o metroviário, está fora dos limites da favela. Com o PAC, o Complexo do Alemão passou a contar com mais um meio de transporte. O sistema teleférico, inaugurado em 2011realiza o percurso de 2,9 Km e tem capacidade para atender até 30 mil pessoas por dia e está integrado à SUPERVIA. Possui 6 estações sendo uma terminal integrado. Desde a inauguração, o teleférico não atingiu sua capacidade de utilização.

Assessoria jurídica O Complexo do Alemão contou com um Balcão de Direitos nos anos de 2009 a 2010. Esse projeto foi realizado pela organização não governamental ISER – Instituto de Estudos da Religião, com apoio da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal e prestou atendimento jurídico à população, especialmente em questões relacionadas a direito de família e a direitos da criança e do adolescente (pensão alimentícia, guarda de filhos, registro civil de nascimento). Nos dois anos de duração, foram realizados cerca de 600 atendimentos. As faculdades de direito do entorno oferecem os escritórios-modelo onde moradores podem realizar consultas jurídicas sem custos. Há dois fóruns judiciais para atender a população do Complexo do Alemão: o Fórum do Méier e o Fórum de Olaria. A depender da região de moradia, podem ser procuradas a Defensoria Pública de Ramos, que realiza encaminhamentos para o Fórum de Olaria, ou a Defensoria Pública de Pilares, que realiza encaminhamentos para o Fórum do Méier. O acesso a esses serviços do sistema de justiça não é fácil para os moradores, pois estão localizados fora do Complexo. Com o PAC, foi inaugurado em julho de 2011, uma central judiciária para atender os moradores da região dos complexos do Alemão e da Penha, com serviços da Justiça e da Defensoria Pública – cartório civil, uma Vara de Proteção da Infância e da Juventude, e postos da Defensoria Pública estadual, Justiça do Trabalho e Justiça Eleitoral. Em 2011 também começou a circular pelo Complexo um ônibus da Justiça Itinerante, para atendimento ao público.

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Centro Cultural A História Que Eu Conto Equipe local de elaboração: Jeferson Alves da Silva, Grasiela Araújo de Oliveira, Débora Helena Guerra Targino e Thiago dos Santos Borges

Vila Aliança: passado e presente O terreno onde a Vila Aliança foi construída era parte da Fazenda Bangu, fundada em 1673, destinava-se a plantio de cana de açúcar e seus derivados. Em 1889 a Companhia Progresso Industrial do Brasil (CPIB), de indústria têxtil, foi instalada onde funcionava a fazenda, por ser bem localizada e favorecida pela fartura de recursos hídricos, além da construção da estrada de ferro de Bangu, em 1890. A partir de sua instalação, a CPIB promoveu o desenvolvimento da região, urbanizando e construindo moradias (vilas operárias) no centro do bairro. Também estimulou o plantio e atividades de agricultura em parte de suas terras, com a finalidade de promoção do mercado consumidor que ali se constituía. Além da cana de açúcar também eram cultivados nas terras onde são hoje Nova Aliança e Vila Aliança: café, algodão, pecuária de leite e, sobretudo, a laranja, que se destaca neste cenário, chegando a entrar para a literatura, na descrição feita por José Mauro de Vasconcelos, em seu romance “O Meu Pé de Laranja Lima” (Grêmio Literário José Mauro de Vasconcelos). A Vila Aliança foi o primeiro Conjunto Habitacional da América Latina, proveniente da política remocionista do governo Lacerda, em 1960. Nesse período o processo de desfavelização das áreas valorizadas pela especulação imobiliária conduziu os favelados aos conjuntos construídos no subúrbio e zona oeste da cidade do Rio de janeiro. Contudo, a falta de políticas públicas voltadas a esta população segregada causou transtornos irreversíveis à cidade em consequência da favelização do entorno, onde proliferaram sucessivas ocupações nas áreas adjacentes aos conjuntos habitacionais. A CPIB vendeu a área onde se localiza Vila Aliança a Com-

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panhia Estadual de Habitação (CEHAB), para a construção do Conjunto Habitacional, o recurso para a compra e construção proveio da parceria com o governo dos Estados Unidos, através da “Aliança para o Progresso” que visava evitar o avanço do comunismo na América Latina. Com esta parceria ainda foram construídos os conjuntos de Vila Kennedy, Cidade de Deus e Vila Esperança. Curiosamente, os nomes de Vila Aliança e Vila Progresso (hoje Vila Kennedy) fazem alusão à parceria, entretanto, com o falecimento do presidente americano John Kennedy, foi realizada a homenagem póstuma pondo o seu nome neste conjunto habitacional. A Vila Aliança está situada a aproximadamente 40 quilômetros do centro da cidade do Rio de Janeiro e segundo dados coletados pelo Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS), Vila Aliança possuía em 2003: • 12,300 mil habitantes; • 3.600 famílias; • 72,4% composto pelo sexo feminino; • 27,6% composto pelo sexo masculino. • 2 escolas municipais; • 1 escola estadual (noturna); • 1 Posto de policiamento comunitário; • 1 Posto da Fundação Leão XIII; • 1 Posto do Programa dos Agentes Comunitários. São ao todo 43 ruas que receberam nomes de profissões em homenagem ao trabalhador brasileiro e 3 praças: Fabricante, Topógrafo e Aviador, sendo esta a principal utilizada como ponto de encontro e eventos em Vila Aliança. É cortada pelo Rio do Lúcio, onde muito antes da formação de Vila Aliança e Senador Camará era um dos canais de recursos hídricos até ser completamente poluído pela ausência de saneamento básico na época de expansão demográfica. Infelizmente não existem registros da história de Vila Aliança que nos permitam conhecer a sua impressionante trajetória de lutas e reivindicações pelo melhoramento da localidade. Curiosamente no livro Varal de Lembranças Histórias da Rocinha, se encontram algumas importantes lembranças da formação de Senador Camará e Fazenda Coqueiros (União Pro Melhoramentos dos Moradores da Rocinha - UPMMR, 1982, p: 104) bairros que formam juntamente a Nova Aliança e Vila Aliança, na atualidade um grande complexo comunitário, conhecido como Complexo de Vila Aliança e Senador Camará com mais de 200 mil habitantes, (IBGE, censo 2000) interligados pela Estrada do Taquaral, situados entre o Morro do retiro e Pedra Branca.


As remoções ocorridas na década de 1970 das Favelas da Rocinha para a Fazenda Coqueiros e da Providência para Senador Camará demonstram o tratamento dispensado pelo Estado quanto à consequente formação desta região que cresceu e estagnou-se durante décadas. Estes bairros sentiram os efeitos ao passar do tempo, onde a falta de investimentos provocou sérios transtornos, e segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social (2006), a Fazenda Coqueiros tem uns dos piores Índices de Desenvolvimento Humano - IDH do município do Rio de Janeiro.

O Conjunto Habitacional de Vila Aliança é o resultado da ação entre os governos americano e brasileiro que utilizaram recursos econômicos para investir em moradias populares no Brasil, implementando assim através da política remocionista do governo Lacerda.

Habitação O Conjunto Habitacional de Vila Aliança é o resultado da ação entre os governos americano e brasileiro que utilizaram recursos econômicos para investir em moradias populares no Brasil, implementando assim através da política remocionista do governo Lacerda. As primeiras favelas que foram removidas para formar este conjunto foram provenientes do Morro do Pasmado, no bairro de Botafogo, Praia do pinto, zona sul do Rio de Janeiro; favela do Esqueleto, onde hoje se encontra o prédio da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); também veio de Brás de Pina, Penha, zona norte da cidade. O processo remocionista que deu origem ao Conjunto Habitacional Vila Aliança, foi, segundo moradores que vieram do Morro do Pasmado, de tal modo violento, que na ocasião quem não aceitasse sair de seus barracos era retirado à força e depois assistia sua moradia sendo incendiada. O resultado da política de remoção (...) beneficiou, principalmente, a construção civil, porém acarretou um custo muito grande aos moradores das Favelas (...) A pesquisadora Licia Valladares assinalou que, de 1962 a 1974 foram removidas 80 Favelas com 26.193 barracos e 139.218 pessoas. (Souza, 2003: p.52). A Vila Aliança, contrariando conceitos noticiados pela imprensa, não é uma favela. Seu território é devidamente urbanizado, com saneamento básico e as residências não formam conglomerados conforme a conceituação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dados da Companhia Estadual de Habitação - CEHAB nos indicam que mais de 90% dos moradores de Vila Aliança tem em mãos a escritura definitiva de suas residências, sendo muitos beneficiados pela isenção das taxas. De acordo com informações da Secretaria

Municipal de Habitação, algumas das residências adjacentes, como o Conjunto Taquaral, Mangueiral, Moça Bonita, e Nova Aliança, possuem também escritura ou título precário das suas moradias, sendo esta última, devido ao Programa Favela Bairro. Na Minha Deusa não há moradores com escritura nem título. No ano de 2009 foi iniciada a construção de um conjunto residencial no antigo terreno da Brasilit, localizado entre a estação de Senador Camará e a Avenida Santa Cruz. O local já havia sido especulado nos anos anteriores que serviria de área de lazer, dando lugar ao piscinão, entretanto, fora condenado devido à contaminação por amianto, pois a empresa responsável fabricava telhas e caixa d’água. Com o Programa do Governo Federal Minha Casa Minha Vida, a população residente em áreas de riscos de deslizamentos ou enchentes no Complexo de Vila Aliança e Senador Camará, serão segundo a Secretaria Municipal de Habitação, beneficiadas.

Saúde As referências em atendimento médico para os moradores de Vila Aliança estão situadas em sua adjacência, visto que na localidade há somente o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Sendo assim, as opções ficam por conta do Posto de Saúde Dr. Eitel Pinheiro Oliveira Lima, no Conjunto Taquaral e o Centro Médico Waldir Franco, no centro de Bangu, em ambas as unidades a demanda por parte da população não é atendida em virtude da oferta de profissionais de saúde disponíveis. As referências emergenciais são as Unidades de Pronto Atendimento (UPAS 24 horas)

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situadas em Bangu e Realengo e o Hospital Estadual Albert Schweitzer também em Realengo. Segundo dados disponibilizados pelo Posto de Saúde Dr. Eitel Pinheiro de Oliveira Lima no que se refere aos atendimentos mensais, com média de 3.474, sendo em Especialidades Médicas e Não Médicas. Conforme o quadro a seguir:

cos direcionados e eficazes, demora no atendimento e falta de médicos. Ponto considerado importante na discussão foi a falta de atendimento direcionado e especializado aos jovens. Em suma, as unidades de saúde não conseguem atender a população. De acordo com a nova Política Pública para a saúde da Prefeitura do Rio de Janeiro, que estabelece a construção de Clínicas da Família, ampliando o acesso da população

A partir dos dados acima citados disponibilizados pelo Posto de Saúde, relacionando com o Censo 2000, constata-se que há uma insuficiência no atendimento referente à demanda local, levando a procura por atendimentos nos Hospitais e UPAS mais próximos. Neste sentido entende-se que os equipamentos responsáveis pelo atendimento à demanda não conseguem dar conta, devido à superlotação de atendimento nas unidades básicas de saúde. Com base no grupo focal realizado em Vila Aliança pelo Projeto Acesso à Justiça e a Cultura de Direitos, a Saúde foi um tema com concordância nas opiniões. Para justificar a precariedade na saúde foram apontados problemas como: a falta de unidades de atendimento, equipamentos públi-

local e as visitações em residências. O Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa Saúde da Família (PSF) atuarão na Clínica da Família que será construída em frente ao Condomínio Colinas do Retiro próximo ao Ciep Olof Palm, enquanto a nova clínica não foi construída, os Agentes dividem espaço no Posto de Saúde Eitel Pinheiro Oliveira Lima no Conjunto Taquaral.

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Saneamento Ambiental Em Vila Aliança, há estrutura de saneamento básico, com abastecimento regular de água encanada, rede de esgoto e coleta de lixo três vezes por semana por parte da Companhia de Lixo Urbano (Comlurb). A região


ainda conta com o trabalho dos Garis Comunitários que são administrados por associações de moradores e sendo responsáveis pela limpeza e manutenção das vias principais. Vale ressaltar que a quantidade de Garis Comunitários é insuficiente para atender à demanda deste complexo de comunidades, visto que cada instituição gestora possui em seu quadro cerca de 10 garis. Na região foi registrado o trabalho do Mutirão de Reflorestamento da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que atua no replantio no Morro do Retiro que abrange da Estrada do Engenho à Estrada dos Coqueiros, o Projeto, porém, atende somente ao perímetro do Conjunto Taquaral ao condomínio Colinas do Retiro e tem como gestora a Associação de Moradores do Taquaral que também tem em seu quadro, agentes ambientais para orientar moradores.

Transporte Em Vila Aliança, assim como em muitas outras partes do Rio de Janeiro, o transporte público se realiza majoritariamente pelo sistema rodoviário, com grande destaque para os ônibus. Os serviços de transporte rodoviários, não são considerados satisfatórios pelos moradores. A grande maioria da população local trabalha no Centro, Zona Sul e Barra da Tijuca. Para o Centro, por exemplo, estão dispostas apenas as linhas 389 (Vila Aliança – Largo São Francisco) e 395 (Tiradentes – Coqueiros). Um grande número de moradores trabalha no comércio e em residências na Barra da Tijuca e para chegarem ao seu lugar de trabalho, precisam andar pelo menos dois quilômetros para embarcar no ônibus da linha 756 (Senador Camará - Alvorada), que recentemente recebeu ônibus novos em sua linha ou a linha 855 (Bangu - Barra) em última opção o transporte alternativo Bangu – Barra, todos via Avenida Santa Cruz, que interliga os bairros de Senador Augusto Vasconcelos, Senador Camará, Bangu, Guilherme da Silveira, Padre Miguel e Realengo, dando acesso à Barra da Tijuca tanto pelo bairro de Sulacap quanto por Campo Grande. A Vila Aliança ainda conta com as linhas de ônibus 790 (Campo Grande – Cascadura); 820 (Campo Grande – Marechal Hermes); 926 (Senador Camará – Penha); 800 (Santíssimo – Marechal Hermes); e a linha 810 (V. Aliança x Bangu) e a recém inaugurada S05 Campo Grande – Cidade Universitária. A extensão do território torna restrita a abrangência das linhas de ônibus regulares, em relação às residências. Portanto as pessoas

tem que encontrar meios para chegar até os pontos de ônibus. Na esfera do transporte ferroviário, o bairro se localiza entre as estações de trem de Bangu e a de Senador Camará, no ramal de Santa Cruz – Central do Brasil. As “Kombis” além de servirem como complemento tem um grande número de veículos nas linhas regulares, geralmente com trajetos menores, mas semelhantes aos dos ônibus. O grande número de vans realizando o transporte alternativo de passageiros se deve a pequena oferta pelas empresas de ônibus. A relação entre o número de ônibus e de habitantes é três vezes menor na Zona Oeste em relação à Zona Sul. Por causa da demora e do desconforto dos ônibus sempre lotados, as pessoas acabam optando pelas vans. O transporte alternativo, realizado por vans e kombis conta com as seguintes linhas regulares: • Padre Miguel x Campo Grande • Vila aliança x Bangu • Santíssimo x Realengo • Senador Camará x Magalhães Bastos. Nessa perspectiva proliferam as atividades de moto táxi ou outros tipos de transportes alternativos, como as kombis. Algumas linhas alternativas complementam os caminhos das pessoas, aonde o serviço de ônibus não alcança. A partir de 2001 a Vila Aliança passou a contar com o serviço dos motos taxistas que hoje tem ao todo 6 pontos de referência, sendo 5 de um mesmo grupo, o Moto táxi “Grupo Verdinho” e o outro do “Areva” cobrando valores diversificados dependendo do destino pretendido. Uma particularidade oferecida pelos motos taxistas é a comodidade de busca em domicílio sem cobrar taxas adicionais. O transporte alternativo além de supostamente “resolver” uma parte do problema de Vila Aliança, ele possibilita a geração de renda de cem pessoas ao todo, homens, com faixa etária entre 18 e 40 anos, servindo como alternativa de terem sua primeira renda ou àqueles que têm dificuldades de retornarem ao mercado devido à idade. Se analisarmos a atual situação de Vila Aliança, temos as estações de trem, a Avenida Brasil, o centro de Bangu dentre outros pontos aonde se encontram opções de transporte. Para a locomoção até esses pontos a população utiliza muito a bicicleta, uma alternativa saudável e ecológica. Entretanto, não há sequer uma proposta de política pública baseada no uso de bicicletas. Por exemplo: Na região conhecida como Caminho do Lúcio, não existe meio de transporte acessível à comunidade, que precisa ir até a Estrada do Engenho para conseguir uma condução.

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A falta de ciclovias, coloca as pessoas em situação de risco. São constatados atropelamentos e quedas devido aos buracos na via de carros. Além de não ter uma via segura, não tem a sinalização adequada. Nas passarelas na avenida Brasil podemos verificar muitas bicicletas amarradas. Nem sequer um bicicletário é colocado a disposição. Diante dessas condições, a proposta viável seria um estudo para a implantação de uma ciclovia, lugares para guardarem as bicilcetas, e quiçá um programa de empréstimos ou aluguel de bicicletas.

Linhas de ônibus • 389 (Vila Aliança – Largo São Francisco) • 395 (Tiradentes - Coqueiros) • 756 (Senador Camará - Alvorada) • 790 (Campo Grande – Cascadura); • 800 (Santíssimo – Marechal Hermes); • 810(V. Aliança x Bangu). • 820 (Campo Grande – Marechal Hermes); • 855 (Bangu - Barra) • 926 (Senador Camará – Penha); • S05 (Campo Grande – Cidade Universitária) Linha nova

Economia, Trabalho e Renda No que corresponde ao item pesquisado foi utilizado como base de dados a pesquisa sobre Juventude e Trabalho pelo Centro Internacional de Estudos e Pesquisas Sobre a Infância (CIESPI) realizada em Vila Aliança, onde possibilitou identificar empreendimentos locais através de entrevistas e grupos focais. Foi constatado que a grande concentração de empreendedores locais atuam como proprietários de padarias, locadoras, lan houses, sacolão, lanchonetes, mercadinhos, armarinhos, entre outros. Alguns jovens chegam apontar um crescimento da rede de comércio local como fator importante para o aumento da oportunidade dentro do bairro onde moram. Uma das atividades que ampliaram, percebida durante o trabalho de campo, foi de lan Houses. Pelo que foi visto, 51% dos empreendimentos levantados empregam jovens, portando, de fato as oportunidades internas são grandes. -“Tem colegas meus que vão direto para a cidade, pro centro. Tem outros que têm medo, não tem experiência e quer trabalhar aqui próximo mesmo.”(Jovem, 18 anos de idade. Homem). Há uma grande concentração nos seguimentos de trans-

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porte alternativo, moto taxi, kombis, entretanto a grande maioria da mão de obra ainda trabalha no centro da cidade do Rio de Janeiro. Foi constatado como principais dificuldades dos jovens para iniciação ao mercado de trabalho formal a baixa escolaridade, estigmatização em relação ao lugar de moradia, ausência de documentação e a distância em relação aos polos geradores de renda da cidade (Zonas Norte e Sul). Chama a atenção o grande número de jovens entrevistados e nos grupos focais sem documentação civil, como: identidade, CPF, carteira de trabalho e que desconheciam os trâmites para tirá-los. Outro agravante é o auto indice de jovens que deixam os estudos para contribuir com renda familiar. Não há, atualmente, registro de atuação de cooperativas nem de capacitação profissional destinada a jovens. Quanto à rede de Economia Solidária, o Centro Cultural A História Que Eu Conto visa fomentar junto a Rede Comunitária que funciona desde outubro de 2008 em sua sede, através da estamparia e confecção, a fim de contribuir para o aumento da renda per capita da região.

Educação e Cultura Em Vila Aliança a uma escassez de creches e escolas de ensino integral fazendo com que os pais deixem seus filhos mais novos sob a responsabilidade dos mais velhos, eles não têm alternativas. No que corresponde a creches governamentais, há apenas a creche comunitária “Casinha da Emília”, que não atende à demanda. Está situada à Praça do Topógrafo s/nº. Há ainda duas creches particulares, Aladim, na Avenida dos Funcionários e Arco Íris de mel na Rua Dr. Augusto Figueiredo, nº. 91/101. Dentro de Vila Aliança somente estão situadas as Escolas Municipais Rubem Berta e a Marieta Cunha da Silva, tendo esta com o mesmo nome, mas em horários noturno funcionando no prédio da Escola Municipal Rubem Berta, para o ensino médio (Colégio Estadual Marieta Cunha da Silva). Segundo a pesquisa do CIESP já citada, a trajetória escolar dos jovens em Vila Aliança é pautada por grande descontinuidade. Muitos jovens têm trajetórias escolares intermitentes, há entradas e saídas múltiplas. Em alguns casos, são jovens que param muito cedo de estudar e tentam hoje recuperar o tempo, ou jovens que abandonaram a escola porque esta distante do domicílio e voltam depois de cursar em um lugar mais perto de suas casas. Através das entrevistas com jovens de diferentes per-


fis a pesquisa observou que a vinculação com a escola pode ser frágil e pouco efetiva, marcada por extrema instabilidade. As motivações do abandono vão do discurso mais comum, o trabalho, até soltar pipa, passando por ter cansaço da escola. Adicionalmente, e não sabemos até que ponto isso é um elemento para impulsionar o abandono, há uma desconexão, entre características da população jovem local e as exigências das escolas. Um exemplo é o relato de um jovem: “Teve um dia que eu fui expulso da sala de aula porque eu não tinha tênis para ir ao colégio. Aí eu tive que ir de chinelo e fui expulso. Aí eu falei com a diretora, que ia comprar...que ia de chinelo para comprar um tênis, ia guardar o dinheiro para comprar um tênis, só que ela não aceitou. Aí mesmo eu parei de estudar.” A pesquisa ainda apresentou que para os jovens e as jovens terem alguma renda, para ajudarem em casa ou terem seu próprio dinheiro, tende a haver evasão escolar, seja pela rotina de trabalho, seja pela exaustão. A maternidade das jovens mulheres (o que não aparece como problema para a escolarização dos jovens homens) traz dois aspectos: a dificuldade de ter com quem deixar o filho e o constrangimento que algumas ficam depois de voltarem à escola depois de engravidar. Uma das jovens entrevistada tem uma trajetória bastante representativa do universo de jovens moradoras que enfrentam dificuldades para manter sua escolarização devido à ausência de suportes comunitários às jovens mães. “A minha mãe até pensou que eu pararia de estudar porque eu engravidei no final do segundo ano, aí terminei no terceiro ano, quando voltei pro colégio, tive neném em abril, voltei pro colégio a minha filha tinha 28 dias, aí até minha mãe achou que eu pararia, falou que eu não teria forças pra continuar, só que eu fui até o fim, não parei não...No começo foi um pouco difícil né? Mas eu tinha a minha comadre, que é a madrinha da minha filha que, nos primeiros 28 dias não teria como eu ir pro colégio aí ela trazia os trabalhos que os professores passavam, eu fazia em casa e ela retornava pra mim. Após esses 28 dias a minha tia levava a minha filha no colégio pra eu poder dar mamar a ela, aí a diretora liberou porque eles queriam me dar quatro meses de licença, só que eu poderia perder a prova e ficaria inviável, eu preferi voltar para o colégio e levar a minha filha para poder tá amamentando no colégio”. (Jovem, 22 anos de idade. Mulher.)

Algumas iniciativas como o Projeto Escola Aberta têm tentado criar mais um interface entre espaço de Educação formal, os jovens e a comunidade, promovendo aos finais de semana atividades culturais e esportivas, desenvolvidas por facilitadores locais.

Escolas VILA ALIANÇA • Escola Municipal Rubem Berta - Ensino Fundamental • Escola Municipal Marieta Cunha da Silva Ensino Fundamental • Colégio Estadual Marieta Cunha da Silva (ensino médio) funcionando em horário noturno no prédio da Escola Municipal Rubem Berta. NOVA ALIANÇA • Creche Municipal Professora Regina Maria da Matta Montezano; • Creche Municipal Nova Aliança. ESTRADA DO TAQUARAL • CIEP Olof Palm - Ensino Fundamental • CIEP Gilberto Freire - Ensino Fundamental • CIEP Rubem Braga - Ensino Médio CONJUNTO TAQUARAL • E.M. Casinha da Criança Taquaral • E.M. Edison Carneiro • E.M. Austregésilo Athayde (provisoriamente no prédio da Edison Carneiro) novo prédio está sendo construído no Bairro São José. • Está em sendo concluída a obra da Creche que não tem nome definido, mas será inaugurada em 2010.

Constata-se que poucos projetos são destinados a jovens no que diz respeito à educação e cultura, os que existem não levam em consideração as diferenças, adversidades e características encontradas na região. 25


ESTRADA DO ENGENHO • CIEP Maestrina Chiquinha Gonzaga - Ensino Fundamental • Colégio Estadual Bangu - Ensino Médio CORONEL TAMARINDO • Escola Municipal Pracinha João da Silva Ensino Fundamental • Colégio Estadual Prof. Daltro dos Santos Ensino Médio CONDOMÍNIO COLINAS DO RETIRO • Escola Municipal Ayrton Senna - Ensino Fundamental SENADOR CAMARÁ • Escola Municipal Sampaio Corrêa - Ensino Fundamental e PEJA Na Vila Aliança nunca houve investimentos governamentais no segmento cultural, em contra ponto notamos a grande quantidade de equipamentos culturais na Zona Sul do Rio de Janeiro, e insuficiência de opções em relação à Zona Oeste. Neste sentido há uma grande dificuldade ao acesso a esses equipamentos, sobretudo, à distância, gastos financeiros e informações. Existe a forte presença de Organizações Não Governamentais, que utilizam as atividades culturais como ferramenta para o desenvolvimento do trabalho social com crianças, adolescentes e jovens. Através da dança étnica, grafite, dança de rua, percussão, fotografia, teatro, biblioteca, etc. Fazendo com que aos poucos a Vila Aliança tenha a cultura implementada em seu cotidiano. Essas iniciativas contam com o apoio e divulgação da TV Comunitária BEG TV, Rádio Inovasom FM, Rádio Clube FM e Rádio Life, dando mais visibilidade as ações culturais promovidas pelas instituições na localidade. Na Vila Aliança houve movimentos culturais que marcaram a sua história como as manifestações folclóricas: Blecota, Frevo Mulher, Brechó, festa junina da Igreja Católica Paróquia Menino Jesus de Praga, festa Junina da Praça do Aviador e o Bloco Carnavalesco Boêmios de Vila Aliança. Estes eventos mobilizavam toda a Comunidade do final dos anos 70 até o início dos anos 90, sendo que a Frevo Mulher atua até hoje com sede em Duque de Caxias e a Igreja Menino Jesus de Praga retornou seus festejos Juninos com o Grupo Panela Velha de terceira idade. Tais instituições folclóricas, eram muito solicitadas em diversas comunidades de dentro e fora

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do Rio de Janeiro, como podem ser constatadas no livro “Guimboustrilhos” de Ney Lopes, sobre os Subúrbios das linhas férreas do ramal Santa Cruz. Atualmente o Boêmio de Vila Aliança é sede dos bailes funks e no Carnaval de 2010, promoveu em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro, RIO TUR , “O Carnaval da Paz”, animando muito os moradores. Como já mencionado, a Vila Aliança não teve um registro único de sua história, por este motivo cabe ressaltar a dificuldade na construção desse diagnóstico, pela ausência de informações e equipamentos públicos culturais locais. Contudo o Centro Cultural A História Que Eu Conto CCHC está coletando dados e depoimentos de moradores mais antigos, com o foco de contribuir para a montagem de um Espaço de Memória, “Retratos de Vila Aliança” e assim fortalecer o sentimento de pertencimento, iniciativa que já esta bastante avançada. As principais atividades culturais disponibilizadas pelo CCHC são: Biblioteca Comunitária “Quilombo dos Poetas”, acervo com mais de 5 mil exemplares, Cine Mais Cultura e a Exposição “O Negro na Cultura Popular Brasileira” do artista plástico e morador Bartolomeu Jr. Em Bangu encontram-se o Cinema do Shopping de Bangu, a Lona Cultural Hermeto Pascoal, que oferece atividades a preço populares.

Bibliotecas e acesso a arte e a cultura • Centro Cultural A História Que Eu Conto Biblioteca Comunitária Quilombo dos Poetas / Oficinas de Teatro, Capoeira, Reforço Escolar, Grafite, Dança de Rua, Cine Mais Cultura, Exposição permanente “O Negro na Cultura Popular Brasileira”. • Projeto Construir - Igreja Batista - Informática, biblioteca, cursos de cabelereiros, dentista, artezanato em biscoat, cursos de inglês, corte e costura. • Núcleo Sociocultural Caixa de Surpresa - Biblioteca, fotografia, percussão, dança étnica, informática, teatro, artesanato, bijuteria, reforço escolar, recreação esportiva, cidadania e alfabetização jovens e adultos. • Projeto Social Ponto Br – Instituto Brasileiro de Inovação em Saúde Social –IBISS - Fotografia, Futebol, Percussão e Artesanato.


• Paróquia Menino Jesus de Praga - Pré Vestibular Comunitário • Associação Recreativa Esportiva de Vila Aliança – AREVA - Dança de Salão

Esporte e Lazer Em Vila Aliança a grande predominância na parte esportiva é o Futebol, que também fez história com a construção da Associação Recreativa Esportiva de Vila Aliança (AREVA) em 1960, onde reuniam grupos que organizavam jogos nos campos de futebol conhecidos como Areva e Sucata ou Beira Rio e promoviam excursões para diversos lugares do Estado do Rio de Janeiro e fora. Com expansão das ocupações para moradia, esses campos forma extintos, atualmente os jogos são realizados principalmente na quadra na Praça do Aviador e adjacências. Na Quadra também é desenvolvido o Programa Esporte e Lazer da Cidade (PELC), (Ministério dos Esportes e Prefeitura do Rio de janeiro). O PELC também é realizado na Associação de Moradores Pro Melhoramentos de Vila Aliança junto ao Salão de Festas Anne’s e compartilhado com outros espaços físicos do Complexo de Vila Aliança e Senador Camará oferecendo atividades de futebol, Judô, Jiu Jitsu, Dança, Academia Popular, Artesanato, etc. Contudo, existe a falta de investimentos e estrutura governamental ao acesso a outras modalidades esportivas, como: Vôlei, Basquete, Skate, entre outras. O Cultural A História Que Eu Conto em parceria com o Centro de Capacitação de Desenvolvimento Social (CCDS), implantou em sua sede o Programa Pro Jovem Adolescente - PJA. O PJA é um Programa do Governo Federal de Políticas para a Assistência dos adolescentes e suas famílias, principalmente os que recebem Bolsa Família. Além do Centro Cultural A História Que Eu Conto, a Associação de Moradores do Taquaral e o Centro Comunitário de Defesa da Cidadania (CCDC), também efetivou esta parceria. Em suas sedes são oferecidas as atividades de Esporte, Teatro, Grafite, Estamparia, Dança de Rua e Orientação Social para o Trabalho. Como opção de lazer, a Praça do Aviador é o ponto de encontro dos moradores, principalmente aos finais de semana, onde são realizados eventos, como: Charme na Praça, reunindo artistas de dança de rua e a adeptos dos bailes Black dos anos 80, encontro evangélico, entre outras. Outra referência de lazer é o baile funk, que acontece no Boêmio de Vila Aliança, a grande concentração de moradores que se reúnem, promovendo churrascos e pagodes na casa de amigos e familiares.

Pouco se pode falar de esporte e lazer dentro da Vila Aliança, visto a precariedade dos equipamentos culturais e esportivos disponíveis, constata-se que estes são restritos e insuficientes. Outro ponto importante que vem sendo percebido é a entrada de Organizações Não Governamentais que também utilizam os esportes como uma abordagem para o desenvolvimento do trabalho social. • ONG Educação Integrada Craques da Vida - Futebol • Projeto Esporte e Lazer na Cidade – Ministério dos Esportes - Prefeitura Municipal Terceira Idade, futebol, Judô, Jiu Jitsu, Dança, Academia Popular, Artesanato. • Projeto Construir - Futebol. • Semente do Amanhã - Futebol. • Centro Cultural A História Que Eu Conto - Terceira Idade, Skate.

Religião Segundo a Pesquisa do CIESP, em relação à religiosidade, um dado interessante é a grande presença de igrejas neopentecostais, foram contabilizadas mais de 40 nas localidades de Vila Aliança e adjacências. Embora não seja o território de apenas uma das igrejas, a região se caracteriza por grande número de igrejas neopentecostais, em especial as de pequeno porte que se instalam dentro das comunidades de baixa renda da região. A força se mostra pela capacidade com que os líderes religiosos conseguem se transformar em lideranças políticas. Existem outros templos religiosos, como: Igreja Católica, Religião Afro Brasileira, Testemunha de Jeová, entre outros, mas não com a mesma evidencia que as Evangélicas. Na Vila Aliança foi constatada a presença de: • 3 Igrejas Batistas; • 16 Assembleias de Deus; • 1 Templo de Testemunhas de Jeová; • 1 Igreja Universal do Reino de Deus; • 4 Templos de Religião Afro brasileira.

Assessoria Jurídica É extremamente precária a situação de acesso à Justiça em Vila Aliança. Foi detectado apenas um posto avançado da OAB na região do Taquaral, bairro adjacente, que atende a vara de família (Associação de Moradores do Conjunto Taquaral - AMOTAL).

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A Vila Aliança conta com Associação Pró Melhoramento de Vila Aliança, fundada em 1968, atualmente presidida pelo Sr. Ricardo Ananias. Não existe em Vila Aliança qualquer projeto de mediação de conflitos. Quanto a violações de direitos, não contam com um serviço de recebimento de denúncias. Em reunião da Comissão de Direitos Humanos da OABRJ foi proposta a instalação de um posto avançado da Ordem para tratar de violação de direitos, porém não se tem notícias de quando será implementado.

Segurança Pública A Vila Aliança nos últimos anos passou a ser evidenciada pelas grandes mídias devido às constantes operações policiais, uma delas ganhou destaque nos noticiários internacionais, por se tratar de uma verdadeira caçada humana. Como em diversas comunidades há a presença do tráfico de drogas. Segundo a pesquisa do CIESP, as incursões policiais se tornaram frequentes a partir de 2007, na gestão do secretário de segurança José Mariano Beltrame, que adotou a chamada “Política de Enfrentamento”. A escolha foi fazer incursões de grande porte nas Comunidades do Rio de Janeiro para prender lideres do tráfico. Com isso a Vila Aliança local de enfrentamento constante e os moradores passaram a viver com maior regularidade situações de conflito. Todo esse movimento prejudica diretamente os moradores, pois muito não podem sair para trabalhar, as aulas e o transporte são automaticamente suspensos. Contribuindo com a perda do sentimento de pertencimento e influenciando a autoestima dos moradores. Muitos moradores são reprovados nas entrevistas para o mercado de trabalho, simplesmente pelo lugar de moradia. A sensação de insegurança por parte dos moradores é grande, devido ao grande número de pessoas atingidas por “balas perdidas”. No início de 2010, por determinação da Secretaria de Estado de Segurança Pública, o Posto de Policiamento Comunitário de Vila Aliança foi desativado, o local atualmente encontra-se vazio, sob reivindicação de um projeto social para servir como sua sede. Vila Aliança encontra se na área de abrangência do 14°(Bangu) Batalhão de Polícia Militar, que mantem na Avenida dos Funcionários, frente à praça do Aviador, um Posto Policial Comunitário. A delegacia de Polícia

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Civil responsável pela atuação no território é a 34ª DP em Bangu, localizada na Rua Sabogi, 51. Em 2009, a Vila Aliança e Senador Camará foram contemplados como áreas PRONASCI, o Programa Nacional de Segurança com Cidadania, uma política pública implementada pelo Ministério da Justiça através das Secretarias Municipais, porém, não há previsão de quando será iniciada. Será um investimento milionário que compreenderá a saúde, educação, cultura, esporte e lazer, infraestrutura, etc.


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Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos - RedeCCAP Equipe local de elaboração: Fernando Luis Monteiro Soares, Rachel Barros de Oliveira, Daniele Oliveira, Leonardo Sobral de Jesus, Nathália Marcelino Custódio, Larissa Lina Pinheiro, André Luiz Teodoro

Manguinhos: passado e presente Os primeiro registro histórico1 que encontramos de ocupação permanente para fins de moradia de pequenas comunidades humanas da região de Manguinhos nos leva ao período de decadência do latifúndio monocultor da cana-de-açúcar e do café, que se estendia pelas planícies da região norte da cidade do Rio de Janeiro em direção à baixada fluminense, e ao processo de abolição da escravidão2. No entanto, como esta era uma região de manguezais, ricos em biodiversidade, era utilizada por grupos sociais que habitavam em seu entorno, desde antes de 1500, pela população nativa (indígena) - dizimada desta região pela colonização européia -, por ex-escravos fugidos e libertos e migrantes pobres de outras regiões da cidade, do estado e do país. Os manguezais eram uma extensão de seu habitat, em atividades de caça, pesca, extrativismo e produção artesanal de utensílios, a partir de recursos de sua fauna e vegetação. O processo de adensamento populacional desta região tem início no período de crise do modelo latifundiárioescravista e de início do processo de industrialização do país, mas, conforme o Instituto Pereira Passos, este processo de ocupação tem um marco inicial na expulsão dos jesuítas de Portugal:

1. Encontramos em Machado de Assis, referência ao deslocamento do engenho pequeno para a região de Manguinhos, no Morro da Titica ou do Azul (localizados no bairro do Jacaré). 2. Morros dos pretos-forros.

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“os primeiros loteamentos desta região, no entanto, datam de fins do século XVIII, com a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, a partir de setembro de 1759. O Engenho Novo dos jesuítas foi desmembrado em chácaras e propriedades rurais e, posteriormente, foram abertos arruamentos. Grandes proprietários como Paim Pamplona e Adriano Müller lotearam o Jacaré fazendo surgir as ruas principais: Dois de Maio e Lino Teixeira” A implantação da estrada de ferro Leopoldina Railway3, na década de 1880-90 representou o início do aterramento de diversas regiões da baixada fluminense, entre elas, dos manguezais do estuário de Manguinhos. Período em que a expansão urbana e demográfica da cidade imperial do Rio de Janeiro utilizava estas regiões estuarinas para aterros sanitários. A literatura também registra a existência de estabelecimentos de corte e beneficiamento de couro animal nas imediações de Manguinhos, com direcionamento do cortume (subproduto tóxico) para seus mangues. Nesta época, também os esgotos domésticos eram levados em grandes barris para serem lançados na ‘vala’ por escravos ‘mascarados’, reconhecidos como ‘Tigres’4. Os Aterros sanitários e viários provocaram conflitos 3. A estrada de Ferro Leopoldina Railway, concessionária da The Rio de Janeiro Northern Railway Company, empresa privada de capital inglês - cujo primeiro nome é uma homenagem à princesa D. Leopoldina, era a primeira concessão para uma estrada de Ferro que, partindo diretamente da cidade do Rio de Janeiro, alcançasse a região serrana de Petrópolis. Concedido em 4 de novembro de 1882, pelo decreto nº 8725 a favor de Alípio Luis Pereira da Silva, com privilégios durante setenta anos, tendo sido seus estudos aprovados em 15 de setembro de 1883. Planejada para interligar a capital do império RJ à Petrópolis, onde a família real tinha sua ‘casa-de-campo’, desbravando uma forma de interligar o porto do RJ à região de Minas Gerais. Hoje a ferrovia serve para o transporte de milhares de passageiros por dia entre a Central do Brasil, no Centro histórico do RJ, até Saracuruna, no município de Duque de Caxias, e daí até Vila Inhomirim, no município de Magé. 4.  Estes escravos eram chamados de tigres por ficarem com a pele listrada, “tigradas” pelos dejetos (fezes e urina) que carregavam em tonéis para despejar na Baía, mares e valas, e acabavam escorrendo sobre sua pele.


com os grupos sociais que faziam uso econômico e de subsistência destas regiões alagadiças5. Em 1886, é lançada a Parada do Amorim da Railway, próxima ao Morro do Amorim - de cujo cume se avistava a região estuarina de Manguinhos na entrada da Enseada de Inhaúma. Nos anos que se seguiriam a este, o Morro do Amorim foi ocupado pelos trabalhadores que ergueram o Instituto Soroterápico Federal, com sede em um ‘Castelo’, idealizado pelo sanitarista Oswaldo Cruz, de estilo mourisco, inaugurado em 1901, atualmente dedicado ao ensino, pesquisa, desenvolvimento tecnológico e produção em Saúde, como Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz. A mudança de escala populacional, dos milhares para a casa dos milhões de habitantes urbanos da cidade, com a ampliação da tendência capital-industrial à concentração populacional, se deu a partir do final do século XIX, como condição do processo de seu revocacionamento econômico-social, agrárioindustrial, conjugando a imigração, principalmente dos sertões de Minas Gerais e do nordeste do Brasil, pelo processo de expulsão destas populações do campo, como ‘inclusão forçada’ ao projeto de modernizaçãoindustrial do país. Ao longo do século XX, há registros de fluxos imigratórios expressivos, nas décadas de 1900-1920, período em que é instalada na região do entorno de Manguinhos (Jacarezinho) a antiga Fábrica Cruzeiro, da General Eletric. Nas décadas seguintes, também registramos fluxos imigratórios, mas, o fluxo mais expressivo de urbanização da população do campo para as grandes cidades acontece a partir das décadas de 60-70, a partir do mandato do presidente Juscelino Kubitschek (JK). É nesta década que algumas das principais comunidades de Manguinhos serão assentadas: Parque João Goulart, Vila Turismo e CHP2. Segundo os Censos Demográficos de 1960 a 1991 e a Contagem da População de 1996 do IBGE, entre 1960 e 1996, a população urbana no país irá saltar de 44,67% para 78,36%. Na região sudeste do país, em 60, a população urbana já representava 57% do total. Na região nordeste, a mais rural do país, neste mesmo ano, este percentual era de 33,89%. O maior

salto quantitativo do percentual de urbanização da população do sudeste, nesta série histórica, se dá entre as décadas de 60 e 70, de 57 para 72,68%, um crescimento de 15,68%. Nas décadas seguintes, este crescimento irá variar de forma decrescente, cerca de 10% (70-80); menos de 6% (80-90) e menos de 1% (9196), chegando neste último ano a 89,29%. As grandes obras de urbanização e de aterramento desta região - construção do Aeroporto de Manguinhos e da Avenida Brasil6 - concretizaram o modelo de desenvolvimento desta região, como parte importante do projeto industrial brasileiro. Estes grandes empreendimentos também motivaram a ocupação desta região. Na década de 1940, ocorre a ocupação de área de várzea, entres os rios Faria-Timbó e Jacaré, dando origem a comunidade Parque Carlos Chagas ou Varginha. O adensamento populacional desta região seguiu o processo industrialização e expansão urbana da cidade. A partir da década de 1950, ocorre o início da ocupação da comunidade de Vila Turismo em Manguinhos, para abrigar moradores removidos devido à remoção das famílias que habitavam em área portuário do bairro do Cajú e das dez ilhas litorâneas da Enseada de Inhaúma, para o seu aterramento e construção da Cidade Universitária da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Nos anos 60, ocorreram os assentamentos do Parque João Goulart, entre a linha férrea e do Rio Faria-Timbó, e do Conjunto Habitacional Provisório 2 (CHP2, como é reconhecido), devido a remoções de áreas enobrecidas da cidade como a Praia do Pinto, na Gávea, e da Favela do Esqueleto (para a construção da Universidade do Estado da Guanabara, atual UERJ), promovidos pelo Estado. Nas décadas de 60 e 70, esta região experimentou um intenso processo de industrialização, que também motivou um intenso processo de ocupação populacional, principalmente por parte dos segmentos de mais baixa renda, que eram levados a ocupar as áreas mais desvalorizadas como regiões alagáveis, junto às margens de rios e da linha férrea, próximas a aterros sanitários, da tubulação adutora de água da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) e

5.  “(...) as obras da construção da ferrovia exigiram extensos aterros, dificultando a drenagem de uma região pantanosa, onde florescia a tabôa, fonte de renda de uma população escassa que se limitava a extraí-la para confecção de esteira e lenha para fabricação de carvão”. In: Peres, Guilherme. Estrada de Ferro Leopoldina Railway.Ed. Instituto de Pesquisa e Análises Históricas e de Ciências Sociais da Baixada Fluminense (IPAHB). http:// www.ipahb.com.br/transpor.php. Consultada em 24 de abril 2010.

6.  A obra de construção da Av. Brasil foi iniciada em 1939 e inaugurada em 1946. Um dos principais projetos que concorreu para a definição dos rumos desta obra, está o de autoria de Jorge Macedo Vieira, em que ele cita, já em 1927, a existência do Bairro Industrial de Manguinhos, e defendia o trajeto da Avenida pelo litoral, contrariando as teses que defendiam o trajeto pelo interior.

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das linhas de transmissão de energia elétrica de alta tensão. A partir da década de 80, esta região da cidade começa a sofrer processos de desindustrialização que continuam até a atualidade, o que não correspondeu, no entanto, a uma redução do volume de imigração campo-cidade de outros estados e do interior do estado para a região metropolitana do RJ. Ao contrário da tendência percentual de queda da taxa de urbanização, o volume quantitativo é crescente7. Seu percentual representativo é que cai, devido a relação entre as escalas linear (percentual, representativa) e volumétrica (quantidade concreta). A região de Manguinhos registra um crescimento continuado e acelerado de sua população também nestas últimas décadas de 80, 90 e 2000-2010. O processo de expansão demográfica do território de Manguinhos, apesar do quadro de descapitalização e desemprego acentuados, apresenta, entre os Censos de 1991 e de 2000, um das maiores taxas de crescimento vegetativo da cidade, cerca de 20%. Nota técnica do Censo IBGE 2000 explicita a dificuldade em recensear áreas sub-normais, e que, no caso de Manguinhos, este Censo não considerava comunidades recentemente ocupadas, como a comunidade de Mandela de Pedra, a mais vulnerável e a mais populosa comunidade de Manguinhos. Entre 1991 e 2000, a população do bairro Manguinhos, reunia 10 comunidades8 e tinha entre 30 e 40 mil habitantes. Hoje, estimamos, esta população deve ficar entre 40 e 50 mil habitantes. Atualmente, o Complexo de Manguinhos reúne 14 comunidades9, e sua população pode ser estimada em torno de 50 e 60 mil habitantes. Com base nos dados, incompletos, do IBGE, o bairro de Manguinhos foi classificado entre os sete menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os bairros da cidade. Outras áreas de Manguinhos, até então inóspitas, serão ocupadas para reassentamentos de vítimas do rompimento de tubulação adutora da Cedae, entre outros removidos de áreas de risco da cidade, de enchentes, formando as comunidades de Nelson 7.  Alentejano, Paulo. Apresentação para evento da Campanha pela Limitação do tamanho da Propriedade da Terra no Brasil, na ENSP/Fiocruz. 8.  Vila Turismo, CHP2, Parques João Goulart, Oswaldo Cruz (Amorim), Carlos Chagas (Varginha), Nelson Mandela, Samora Machel, Embratel, Vitória de Manguinhos (Conab) e Mandela de Pedra. 9.  Incluindo comunidades contíguas e com afinidades sócio-históricas situadas em outros bairros como a Comunidade Agrícola em Higienópolis e a Vila São Pedro em Bonsucesso, a CCPL e a Vila União (e Ex-combatentes), em Benfica.

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Mandela e, de moradores que moravam na beira do Rio Jacaré, originando o conjunto habitacional Samora Machel, na virada da década de 80 e início dos 90. Novas comunidades surgem, entre os anos 90 e o início do século XXI, da relação entre crescimento populacional, adicionado ao contingente de êxodo rural, e a desativação de grandes plantas industriais, em uma área de alta densidade por área habitada e alta taxa de crescimento vegetativo10. Entre as décadas de 90 e 2000-2010, são constituídas por ocupação: Comunidade Agrícola de Higienópolis e Vila São Pedro, localizadas entre as margens do Rio Faria-Timbó e o entrocamento das Av. dos Democráticos, Rua Uranos e Linha Amarela; Novo Mandela, ou Nova Era, nos galpões desativados da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel); Vitória de Manguinhos, nos ‘silos’ da extinta Companhia Nacional de Abastecimento (Conab); CCPL na planta de ensacamento de leite in natura da Cooperativa Central dos Produtores de Leite (CCPL); e Mandela de Pedra, a comunidade mais populosa de Manguinhos, imprensada entre a central de distribuição da Empresa Brasileira de Correios, o Canal do Cunha e a Refinaria de petróleos de Manguinhos. Esta dinâmica de ocupação heterogênea, no tempo e dos espaços, vem forjando um sistema complexo de relações sociais em que encontramos 16 associações de moradores, cerca de sete dezenas de organizações sócio-comunitárias, entre as mais de 40 igrejas, creches comunitárias, cinco grupos educativos (dois de alfabetização, três de Educação de Jovens e Adultos-EJA e três pré-vestibulares), cinco organizações e/ou grupos culturais como a GRES Unidos de Manguinhos, dois grandes grupos de danças juninas, dezesseis grupos esportivos, principalmente times de futebol amador, mas nenhum clube social poliesportivo e cultural11. Existem quatro características fundamentais que determinam a composição social da população de Manguinhos. Três delas estão imbricadas diretamente: 1. Sua origem etno-histórica, que perpassa o encontro e a miscigenação entre populações nativas (caiçaras e extrativistas), escravos e ex-escravos afrodescendentes, com as migrações promovidas pelo 10. Acreditamos que esta taxa de crescimento vegetativo pode ter sido tendencialmente inflada devido a dificuldades no reconhecimento do contingente populacional que tem origem no êxodo rural 11.  Apesar da inauguração de um centro poliesportivo no âmbito do PACManguinhos, a sua gestão social deste ‘ainda’ não está integrada à dinâmica sócio-comunitária.


processo de proletarização/urbanização advindas dos sertões mineiros, nordestinos e das regiões norte, noroeste e sudoeste fluminense, que vêm compor a força-produtiva e/ou de reserva do processo de industrialização do país; 2. Sua composição etária é majoritariamente juvenil. Cerca de 20% da população tem de 0 a 14 anos. O que conjuga alto índice de crescimento vegetativo (20%) e um baixíssimo índice de expectativa de vida. Estes dados reapresentam a juventude como vítima preferencial da violência institucionalizada e dos processos de criminalização da pobreza para a reprodução do sistema capitalista belicista e o controle social punitivo destes segmentos populacionais; 3. A diferença na composição de gênero, entre mulheres, 52,7% da população, e homens, 47,3%, segundo o Censo Manguinhos 2009/10, é de quase 6%, o que corresponde a mais de 3 mil mulheres a mais do que homens na comunidade. Na linha de evolução etária, na faixa de 0 a 14 anos, existe uma equilíbrio nesta relação de gênero. Esta diferença aparece de forma mais acentuada no período da juventude, principalmente, entre 15 e 30 anos; Se conjugarmos estas características, percebemos que este desequilíbrio de gênero poderia ser o resultado de um processo de criminalização penal-punitivo e extrajudicial de jovens pobres de Manguinhos. O que também retroalimenta o mercado da prostituição e a tendência à poligamia. 4. O quarto elemento (característica fundamental) reside no processo de cristianização destas comunidades. Sinteticamente, vamos restringir o escopo histórico da análise, às cinco últimas décadas (1960-2010).

A perseguição contra os grupos afroreligiosos é um fator histórico determinante da formação sócio-comunitária contemporânea de Manguinhos.

Nela encontraremos informações fundamentais para o reconhecimento sócio-comunitário de Manguinhos. Comecemos pela expansão demográfica do apostolado católico, nas décadas de 60 e 70, principalmente, nesta região e dos bairros-proletários de então. Um dos assentamentos desta década, na localidade conhecida como Beira-Rio (sub-localidade da comunidade João Goulart situada entre o Rio Faria-Timbó e a linha férrea), têm nomes de santos católicos em todas as suas ruas e becos. Neste período, a Igreja Católica através da Fundação Leão XIII, em associação com o Estado12, a Igreja Católica realizava a gestão das ‘políticas civis e sociais’, desde o registro civil de nascimento à política dos Conjuntos Habitacionais Provisórios13 para removidos, retirantes e reassentados, do processo de gentrificação capitalista da cidade do RJ. Em dezembro de 1960, assinada pelo arquiteto Oscar Niemayer, foi inaugurada a Capela de São Daniel Profeta, pelo Presidente Juscelino Kubitschek e pelo Governador do então Estado da Guanabara, João Sette Câmara em Manguinhos. Os anos 80, combinando o início do processo de desindustrialização, desemprego estrutural e a ‘redemocratização do país’, abriram a possibilidade de atuação das Comunidades Eclesiais de Base – CEB, em uma perspectiva ecumênica, o que foi determinante para a resistência da instituição católica no bairro. O período de avanço demográfico das correntes evangélicas corresponde ao período de hegemonia das políticas neoliberais no Brasil, a partir de meados da década de 80. Todo este período, de 60 até a atualidade, é atravessado por um processo histórico de perseguição e coação contra os grupos afro-religiosos, como processo de massificação, intrinsecamente relacionado ao processo de industrialização do país, e de resistência destes grupos afro. A perseguição contra os grupos afro-religiosos é um fator histórico determinante da formação sóciocomunitária contemporânea de Manguinhos. Existem 12.  Criada pela Igreja em 1947, a Fundação Leão XIII trabalhava com a perspectiva de medidas de médio prazo, que promovessem os favelados, cabendo à Fundação dar assistência moral e material a estes. A Fundação encarava a promoção social dos favelados como uma necessidade premente à urbanização das favelas. Isto significa que, na visão da Fundação, apenas a urbanização não serviria, sendo necessário uma transformação na mentalidade do favelado. No governo Carlos Lacerda, através do Decreto 1041 de 07/06/1962 do governo estadual, a Fundação Leão XIII se tornou um órgão estatal, ainda que operado pela Igreja. In: Brum, Mario 2005. 13.  Conjuntos Habitacionais Provisórios, promovidos na administração de Carlos Lacerda, mas que, ao que nossas pesquisas indicam que já existiam no governo anterior de João Sette Câmara.

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evidências qualitativas da existência, até a década de 80, de mais de uma dezena de templos (terreiros) de cultos afro-religiosos, reduzidos, na atualidade, a duas unidades. Na década de 90, com a eleição para o Governo do Estado do casal Anthony e Rosinha Garotinho e de Benedita da Silva, líderes do movimento evangélico, esta prática se institucionaliza no próprio Estado, através de políticas sociais como o Cheque-Cidadão, em que se promoveu a terceirização da gestão da assistência em uma perspectiva caritativa. A partir do ano de 2003, o Programa federal Bolsa-família começa a romper com esta lógica, de terceirização da assistência, e integra os programas de transferência de renda, associando-os à matrícula escolar, e recebimento do recurso diretamente em agências estatais. Contudo, a integração do Bolsa-Família não comprometeu a hegemonia cultural do movimento evangélico sobre a constituição sócio-política de Manguinhos na atualidade. O que explica, em uma perspectiva doutrinária, da pré-destinação à pobreza, um quadro, de tendência à fragmentação social institucionalizada, desmobilização e conformismo quanto ao modelo de organização econômica, política e social. Na atualidade, o reconhecimento de Manguinhos é heterogêneo e fragmentado, ainda que conforme uma comunidade sócio-histórica, seu reconhecimento, em si, é problemático, complexo e difuso. Diretamente associado a situações de ‘criminalidade’, por mais de 70% de todas as matérias dos jornais pesquisados que mencionam esta região (2007-2010), reconhecida pela imprensa como ‘Faixa-de-Gaza’ em alusão ao confronte entre Israel e a Palestina14. Certas frases são repetidas e reiteradas por pessoas que não se conhecem e em espaços diferentes no cotidiano desta região. Em uma delas, dizer ‘vou lá no Manguinhos’ significa que se vai em outra parte do bairro, mas, quem diz está em Manguinhos e não sairá de seus limites geográficos. Esta formação frasal traduz significados diferentes: como negação do pertencimento do sujeito ao bairro, problematização ou como ‘provocação’ do reconhecimento do outro, conforme o reconhecimento dos sujeitos dos discursos. Neste último uso, o ‘provocativo’, o outro seria uma

14.  O que corresponde a uma área territorial difusa entre os bairros/complexos do Jacaré-Jacarézinho, Maré, Manguinhos e o Complexo do Alemão.

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situação-limite15, ou ‘Coréia’ (como é denominada uma determinada localidade do bairro, no CHP2), o que reproduz situações de extrema miséria e degradação sócio-ambiental, como espaços de solidariedade necessária, em que reconhecemos empiricamente as áreas de maior vulnerabilidade e risco sócio-ambiental de Manguinhos. Os moradores também atestam discriminação quanto ao local de moradia no acesso a emprego. Alguns jovens, estudantes de escolas particulares, principalmente, preferem dizer que moram em um dos bairros do entorno de Manguinhos, temendo serem discriminados. Em nossos relatos de pesquisa, vimos que muitos moradores não conhecem as demais ‘sub-comunidades’ de Manguinhos. Muitos deles se declaram como pertencentes ao bairro Benfica, Bonsucesso, ou Higienópolis. As instituições circunscritas reproduzem esta configuração difusa do espaço. O endereçamento postal codificado pela Empresa de Correios reproduz esta miopia quanto à localização geográfica de Manguinhos, o que também se traduz na dificuldade de reconhecimento dos órgãos circunscritos ao bairro, como Conselho Tutelar, Região Administrativa, Conselho Regional de Saúde, Coordenadoria Regional de Educação. Apesar de detectarmos redes de inter-relacionamento de organizações de Manguinhos e com outras organizações, de fóruns e redes sociais tangenciais e abrangentes, de favelas, de solidariedade, de direitos humanos, campo-cidade, desportivas, religiosas, culturais, a situação que mapeamos é de intensa fragmentação do tecido sócio-comunitário, induzida pela gestão clientelista, autoritária e tecnocrática das políticas públicas, na perspectiva da inserção subalternizada/precarizada de Manguinhos na divisão do internacional do trabalho, no sistema capitalista globalizado, como sub-sistema16 das cadeias-produtivas das indústrias bélica, petroquímica, química, metalmecânica, gráfica, eletro-eletrônica, têxtil e cimenteira/ construção civil, entre outras, como materialização das relações entre as classes capitalistas e as frações de classe dominantes no local, como reprodução de territórios d’exceção. Neste contexto, as políticas sociais em geral assumem um caráter que conjuga uma ‘visão pejorativa de 15.  Esta situação-limite é representada como situação de guerra em que encontramos práticas de prostituição, abuso de drogas, abandono e degradação sócio-ambiental em geral. 16.  Lucchesi. Ivo


povo’, traduzida em uma perspectiva comportamentalfuncionalista destas políticas, e uma perspectiva assistencial-caritativa, como depreendemos da análise do quadro sócio-comunitário de Manguinhos, da relação entre o número de igrejas e demais organizações sociais de Manguinhos, da ordem de 50%, mas também da função histórica exercida pela Fundação Leão XIII e da análise das políticas públicas, de afirmação dos direitos sociais, em Manguinhos.

INFRA-ESTRURA URBANA, ECONOMIA-POLÍTICA, EDUCAÇÃO, CULTURA, TRABALHO e RENDA Perfil de Acesso à Cidade: alta integração relativa e restrita integração concreta A condição de integração urbana da região de Manguinhos é de alta intensidade e de fácil acessibilidade. Ainda que as condições de transportes sejam precarizadas, Manguinhos situa-se nas margens do eixo de desenvolvimento sudeste do Brasil à cidade do Rio de Janeiro, via Av. Brasil. Ela pode ser considerada a espinha dorsal do projeto modernoindustrial brasileiro, pois é cortada por diversas vicinais que a integram à região de Jacarépaguá via Rodovia Expressa (RE) Linha Amarela; à região norteleopoldinense, no ramal ferroviário, ligando à região da baixada fluminense até Duque de Caxias; São Paulo e para a região serrana (Magé, Petrópolis e Teresópolis) e de Minas Gerais; que são interligadas pela Av. Brasil (via Av. Perimetral) e Linha Vermelha às regiões CentroSul da cidade do RJ, e que conformam este corredor industrial rodoviário expresso que recorta a região de Manguinhos. No ramal norte-suburbano da cidade, Manguinhos é delimitado pela: Av. dos Democráticos e pela Dom Hélder Câmara (antiga Suburbana), e pelo traçado da Rua Uranos, cujo asfalto acaba onde começa Manguinhos. Próxima da região do porto comercial e turístico do RJ, na região do Cajú, Benfica e de São Cristóvão (uma das principais sedes históricas do governo imperial), na fronteira da região norte com a região central da cidade. A menos de 80Km de distância dos Aeroportos Internacional, na Ilha do Governador, e Santos Dumont, na Praça XV-Centro do RJ. Na fronteira, pela Av. Brasil, com o bairro Maré, a menos de 30Km da Baía da Guanabara. Ou, conforme estudos do Instituto de planejamento urbano da Prefeitura do Rio de Janeiro (Cavallieri, IPP, 2007):

“Assim a AP 3, primeira zona industrial da cidade, bem servida de meios de transporte, bastante próxima do centro e ela própria com muitos estabelecimentos empregadores de mão-de-obra, ainda detém a grande maioria da população favelada: quase 50%” As condições concretas de precarização destes meios de transporte populares, das classes média e a de baixa renda, são preocupantes. Apesar dos investimentos e modernização, o cotidiano dos usuários destes veículos é muitas vezes indigno, devido à superlotação. Um das piores situações, neste sentido, é a do Metrô. Uma das únicas formas de acesso direto, na integração entre as Linhas 1 e 2 do Metrô, para a região Centro-Sul da cidade. O problema é a superlotação nos horários de maior demanda e o tempo de intervalo muito grande nos períodos de menor afluência de passageiros. Condições que, segundo o Sindicato dos Metroviários, foram deterioradas pela privatização do serviço (concessão privada). Esta integração física precarizada, no entanto, contrasta com uma desintegração sócio-econômica, concreta. A condição de renda é a que melhor caracteriza esta contradição entre a acessibilidade concreta e relativa. O custo mínimo dos transportes (passagens de ida e volta), para reprodução das condições de trabalho, chega a cerca de 20% do salário mínimo por pessoa. O custo da alimentação chega a 50% por família (de até 3 pessoas). Os 30% restantes não serão suficientes para despesas com saúde, educação, cultura, lazer, vestuário e infra-estrutura de moradia. Cerca de 20% da população de Manguinhos têm renda familiar média de até 1 salário mínimo. Outras cerca de 27% têm de 1 a 2 mínimos. 25% têm até 3 mínimos. Mais de 70% das famílias de Manguinhos sobrevivem com até 3 mínimos. Cerca de 1% têm mais de 10 salários. Nesta situação, não é raro vermos reproduzidos relatos sobre os conflitos envolvendo usuários, patrões e trabalhadores dos transportes urbanos. Uns dos personagens mais lendários são os ‘caloteiros’, que vão à praia, ao passeio, ao trabalho, sem pagar passagem, pulam o muro da estação de trem, entram por trás, pulam a roleta, descem pela frente, entre outras tramóias. Estes são perseguidos pelos patrões que contratam tecnologias e empresas de segurança (privada, paramilitar e/ou oficial), com este fim. Este perfil territorial de acesso também reforça a tendência à gentrificação desta região, ainda que, a consequência desta acessibilidade seja um alto índice de poluição da atmosfera-respiratória, alto grau de

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exposição ao chumbo, entre outros, como veremos na parte relativa à Saúde Ambiental.

Perfil de Renda Note-se, no quadro comparativo feito pelo Diagnóstico PDU-Manguinhos, que o número de famílias de Manguinhos sobrevivendo com até um (1) salário mínimo é cerca de 100% maior do que nas outras favelas do Entorno Subnormal (favelas próximas, como a Maré, Jacarezinho, entre outras). Em Manguinhos, como foi dito, este percentual chega a quase 20%, enquanto que, na média entre as favelas próximas a Manguinhos, este percentual é de 11%. Este percentual superior de famílias na mais baixa faixa de renda se reflete em um desequilíbrio proporcional, de razão invertida, em todas as demais faixas de renda, entre 1 a 2 salários, Manguinhos 27%, outros 31%, de 2 a 3, 24 a 26%, de 3 a 4, 9 a 14%, 4 a 5, 5 a 8%, 5 a 10, 6 a 7%, mais de 10 salários, 1 a 2%. O que revela que a condição econômica da população de Manguinhos é pior do que a maioria das favelas de seu entorno. 20% são cerca de 10 mil famílias em situação miserável. 50% são 25 mil famílias em situação de extrema pobreza. 70% são cerca de 35 mil famílias em situação de pobreza. Outros 20% são de classe média baixa, classe D17, na classificação do IBGE. Menos de 10% são de classe média (Classe C). E menos de 1% chega a pertencer aos estratos de renda mais 17.  Bill, MV Quem não tem dinheiro nunca vai pertencer a classe ABC só se for D. As classes D e E são as mais pobres da população. Em Manguinhos elas representam 90% do todo.

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elevados da Classe B, por renda. A presença de uma Classe A, em Manguinhos, se existe, não foi e/ou não é detectável. O Perfil por comunidade que o Diagnóstico PDUManguinhos nos traz também é bem elucidativo. Ele traduz a perspectiva ‘provocativa’ da dinâmica dialética e narrativa sobre a situação do outro em Manguinhos, dos mais ‘necessitados’, de locais muitas vezes proibidos pelas famílias zelosas, mas que se interpõe de forma muitas vezes traumática ao cotidiano de seus moradores, no ranking das comunidades mais pauperizadas vemos o outro Manguinhos: 1. Mandela de Pedra – 35% das famílias tem renda familiar de até 1 mínimo; 72% têm até 2 mínimos; 2. CHP2 – 27% e 53%; 3. Nelson Mandela – 17% e 53%; 4. João Goulart - 26% e 42%; 5. Samora Machel – 14% e 38%. Os 2% mais ‘ricos’ da Mandela de Pedra ganham até 4 mínimos. Este é o topo da pirâmide social desta comunidade – 4 mínimos. A Comunidade Agrícola de Higienópolis (CAH), que pertence ao Complexo, mas não ao bairro Manguinhos, mas a Higienópolis, é a única em que o percentual de famílias com renda de até 1 mínimo é menor que 1%. A CAH também é uma das três comunidades, entre as 11 relacionadas pelo Diagnóstico PDU-Manguinhos, que apresenta percentual expressivo de famílias com renda maior do que 10 mínimos, cerca de 3%, junto com o Parque Oswaldo Cruz (POC) com cerca de 2%, e a Vila União e Conjunto dos Ex-Combatentes, esta


comunidade com mais de 12%. Destas, ao menos o POC e os Ex-combatentes têm um contingente expressivo de policiais civis e militares e militares da reserva e da ativa. O que reapresenta a tese da expressiva composição pública da renda dos 10% de maior renda entre os extratos de renda das comunidades de Manguinhos.

Perfil Educacional, Profissional e Ocupacional de Trabalho e Renda Para garantir a força-de-trabalho para o projeto industrial brasileiro e a própria produção do habitat comunitário, de baixo-custo, várias capacidades técnicas foram requeridas para a industrialização e para a melhoria/adaptação das condições de habitação operária. Uma das características dos trabalhadores de Manguinhos é a politecnia: as diversas capacidades adquiridas no processo histórico de produção social da vida. Esta capacidade, no entanto, não é, muitas vezes, reconhecida. A informação qualitativa reapresenta um enorme contingente de profissionais que não têm comprovação formal de suas capacidades técnicas. Durante duas gerações, da década de 60 até hoje, não havia ou eram muito escassas as possibilidades

de escolarização e formação tecnológica. Muitos aprenderam na prática e/ou de forma auto-didática. Sem este reconhecimento, sujeitos inclusive a diversas formas de desvio de função e exploração do trabalho, acabam restritos às vagas de menor remuneração e de maior rotatividade. Menos de 2% dos moradores de Manguinhos chegaram à universidade. O processo de universalização do direito à educação só começa a ser promovido, nesta região, a partir da década de 80. Ainda assim, permanecem enormes gargalos de acesso das crianças e jovens de Manguinhos à rede escolar circunscrita. O maior déficit de vagas está no 2° segmento do Ensino Fundamental. Para mensuramos este gargalo, com o apoio do Projeto AIPS - Ações Intersetoriais em Promoção da Saúde no Canadá e no Brasil, fizemos uma relação das vagas disponíveis em 2009 para este segmento, nas escolas municipais da 3ª. e da 4ª.CREs, incluindo as escolas que recebem alunos de Manguinhos de outros bairros adjacentes e totalizamos cerca de 1950 vagas. No primeiro segmento, no entanto, existem 4.150 vagas. Uma diferença no número de vagas superior a 100%, um enorme gargalo. O déficit de vagas, no entanto, permeia todos os

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segmentos desta rede escolar. Mas é mais agudo neste segmento. Uma demonstração deste déficit se deu no processo de inscrição de estudantes na recéminaugurada Escola/Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila, construída pelo PAC-Manguinhos, de ensino médio. Preocupada com a baixíssima procura de vagas por estudantes de Manguinhos e sem um diagnóstico da situação, sua diretora foi a campo para compreender o fenômeno. E teve a sensibilidade de perceber o grande contingente de moradores que não conseguiram completar o Ensino Fundamental, devido ao gargalo existente e/ou às péssimas condições de vida e de escolarização. Como efeito da descoberta, conseguiu autorização de seus superiores para abrir turmas de Educação de Jovens e Adultos. No Ensino Médio, mapeamos com o AIPS, 2160 vagas até 2009 e 4.160 a partir de 2010, com a inauguração da Luiz Carlos da Vila. O gargalo, somado às péssimas condições gerais de escolarização, é o que explica o fenômeno de retração da demanda, identificado nesta escola, em um ambiente de déficit de vagas, ou seja, de alta demanda. A maioria das escolas públicas que matriculam alunos de Manguinhos foi construída para Higienópolis e adjacências. A primeira escola pública construída em Manguinhos foi a E.M. Brício Filho, próxima ao Conjunto do Ex-combatentes, inaugurada em 1957. Antes desta, entre as mais próximas de Manguinhos, mas localizadas no bairro de Higienópolis, em 1939 é inaugurada a E.M. Oswaldo Cruz, em 1950, o C.E. Prof. Clóvis Monteiro e, em 1951, C.E. Washington Luiz, ambos de Ensino Médio, todas voltadas para os bairros de Higienópolis e Maria da Graça. Esta última funcionava no turno da manhã para Ensino Fundamental com E.M. Oswaldo Cruz e tarde/noite com C.E. Washington Luiz para o Médio. As creches começam a aparecer em Manguinhos somente na década de 80, como iniciativas do movimento sócio-comunitário, na perspectiva da liberação da força-de-trabalho da mulher. Em 2009 existiam um total de cerca de 730 vagas em 04 creches sócio-comuntárias (345 vagas), destas, ao menos 3 são conveniadas com a Prefeitura (ainda que pese a relação de precarização que rege estes convênios), 3 creches municipais (cerca de 300 vagas) e 3 privadas (cerca de 80 vag). Com o PAC-Manguinhos, entrarão em funcionamento até 2011, mais 3 a 4 creches municipais (EDIs – Espaços de Desenvolvimento Infantil). Elevando o número de vagas para a casa das 1.200 vagas. Permanecerá, no entanto, um déficit maior do que o número de vagas oferecidas.

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O movimento comunitário foi um desdobramento das estratégias de sobrevivência destas mulheres, chefes-defamília ou não, diante da oferta de vagas de emprego, principalmente na indústria têxtil. O movimento comunitário foi um desdobramento das estratégias de sobrevivência destas mulheres, chefes-de-família ou não, diante da oferta de vagas de emprego, principalmente na indústria têxtil. A responsabilidade muitas vezes recaía sobre as avós. Deste contexto emerge o movimento das mães crecheiras. A municipalidade então encampa este movimento. Como o sistema de conveniamento é precarizado, algumas creches acabam tendo que fechar as suas portas por longos períodos de tempo. Como observou a pesquisadora Carla Moura, no Diagnóstico da Educação em Manguinhos, entre 2004 e 2007, houve uma redução do número de vagas disponíveis em creches de 680 para 442, com a redução de mais de 200 vagas em creches comunitárias, de 341 para 115. Principalmente nas fontes primárias, qualitativas, até por falta de informações oficiais sobre evasão escolar, percebemos a depreciação acelerada da qualidade do ensino público (terceirização). A Prof. Clóvis Monteiro teve entre seus estudantes, entes da família do governador do Estado. Hoje, com mais estudantes de Manguinhos do que em suas três primeiras décadas de existência, a escola, no entanto, assiste a um processo de depreciação por falta de investimento público e pela restrição de gestão social democrática da unidade e da rede de educação de Manguinhos a uma perspectiva procedimental. Esta gestão social seria fundamental como estratégia de exigibilidade de direitos e formação para a cidadania de alta intensidade. Em específico, identificamos a inércia da rede como um todo em: Promover a Territorialização/ Subjetivação Coletiva do processo educativo como exercício do direito; Promover formas de Educação Transversal em Direitos Humanos e Educação Ambiental; Promover a horizontalização, em fóruns, conselhos e redes sócio-públicas de Gestão Social da Educação; Promover tecnologias educomunicativas de formação, informação e comunicação (equipamentos e metodologias de trabalho educativo). Esta inércia


reproduz um alto índice de evasão escolar e restrição/ precarização das condições de ensino. Desta forma persiste e continua sendo reproduzido, pela ineficácia da rede de educação, um alto índice de desescolarização. A maior parte das matrículas na Educação de Jovens e Adultos é do gênero feminino, mais de 70%. Uma parte expressiva destas mulheres por situações de gravidez precoce e predomínio de uma cultura machista e sexista. A desescolarização também afeta ao gênero masculino, devido à necessidade de ‘arrumar emprego’ precocemente para ‘ajudar ou sustentar a família’. Ainda são visíveis em Manguinhos situações de trabalho infantil e de exploração do trabalho juvenil. Segundo levantamento da Estratégia de Saúde da Família feito em 2007, entre 10 e 18% das crianças entre 07 e 14 anos de Manguinhos estão fora da escola. O maior percentual é no Mandela de Pedra, com 18,23%, seguido pelo Parque João Goulart com 18,15% e pelo CHP2 com 15,51%. O que representa mais de 1.500 crianças do Complexo de Manguinhos, nesta faixa etária, fora da escola. Em 1997 é implantado o CEFET Maria da Graça, para

atender uma região com grande demanda por ensino médio e formação profissional e em 1985 surge a escola politécnica em saúde com a missão de formar profissionais de nível médio. São escolas públicas federais a que só se tem acesso por concurso público e abrigam um percentual inexpressivo de jovens de Manguinhos. Com o PAC-Manguinhos, emergem as demandas pela ‘qualificação profissional’ da ‘mão-de-obra local’. A

execução de uma política de capacitação profissional que poderia ampliar o acesso dos trabalhadores de Manguinhos a níveis de melhor remuneração nas frentes-de-obras, acabou por reproduzir a lógica da ‘inclusão precarizada’. O PAC, no entanto, deixou uma herança: um centro de capacitação profissional, o CVT – Centro de Vocação Tecnológica, que oferece cursos de capacitação profissional em diversas áreas, visando garantir a satisfação da demanda e desenvolvimento do mercado. A Faetec, fundação estadual responsável pela rede de ensino técnico-profissionalizante, acessada neste processo de negociação da demanda social por qualificação profissional, ofereceu descontos no pagamento das matrículas e mensalidades, e somente em áreas de baixa complexidade. O acesso ao ensino técnico ainda continua restrito. Poucas escolas de Manguinhos, como a Luiz Carlos da Vila e a EPSJV têm infra-estrutura laboratorial de informática, biblioteca, entre outros equipamentos. O déficit de vagas nos sistema escolar e profissionalizante oficial e a degradação das condições de ensino reproduzem uma situação de vulnerabilidade profissional dos trabalhadores de Manguinhos, seja pela falta do reconhecimento de suas capacidades, seja pela falta de oportunidades de desenvolvimento técnicocientífico, seja pela exploração de sua necessidade de sobrevivência e de sua família, como força-de-trabalho ‘desqualificada’ e/ou ‘exército de reserva’. Neste contexto de desemprego, em uma perspectiva de gênero, encontramos milhares de operárias do setor têxtil, que também se desdobram como costureiras, mães-crecheiras, cozinheiras, lavadeiras e passadeiras, funções comumente associados ao campo genérico do trabalho doméstico. Elas circulam a esfera doméstica, passaram um bom período na esfera industrial, hoje também ocupam espaços mal-remunerados na esfera comercial e dos ‘serviços gerais’. Os homens de Manguinhos são eletricistas, pintores, bombeiros, marceneiros, soldadores, pedreiros, técnicos em telecomunicações, telefonia, informática, eletrônica, mecânicos, motoristas. São catadores e catadoras de lixo, são agentes e assistentes da estratégia de saúde da família, ou atuam no ‘terceiro setor’, são copeiras, garçons, jardineiros, diaristas, vendedores ambulantes e atendentes comerciais, são balconistas, ou do mercado do sexo, são terceirizados e não têm, em sua grande maioria, garantia dos direitos trabalhistas (férias, 13°, FGTS e aposentadoria), devido a situação de transitoriedade dos contratos de trabalho e precarização das relações trabalhistas.

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As mulheres formam a maior parte do contingente ocupacional de Manguinhos, 53%, segundo Censo Manguinhos. Nos discursos dos jovens e de muitos participantes dos grupos focais, ouvimos relatos de mulheres que trabalham como empregadas domésticas. Este dado reforça análises como o estudo de Barros (2009) que apontam que o emprego doméstico se configura como a principal forma de inserção precarizada da mulher no mundo do trabalho, em especial para as moradoras de favelas. As mulheres que já residem em territórios estigmatizados, tem a precariedade dos vínculos empregatícios como marca de suas ocupações. As mulheres moradoras de favela têm, então, um destino ocupacional bem marcado. A tabela abaixo mostra como o setor de serviços – e podemos incluir o emprego doméstico nesta classificação – é o setor que mais emprega no complexo de Manguinhos Dados do Diagnóstico PDU-Manguinhos sobre a atividade anterior da população desempregada revela que o maior percentual, quase 20%, está concentrado no item serviços domésticos. A categoria utilizada na

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pesquisa preferiu não caracterizar como emprego doméstico, refletindo o grau de precarização das relações trabalhistas das categorias incluídas neste campo dos ‘serviços domésticos’. Entre as categorias mais vulneráveis à situação de desemprego estão as mais ‘desregulamentadas’ e as menos ‘especializadas’ como: 1. Serviços domésticos, quase 20%; 2. Serviços gerais, mais de 15%; 3. Nunca trabalhou (1° emprego), cerca de 14%; 4. Comércio e vendas, 10%; 5. Pintor, pedreiro, eletricista e mecânico, cerca de 7%. Todos os demais itens: de atividade na indústria, costureiras, motorista e cobrador, serviços de escritório, têm percentual inferior a 4% do total. Somados, não chegam ao percentual apresentado na categoria de serviços domésticos. Na categoria outros, que não chega a 15%, devem estar as categorias mais especializadas e que gozam de menor vulnerabilidade ao desemprego: técnicos em telecomunicações, eletrônica, informática, enfermagem, carpintaria, marcenaria, entre outras funções que têm percentual entre 0 e 1%, no máximo. Muitos trabalhadores, devido à situação de péssima remuneração e condições de trabalho, preferem buscar


a autonomia, ou complementam sua renda montando suas próprias ‘oficinas’ e/ou comércio familiar. Daí emerge uma economia popular com grande potencial de desenvolvimento, na perspectiva da economia solidária, mas subsumida aos circuitos inferiores da economia e sem uma inserção expressiva no mercado abrangente, devido ao império das ‘grandes marcas’. No que diz respeito à coleta de dados sobre a situação do direito à educação em Manguinhos, vale dizer que informações importantes como índices de evasão escolar, a oferta de vagas na rede de ensino ou em determinadas instituições escolares, eram negadas, inexistentes ou omitidas, o que dificultou nossa análise. Já no que se refere à gestão do PAC-Manguinhos� uma das principais críticas dos movimentos sociais foi a falta de acesso às informações sobre o Projeto, como o cronograma de obras, projetos executivos, orçamentos, entre outras, que inviabilizaram a participação qualificada dos atores sócio-comunitários. A taxa de mortalidade infantil de Manguinhos é a mais alta da região norte, 41 por mil nascidos vivos,

que também é alta (23 por mil) em relação à média da cidade (20 por mil), atrás de Manguinhos neste ranking vem Parada de Lucas com 33 por mil e Vigário Geral com 31 por mil. Em relação à expectativa de vida, Manguinhos vêm novamente na frente, com uma média de 57,4 anos. A média da cidade é 65,2 anos e a da região de 64 anos. Depois vêm Vigário e Parada de Lucas com 60 anos. Quanto à renda média da região, 3 salários mínimos, é a metade da média da cidade. Manguinhos, Vigário e Parada: 2 salários em média. 18% da população de Manguinhos é analfabeta, 9% na região norte-leopoldinense, e 7% na cidade. Apena 3,2% dos moradores de Manguinhos têm curso superior, 18,2% dos ‘cariocas’, a taxa da Leopoldina é de 10,6%, uma das mais baixas da cidade.

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Estratégias de Exigibilidade de Direitos, Conclusões e Prognose Os movimentos sociais de Manguinhos têm reafirmado suas prioridades como base em uma leitura críticoemancipatória de sua história. Nossa compreensão, de que a violência deve ser enfrentada pelas políticas públicas sociais de educação, juventude, saúde, equidade, cultura, acesso à justiça e segurança, é reafirmada na leitura das atas das audiências públicas sobre violência e segurança pública, do PAC-Manguinhos e reuniões do Fórum desde 2005. Em janeiro de 2008, o Fórum reafirma as seguintes prioridades: 1. Saneamento básico e ambiental; Habitação Saudável para Todos; participação social como Gestão Democrática. O prognóstico acima vem sendo refinado pelo Fórum, pois a realização dos direitos sociais é determinante para o enfrentamento da violência, como processo histórico de violação de direitos humanos e criminalização da pobreza. Apesar da compreensão crítica do processo coercitivo de ‘ocupação do território pelo Estado’ o movimento social também demonstra a compreensão de que o exercício da cidadania é fundamental para a emancipação sócio-comunitária. Contudo, é preciso reconhecer neste contexto a resistência de práticas e redes de solidariedade que permitem a sobrevivência de uma perspectiva inovadora de organização social da produção, da cultura e de emancipação político-social de seus sujeitos históricos de direitos. Como exemplo, temos o surgimento de formas inovadoras de constituição de espaços, órgãos, fluxos e sistemas de gestão participativa, como a construção do conselho gestor intersetorial do sistema local de saúde (TEIAS, 2009/10 – PCRJ/SMS e ENSP/Fiocruz-FioTec). A constituição de um ‘conselho local/regional de desenvolvimento sóciocomunitário intersetorial’. O protagonismo destes sujeitos é condição para a gestão social participativa e para a eficácia dos investimentos sociais e dos sistemas de direitos. Nosso prognóstico perpassa necessariamente: 1. A promoção das relações de solidariedade social; 2. A promoção de uma esfera pública de planejamento e gestão participativa do presente-futuro deste território por seus sujeitos históricos de direitos, o que também aponta para a necessidade de revisão/constituição/ instituição social/pública participativa do Plano de Desenvolvimento Urbano (PDU) de Manguinhos. 3. A

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exigibilidade e a promoção de uma cultura de direitos. O desenvolvimento territorializado dos sistemas de acesso aos direitos humanos, na perspectiva da gestão democrática, pode deflagrar processos de emancipação política e transformação dos modos de organização da sociedade, do Estado e de produção social das políticas públicas. A identificação deste eixo-estratégico de luta, na perspectiva da exigibilidade de direitos, pela Produção e Gestão Democrática das políticas públicas, emerge como contra-face do reconhecimento desta condição diagnóstica de território d’exceção. Como a necessidade de refundar a esfera pública e ampliar a esfera social sem descuidar do processo interno de formação cidadã, como formas necessárias para o enfrentamento das determinações históricas e sócio-político-econômicas contemporâneas de Manguinhos.

Bibliografia: BRUM, Mario. A Pastoral de Favelas e o movimento comunitário de favelas na Redemocratização. CANTAREIRA – Revista Eletrônica de História. Rio de Janeiro, volume 2 – Número 3 – Ano 3 – dez. 2005 CARDOSO, Adauto L. Vazios urbanos e função social da propriedade. Revista Proposta nº 116. Rio de Janeiro, Fase. Disponível em: http://www.fase.org.br/v2/ admin/anexos/acervo/1_adauto.pdf HOBSBAWM. Eric. A era do Capital: 1848-1875. São PAULO, Paz e Terra, 2009. 14ª ed. KOSIK, Karel. Dialética do concreto. São Paulo: Paz e terra, 1995. MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1955. MOREIRA, Marcelo Rasga; CRUZ NETO, Otavio; SUCENA, Luiz Fernando Mazzei; MARINS, Rogério Santos. Grupos Focais e Pesquisa Social Qualitativa: o debate orientado como técnica de investigação. Revista Ser Social, Brasília v. 9, p. 159-185, 2002. WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo


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