Revista Conceitos - nº 17 | Dezembro 2012

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história, uma vez que o importante é perceber os exemplos de progresso e de bem comuns. O grande esforço de Voltaire, em sua obra historiográfica, é o de lançar luzes no renascimento e no progresso do espírito humano, fazer da razão humana um instrumento com o qual o espírito possa se libertar dos preconceitos, da ilusão e do misticismo e edificar-se como guia da vida do homem social. Essa perspectiva é clara, no início da obra Novas Considerações sobre a História: “Peut-être arrivera-t-il bientôt dans la manière d´écrire l´histoire ce qui est arrivé dans la physique. Lês nouvelles découvertes ont fait proscrire lês anciens systèmes […]” (VOLTAIRE, 1957, p. 46). (Pode ser que logo aconteça a maneira de escrever a história, o que aconteceu na física. As novas descobertas fizeram prescrever os antigos sistemas). Em Voltaire, a História é entendida como uma iluminação, como o esclarecimento que o homem realiza de si, da descoberta da razão como norteadora de suas ações. Uma concepção da razão que nos remete à expressão que Kant (1724-1804) utilizaria mais tarde para designar o comando da razão nas ações humanas: o Aufklärung, que se revela como um processo no qual as pessoas se libertam, por vontade própria, de uma situação de menoridade. Kant faz uso do termo menoridade para se referir à própria opção que as pessoas fazem por aderir ao pensamento alheio para se guiar no domínio da razão. Dessa maneira, o esclarecimento (Aufklärung) é apresentado como uma substancial mudança na relação que se pode estabelecer entre a vontade, o pensamento alheio e a razão.

CONSOLIM, Márcia Cristina. Razão e História em

______. Remarques Sur L´Histoire. In: Ouvres Historiques.

Voltaire. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP,

NRF Gallimard, 1957.

REFERÊNCIAS

uma metrópole organizada. Ele recorda que, no século de Luís XIII, faltavam estradas, as cidades não tinham segurança, o Estado estava falido, e a nação não tinha crédito com outros países. Uma condição deplorável, financeiramente, que havia começado no governo da família de Carlos Magno. Voltaire também considera que falar dos grandes feitos, das glórias e das revelações de talentos implica falar também dos crimes e mal-feitos de seus governantes, bem como da omissão dos povos e dos abusos do clero. Portanto, ao falar de um determinado período ou nação o historiador não pode se furtar a criticar ou defender certas ações ou políticas governamentais, bem como os costumes, para que isso sirva de orientação para outras nações em direção ao seu progresso. Se o historiador apresenta os fatos sem criticá-los, ele poderá contribuir para a propagação de valores e costumes contrários a um povo, para um progresso e para uma ordem civilizatórias. A produção historiográfica de Voltaire visava, sobretudo, contribuir para o estabelecimento de uma ordem moral entre os homens, para a afirmação do bem público e para expor à crítica os vícios e as injustiças cometidos por outras gerações. Ao mesmo tempo, ressalta Consolim (1997, p. 23), ele “[…] perdoa as falhas do caráter do soberano quando suas ações são virtuosas do ponto de vista do bem público”. Justamente porque, para ele, importa menos falar de coisas pessoais de um rei, e mais, de suas ações para o povo e para a nação em geral. Essa perspectiva reforça sua concepção racional em analisar a

1997. ______. Nouvelles considérations sur L´Histoire. In: Ouvres NASCIMENTO, Maria das Graças S. do. Voltaire, a

Historiques. NRF Gallimard, 1957.

razão militante. São Paulo: Moderna, 1993. Coleção Logos.

______. Les Siècle de Louis XIV. In: Ouvres Historiques. NRF Gallimard, 1957.

VOLTAIRE, François Marie Arouet. Dicionário Filosófico. Edição Ridendo Castigat Mores, 1764. Versão

______. Tratado sobre a Tolerância. São Paulo: Martins Fon-

para e Book, e BooksBrasil.com (fonte digital).

tes, 1993. Capitulo XX.

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