Reabilitação psicogeriatrica

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Ramos, A., Fonseca, C., Santos, V. (2012) Role of Nursing In Psychogeriatric Rehabilitation. Journal of Aging & Inovation, 1 (5): 77 - 82

REVISÃO NARRATIVA / NARRATIVE REVIEW

SETEMBRO, 2012

O PAPEL DO ENFERMEIRO NA REABILITAÇÃO PSICOGERIÁTRICA ROLE OF NURSING IN PSYCHOGERIATRIC REHABILITATION PAPEL DE LO ENFERMERO EN LA REHABILITACIÓN PSICOGERIÁTRICA

Autores

Albano Ramos1, César Fonseca2, Vítor Santos3 1

Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Pós-Graduado em Gestão de Unidades

de Saúde,

2

Enfermeiro CHLN*, Investigador UI&DE*, Mestre em Ciências da Comunicação, Doutorando em Enfermagem

Universidade de Lisboa, 3 Enfermeiro Especialista, MsC, Centro Hopitalar Oeste Norte (CHON) Corresponding author: albano-ramos@clix.pt

RESUMO A Clínica de Psicogeriatria Frei Júlio dos Santos é uma unidade de longo internamento da Casa de Saúde do Telhal, onde os enfermeiros assumem um papel importante na reabilitação dos doentes do foro mental e psiquiátrico. Aqui a tónica situa-se sobre a autonomização máxima possível dos doentes mentais, evitando ou desconstruindo a ocorrência hospitalismo, integrando sempre que possível a família e a comunidade numa acção concertada de reeducação, formação, socialização e profissionalização tendo a vista a reabilitação possível dos doentes mentais aqui internados. Palavras chave: Casa de Saúde do Telhal, Reabilitação, Enfermeiro, Hospitalismo

ABSTRACT The Clinic of Psychogeriatry Frei Julio dos Santos is a long term unit home from Telhal House of Health, where nurses play an important role in the rehabilitation of patients in psychiatric and mental forum. Here the emphasis lies on the maximum possible autonomy of the mentally ill, avoiding or deconstructing the occurrence hospitalism, where possible integrating family and community in a concerted action of rehabilitation, training, socialization and professionalization with the view to possible rehabilitation of the mentally ill interned here. Keywords: Telhal House of Health, Rehabilitation Nurse, hospitalism

A população da Unidade de Sto. António da

enfermagem”. 5 (FLAHERTY, DAVIS &

Casa de Saúde do Telhal, agrupa-se de forma

JANICAK, 1995: 143) Os segundos,

genérica, em adultos e alguns pacientes

enquadram-se em grupo muito idêntico ao

geriátricos. O primeiro grupo enquadra-se de

definido pelo mesmo autor 5, como de “ex-

forma semelhante ao descrito por FLAHERTY,

pacientes mentais, que envelheceram

DAVIS & JANICAK (1995:143) “heterogéneo de

(principalmente esquizofrénicos)” (FLAHERTY,

elementos em termos de patologia. Altamente

DAVIS & JANICAK, 1995: 143) na instituição. 5

lábeis e que exibem deficits cognitivos e uma

“O modelo preventivo da saúde pública identifica

baixa tolerância ao stress ou a estimulação.

a prevenção terciária como a redução da

Necessitam principalmente de vidas

deficiência relacionada a um episódio de

estruturadas e de cuidados mínimos de

doença,” (STUART & LARAIA, 2001:275) a

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prevenção terciária, é por conseguinte o

Hospitalidade. A excelência profissional na

conjunto de medidas para reduzir ao mínimo o

prática tem muito a ver com a arte de saber

prejuízo residual da doença “e reinserir os ex-

cuidar, por conseguinte, devido ao princípio de

doentes, no ambiente familiar, profissional e

beneficência um enfermeiro deve antes de mais

social.” (GAMEIRO, 1989; 179)

cuidar em dignidade. 1 Assim é importante

Na prevenção da deficiência em pessoas com

“evitar a segregação, segregação verbal,

doenças mentais serias e persistentes, a

isolamento, (...) já que tudo isso significa a

medicação correcta é importante na reabilitação

negação da reabilitação” (GAMEIRO, 1989:180)

na doença mental, contudo não é o suficiente, já

Contudo quando a segregação é impossível de

que há que providenciar uma faixa completa de

ser contornada, há que limitá-la, “integrando

serviços voltados para a reabilitação, para a

doentes menos deteriorados e pessoal de

independência e para a melhor qualidade de

reabilitação suficiente que os ajude e preencha

vida à pessoa com doença mental. 4

as

Apesar de a reabilitação estar associada a

identificação.”(GAMEIRO, 1989:180) medidas

qualquer episódio de doença, esta surge com

estas, que são procuradas, como filosofia da

uma importância impar em pessoas com doença

Unidade de Sto António.

mental crónica. A reabilitação propõe que as

Aqui o enfermeiro como agente reabilitador,

pessoas com doença mental crónica vivam,

deve ter em si o principio de que é um elemento,

aprendam e trabalhem nas comunidades, assim

na reabilitação, ao ajudar a fornecer ao doente

a reabilitação psiquiatria é uma abordagem

uma “ponte, para ele passar de uma

centrada na pessoa. 1,6

d e p e n d ê n c i a h o s p i t a l a r, p a r a u m a

Tendo sempre em atenção que só um sistema

independência e autonomia social, total ou pelo

de reabilitação “precoce e integral pode resolver

menos, parcial.” (GAMEIRO, 1989:188 e 189)

os problemas relacionados com o

Contudo os enfermeiros tradicionalmente não

hospitalismo” (GAMEIRO, 1989: 179)

estão preparados para a tarefa de reabilitar,

prevenindo-o, e que “a reabilitação dos doentes

apesar de lhe serem indispensáveis, neste

em muitos casos pode e deve começar antes

sentido uma formação teórica, apesar de

mesmo do seu internamento, até mesmo a

importante, é secundária a uma formação que é

evitá-lo” (GAMEIRO, 1989:179). 6 É exigido dos

mais eficaz quando adquirida e avaliada em

enfermeiros, como agentes reabilitadores, que

contexto profissional. 6 Um outro grande

mantenham o seu foco em três elementos

problema que os enfermeiros incorrem, são o

essenciais: o sujeito, a família e na comunidade

risco de por vezes se acostumarem “a trabalhar

e por conseguinte todas as medidas e

em esquemas que são possessivos em grande

intervenções terapêuticas devem ter em conta

parte

esta realidade. 4

reabilitadores” (GAMEIRO, 1989:186) já que o

Contudo quando por várias circunstâncias, isso

exercício dos cuidados na vida quotidiana é

não é possível, surgem instituições de caris

polvilhado por dificuldades muito distintas e

hospitalares. Aqui a qualidade da assistência

porque cada ser humano requer cuidados

funções

e

por

de

isso

figuras

mesmo

de

anti-

prestada é uma das preocupações do cuidar em JOURNAL OF AGING AND INOVATION (EM LINHA) ISSN: 2182-696X / (IMPRESSO) ISSN: 2182-6951

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concretos e personalizados isso impossibilita

O ser humano deve ser cuidado, especialmente

fórmulas e cuidados em série. 1,6

quando atravessa uma situação vulnerável,

No nosso entendimento, o principal

como é o processo reabilitativo, mas deve ser

entrave ao processo reabilitador é o

cuidado de um modo adequado, 3 já que

hospitalismo ou Institucionalismo (GAMEIRO,

reabilitar de uma pessoa humana é cuidar de

1989:187) onde doentes de longos

um sujeito único e singular com uma história

internamentos se tornaram excessivamente

única. 6

dependentes do hospital e incapazes

Reabilitar na nossa óptica vai de encontro à

principalmente por medo, de viverem na

tónica de que não consiste em substituir, ocupar

sociedade. 6 Para evitar o hospitalismo, tal

o lugar do doente ou reduzi-lo a nada, cada um

como defendido por GAMEIRO (1989:187) a

tem o seu espaço natural e o cuidador deve

unidade de Sto António, tem em articulação

promover o outro, na sua autonomia moral e em

entre vários profissionais e familiares dos

ultima análise na sua autenticidade, criticamos

doentes, ensaiado frequentemente licenças de

modelos de cuidar e reabilitar dominadores que

fim-de-semana, licenças de curta e média

reduzem o sujeito cuidado a um mero objecto.

duração do doente na família ou com outros

1,6

cuidadores significativos e os doentes a nosso

O enfermeiro, deverá por conseguinte “adoptar

cargo, têm licença para passear e deambular

medidas [reabilitadoras] de natureza (re)

fora dos limites físicos da unidade e fora dos

educativa, formativa, social e profissional”,

portões casa de saúde do Telhal, 6 procurando

(GAMEIRO, 1989:179) de modo a atingir o

salvaguardar claro, os esquemas terapêuticos

objectivo de reabilitação., já que “todos os

vigentes sejam eles farmacológicos ou outros.

doentes mentais são capazes de um certo grau

Reabilitar requer sensibilidade e técnica, porque

óptimo de reabilitação de modo a permitir o

cuidar de um ser humano constitui uma tarefa

máximo de independência pessoal” (GAMEIRO,

de grande complexidade com muitas variáveis a

1989;179).

ter em conta. 1,6 A tarefa de cuidar o outro

Procurando respeitar a estruturação

vulnerável, como uma pessoa com doença

mencionada por GAMEIRO (1989:179), na

mental, deve ser contemplada, em si mesma,

unidade de Sto. António – Casa Saúde do

como uma acção positiva, contudo devemos ter

Telhal, como terapêuticas reeducativas

cuidado com todas as formas de paternalismo

procuramos a reeducação por parte dos doentes

que podem pôr em causa a liberdade da pessoa

que perderam determinadas capacidades e

com doença mental, 1,6 e devemos sempre

habilidades, principalmente na aquisição hábitos

acreditar nas capacidades dos doentes

de higiene pessoal, higiene oral, higiene das

reabilitados. 6 Tudo isto não é contudo, uma

mãos, vestuário adequado e comportamentos

tarefa fácil, nem arbitrária, necessitando por

de alimentação adequados.

parte do enfermeiro um grande poder criativo e

Na temática da formação, passa principalmente

organizativo, 6 porque o ser humano, é na sua

em fomentar capacidades e habilidades em

profundidade, um mistério único. 2,6

doentes não o demonstram essas mesmas capacidades, passando principalmente hábitos

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de vida saudáveis, hábitos de higiene pessoal e

sempre orientada para o outro e no outro

hábitos e comportamentos de alimentação

(ROSELLÓ, 1999:162). 1

adequados e a aquisição de hábitos de lazer,

Neste sentido reabilitar é libertar o outro dos

muito importantes na quebra do ciclo vicioso do

obstáculos que dificultam o seu processo de

hospitalismo 6.

construção pessoal, capacitando-o de antecipar,

Do ponto de vista de terapêuticas reabilitadoras

prever e superar esses mesmos obstáculos,

socais, procuramos realizar reuniões de grupo,

aqui a educação tem um papel importante já

reuniões de unidade, actividades de lazer em

que cria essas capacidades antecipatórias, 6

grupo de modo a fomentar a interacção social

contudo sem deixar que o doente, neste

entre os vários doentes ao nosso cargo

processo de transformação, se sinta sozinho,

fomentando regras básicas de cortesia e

ajudando-o a viver o choque da readaptação,

investimos bastante na integração da família

articulando-se e servindo de agente catalizador

nos cuidados. 1

conjuntamente com os outros profissionais de

Como medidas de natureza profissional, passa

saúde intervenientes em todo o processo e

bastante pelo pela articulação e incentivo dos

funcionando também como elo de ligação entre

doentes para sua integração e manutenção em

a pessoa com doença mental e a sua família.1,6

projectos que existem nesse sentido na própria Casa de Saúde do Telhal ou em instituições

Referências Bibliográficas:

externas articuladas com a Casa de Saúde do Telhal para esse fim, contudo dentro da própria

1. ROSELLÓ, Francesc Torralba; Humanización,

Unidade, procuramos fomentar nos doentes a

pastoral y ética de la salud – Lo

realização de tarefas individuais ou em grupo

ineludiblemmente humano – Hacia una

para a manutenção e funcionamento da

fundamentación de lá ética del cuidar in revista

unidade, indo individualmente ao encontro das

Labor Hospitalaria 3-99 n.º 253; 1999 Institut

preferências e história pessoal do pessoa com

Borja de Bioètica

doença mental. 1

2. G. BRUCKZUNSKA, Moya J.; Nursing Care;

Reabilitar será antecipar o potencial do outro e

Edward Arnolf, London; Melbourne, 1992

ajuda-lo a actualizar as suas potencialidades.

3. PHILLIPS, S; BENNER, P; The Crisis of care;

Cada um de nós tem as suas potencialidades e

Georgetown University; Washington, D.C.; 1994;

os seus limites, cuidar é assim antecipar o poder

p44.

de ser em cada um dos nossos doentes, e

4. STUART, Gail W; LARAIA, Michele T;

promover essas habilidades e capacidades que

Enfermagem Psiquiátrica – Principios e Prática;

o doente é capaz agora e no futuro. Neste

6ª Edição; Artmed editora; 2001; Porto Alegre;

sentido o enfermeiro enquanto agente

ISBN: 85-7307-713-1

reabilitador, necessita de um enorme poder

5. FLAHERTY, Josheph A.; DAVIS, Jonh M.;

organizativo e criativo já que irá intervir no

JANICAK, Philop G.; Psiquiatria, diagnóstico e

processo reabilitador numa uma tónica de

tratamento; 2º Edição; Artes Médicas; 1995

antecipação, de pré-ocupação e de pré-visão

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6. GAMEIRO, Aires; Manual de Saúde Mental e Psicopatologia, 4ª Edição, Edições Salesianas; 1989; Porto; ISBN: 972-690-187-1

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