Mulher Sem Nome Filho Sem Infância

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P ALAVRAS I NICIAIS

O título deste livro pode parecer estranho, mas também é uma mistura de assuntos. É isso mesmo, o propósito é retratar a realidade das inúmeras esposas de pastores que sequer são conhecidas pelo próprio nome. Parece uma lenda, mas muitos irmãos que estão dentro das igrejas sequer conhecem ou fazem questão de conhecer os nomes das esposas de seus pastores. As esposas dos pastores têm nomes próprios, afinal de contas, possuem registro de nascimento feito pelos seus pais. Mas, na convivência com os demais irmãos das igrejas, seus nomes são substituídos sem o consentimento delas. Sem pedir licença a elas, os irmãos das comunidades pastoreadas pelos esposos costumam chamá-las de “a esposa do pastor”. E quando, com raras exceções, os irmãos se lembram de seus nomes, o sobrenome sempre é pastor. 1.


Ex. Marilice do pastor; Suzana do pastor e assim vai. Por causa dessa atitude, que me parece quase que geral nas igrejas históricas, acredito que muitos pais ficam chateados por saberem que o sobrenome da família é quase inexistente. Você conhece algo desse tipo? É uma realidade constrangedora, não é mesmo? Você é um daqueles que não conhece a esposa do seu pastor pelo seu nome? A que se deve esse tipo de comportamento? Está na hora de reverter esse quadro constrangedor instalado no interior das igrejas. Não espere, comece você chamando a esposa do seu pastor pelo nome, porque omitir o nome dela pode constrangê-la, mesmo que ela não esboce reação alguma. Aqui tratamos também a questão da pressão psicológica e espiritual sofrida pelos filhos dos pastores. Exige-se dos filhos dos pastores uma responsabilidade que, na verdade, não é deles. Estou falando aqui como conhecedor da causa, pois além de pastor, sou filho do pastor Alberto Paca (in memorian) e, 2.


portanto, desde a infância enfrentei esse jugo que, consciente ou inconscientemente, me foi imposto pelos irmãos. Com profunda tristeza devo admitir que sofri inúmeras vezes na pele as injustiças daqueles que, com suas atitudes imaturas, quase me puseram fora da igreja. Digo quase porque não foi nada fácil enfrentar cobranças do ofício de pastor que não era meu. Sendo dessa forma, insisto na mudança do comportamento dos membros da igreja no que diz respeito ao tratamento que se dá às esposas e aos filhos dos pastores. Permaneço firme na igreja e atualmente exerço o pastorado só pela misericórdia do Senhor. Se dependesse das cobranças infundadas de meus irmãos, certamente, estaria longe da igreja. Assim, ao abordar este assunto camuflado no interior das igrejas, proponho-me a trazer reflexões, visando alertar aos membros que inescrupulosamente impõem um fardo pesado sobre esposas e filhos de pastores. A ideia é incentivar a igreja a exercer um importan3.


te papel na restauração dessas famílias que, às vezes, sem merecer, são penalizadas de muitas maneiras. Admira-me que a igreja, como comunidade terapêutica, não tem se esforçado para abençoar as esposas e os filhos dos pastores. Na maioria das vezes a igreja torna-se responsável por distanciá-los de Deus e dos irmãos. Inconformado com esse lamentável tratamento, tomo a liberdade de compartilhar a triste realidade que tem sufocado a convivência da família de diversos pastores espalhadas pelo Brasil e pelo mundo afora. O objetivo é levar líderes e membros em geral a repensar seus conceitos e valores, a fim de evitar esse tipo de comportamento que tem atingido o convívio dos familiares de pastores. Assim, para tornar o assunto plausível, far-se-ão relatos verídicos disponibilizados por pastores, esposas e filhos. Todavia, os nomes desses irmãos e suas respectivas igrejas serão mantidos no anonimato, pois não é objetivo desse autor constranger as pessoas que se propuseram a prestar relevante contribuição. Aliás, 4.


sem a colaboração das mesmas seria impossível a elaboração deste livro. Espera-se que as igrejas, ao invés de ser a fonte causadora de doenças psicológicas e emocionais nas esposas e nos filhos de pastores seja a responsável pela permanência dos mesmos no convívio cristão. O problema existe, portanto não se podem fechar as cortinas de nossos templos e assistir a desgraça das famílias dos pastores. Está na hora de a igreja tirar o véu dos olhos e se dispor a zelar pela família de seus pastores. No demais, a discussão proposta nesta obra jamais poderá ser confundida como o grito de um pastor frustrado e muitos menos ser interpretado como desabafo de um servo tomado pelo sentimento de comiseração. Felizmente, proponho-me a provocar uma reflexão de uma realidade que está presente no interior das igrejas, mas que carece de debate. Sendo assim, não trate essa obra como um mero relato de queixas infundadas. Pelo contrário, sua contribui5.


ção no que tange à discussão que apenas está começando fará a diferença. Em suma, só a conscientização dos irmãos pode livrar as esposas e os filhos dos pastores do fardo pesado a eles imposto, ou seja, ao invés de julgá-los devemos amá-los, pois o ensinamento bíblico alerta: “A ninguém fiquei devendo coisa algumas, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros: pois quem ama ao próximo, tem cumprido a lei” (Romanos 13:8). Boa leitura a todos!

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(1) Um Pastorado Sem o Reconhecimento da Comunidade E não nos cansemos de fazer o bem, porque em pouco tempo teremos uma colheita de bênção, se não desanimarmos nem desistirmos (Gálatas 6:9).

Nas igrejas históricas brasileiras a esposa do pastor não é pastora, a menos que ela tenha feito o curso de Teologia. Em todo caso, não se pode negar que, indiretamente, a esposa do pastor exerça essa função. Infelizmente, além de não receber pelos serviços prestados à comunidade, o esforço dela não tem merecido o devido reconhecimento dos irmãos. É mais cobrada do que reconhecida. Prova disso é quando outras pessoas que prestam algum serviço à 7.


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comunidade são elogiadas e seus nomes mencionados publicamente, o que não acorre com as esposas dos pastores. Em todo caso vale lembrar que toda regra tem exceção. Mas em relação às esposas dos pastores essas exceções são quase raras. Na maioria das vezes os préstimos por elas realizados sempre caem no esquecimento por parte dos que congregam as comunidades pastoreadas pelos esposos. Deve-se admitir que as igrejas, de modo geral, reclamam das esposas dos pastores. Cobram delas responsabilidades que não lhe são inerentes, mas ninguém cogita gratificá-las pelo que fazem. Por que, então, exigir delas uma responsabilidade que é de seus maridos? Por que atribuir-lhes um ofício que não é delas e nem sequer foram preparadas para isso? Agir assim não seria uma tremenda injustiça com as esposas dos pastores? Se as esposas dos pastores são cobradas tal como seus maridos, acredito estar na hora de honrá-las para que a injusta cobrança que pesa sobre elas seja recompensada. A Bíblia ensina: “[...] A quem 8.


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honra, honra” (Romanos 13:7). No demais é bom ressaltar que a esposa do pastor trabalha em dobro. Cuida da casa, do esposo, dos filhos e, nas horas vagas, acompanhar o esposo nas visitas aos lares, aos hospitais, às festas de aniversário quando convidados e nos ofícios fúnebres. No que tange às exigências feitas à família do pastor, o jugo torna-se pesado quando as esposas, sem ganhar por essa função, são cobradas por responsabilidades que não são delas, portanto difíceis de serem realizadas. É interessante reafirmar que, além das cobranças feitas pelos líderes das igrejas, as esposas dos pastores tornam-se alvo de críticas e cobranças dos diversos departamentos. São cobradas pelo departamento de senhoras, dos jovens, dos adolescentes e das crianças. O pior: se a família do pastor mora nos fundos da igreja, muitos insinuam e exigem que a esposa faça os serviços de zeladoria sem que ela receba salário nenhum. É incrível, todos podem

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reclamar de cansaço, menos a família do pastor ou missionário! Quero aqui registrar um fato verídico que se repetia várias vezes na sucessão pastoral de uma determinada igreja. Todas as vezes que se fazia a sucessão pastoral, o departamento de senhoras daquela igreja adotava um estranho método só para avaliar o conhecimento bíblico da esposa do futuro pastor a assumir o pastorado da igreja no ano seguinte. As líderes desse departamento se achavam no direito de testar a fé e a espiritualidade da família do pastor, realizando uma espécie de exame do conhecimento bíblico-teológico às esposas dos pastores. Era uma forma de intimidá-las e de dizer-lhes que naquela igreja quem mandava eram elas. O exame obedecia à seguinte ordem: chamava-se a esposa do pastor em uma roda de mulheres e a bombardeavam com inúmeras perguntas bíblicas, com base na bagagem bíblica por elas adquirida na ocasião da Escola Bíblica Dominical. 10.


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Pense você, a esposa do pastor sem possuir formação teológica nenhuma, se via diante de um grupo de mulheres que tinha uma vivência religiosa de aproximadamente dez, quinze, vinte ou trinta anos. Era, de fato, uma situação constrangedora! Dessa maneira, ficava evidente que antes de a família do pastor chegar à igreja, via-se cercada de críticos e opositores. Você já imaginou como fica o coração do pastor ao ver sua esposa passando por esse desconforto com as irmãs do departamento de senhoras? Com esse estranho comportamento dessas senhoras, o pastor já assumia a igreja com uma oposição declarada, não é mesmo? Lamentável ainda que os Conselhos ou Diretorias Administrativas das igrejas exijam que as esposas dos pastores trabalhem com a mesma intensidade que seus maridos, mas ninguém cogita honrá-las com o ganho monetário. Muitas vezes sequer se lembram do aniversário das esposas de seus pastores. Mas, em contrapartida, são os primeiros a reclamarem da ausência delas nas programações da igreja. É, no mínimo, absurdo e estranho cobrar a parti11.


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cipação da família do pastor em todas as atividades promovidas pela comunidade. Ademais, os próprios líderes eleitos pelo povo, participam das atividades religiosas quando lhes convém. Julgamentos inoportunos, sem dúvida, desestruturam a comunhão entre os irmãos e, por conseguinte, alimentam um clima de convivência tensa na família do pastor. A esse respeito o evangelista Mateus adverte (BRAB)1: Não julgueis, para que não sejais julgados. Pois com o critério com que julgardes, sereis julgados; e com a medida com que tiverdes medido vos medirão também. Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e então verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão (Mateus 7:1-5).

1 BRAB - Sigla usada nessa obra para fazer referência à Bíblia Sagrada, edição revista e atualizada no Brasil. Traduzido por João Ferreira de Almeida, 1969.

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Veja os absurdos que acontecem no interior das comunidades. Uma determinada igreja, ao decidir pela descontinuidade do ministério pastoral para o ano seguinte, não tendo motivos concretos para justificar tal atitude, alegou que estava tomando essa decisão por que a esposa do pastor pouco participava das programações da igreja. Ou seja, na concepção daquelas pessoas a esposa do pastor frequentava muito pouco as atividades da igreja. Entristecida com o ocorrido, a esposa do pastor endereçou uma carta à diretoria daquela igreja manifestando toda a sua indignação, conforme transcrevo na sequência: Venho pedir ajuda aos senhores... de como uma esposa de pastor pode ajudar na igreja. Primeiro quero dizer que, eu não sabia que esposa do pastor é também pastora só porque se casou com ele. Se assim fosse, a esposa do líder seria também líder por ter se casado com o marido que exerce esse ministério. Eu particularmente creio que não. Mas, em todo o caso venho expor que não fui nunca ordenada para tal cargo, visto ser algo, ou melhor, cargo muito alto para mim uma simples serva que se dedica somente aquilo pelo qual Deus 13.


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me capacitou. Gostaria que os senhores entendessem, esposa do pastor só de não atrapalhar o ministério do esposo já faz uma grande obra. Aliás, não é nada fácil ter esposo que não pode sequer muitas vezes me oferecer momentos de lazer, pois está ocupado o tempo todo com as coisas da igreja. Não estou aqui reclamando do ministério que Deus confiou nas mãos do meu esposo [...]. E onde está escrito que a esposa do pastor tem a obrigação de trabalhar na igreja, visto que não fui contratada para tal ofício? (Sic).

São relatos como esse que preocupam em demasia o meu coração. Lendo o depoimento da esposa do pastor, a ideia que se tem é a de que muitas esposas dos pastores estão sofrendo caladas. Ainda mais quando os maridos não possuem outras formações escolares e acadêmicas diferentes da Teologia, portanto o sustento da família depende da côngrua pastoral2.

2 Côngrua, de acordo com a lei civil, identifica os benefícios que recebem os religiosos em troca de serviços prestados a comunidades cristãs. Isso indica que pastores, sacerdotes, freiras não são contratados pelo regime que fundamenta as relações de trabalhadores e empregados na sociedade brasileira.

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